Namastê Amados irmãos!
Trago esse
precioso link, e logo abaixo o livro em si com ensinamentos de SRI RAMAKRISHNA.
Irmãos, leiam! Se vocês amam o conhecimento Divino ou sobre O Divino, ou sobre
o mundo espiritual ou da alma humana esse livro é uma verdadeira pérola.
Recomendo muito.
Jaya
Parameshwara!
Eis aqui o link: O SAGRADO ENSINAMENTO DE SRI RAMAKRISHNA
O SAGRADO ENSINAMENTO DE SRI RAMAKRISHNA Prefácio de Swami Vijoyananda QUARTA EDIÇÃO PREFÁCIO (da edição Argentina) Com profunda alegria entrego este maravilhoso livro, “O Sagrado Ensinamento de Sri Ramakrishna”, nas mãos de minhas irmãs e irmãos da língua espanhola. A figura de puríssima espiritualidade de Sri Ramakrishna é hoje conhecida por todos os amantes da vida espiritual. Vários autores célebres escreveram sobre Sua divina vida e algo de Seus ensinamentos. No presente livro trataremos de compilar Sua sagradas palavras. Ramakrishna é adorado, na atualidade, por milhares de pessoas, como Encarnação Divina; outros O consideram como um dos maiores mestres e guias espirituais. Suas palavras são expressões da Suprema Verdade. Um dia, disse a vários de Seus mais íntimos discípulos: “Se alguém encontrar uma só mentira em tudo o que eu disse, então tudo o que eu disse é mentira”. As Encarnações são personificações da Suprema Verdade; por isso, Seus evangelhos são eternos. Disse Jesus Cristo: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. Somente aqueles que conhecem Deus podem falar Dele com convicção; somente eles podem guiar os sinceros amantes da vida espiritual. Os verdadeiros santos de todas as religiões, os grandes homens que tiveram a bem-aventurada realização divina, os que viveram em constante comunhão com Deus, podem indicar os caminhos aos amantes da vida espiritual. São guias; eles dizem: “Eu conheço este caminho; se você o seguir, chegará também a conhecer a Verdade, realizará Deus”. Porém, a Encarnação de Deus é algo distinto. Ele vem a ser o exímio instrutor espiritual e o Salvador em pessoa; Ele aconselha com autoridade sobre todos os temas e práticas espirituais e se quiser, em forma direta, concede a salvação final. Por Sua divina misericórdia, nos faz cruzar o oceano da ignorância primária, este oceano de aparências, este nosso universo de nascimento, crescimento, plenitude, velhice e morte. Somente a Encarnação sabe que este universo, que surge e submerge como borbulha no oceano de tempo é a manifestação do Onipresente e, com esse conhecimento direto, vive em perene beatitude. Sri Ramakrishna é a encarnação de Deus. Ele tomou forma humana em 1836 e viveu cinqüenta anos entre nós. Desde muito jovem manifestou, em várias oportunidades, Sua latente Divindade. Praticou todas as religiões do mundo: hinduísmo, com seus inumeráveis caminhos de devoção, yoga e conhecimento; islamismo, a religião da devoção a Deus sem forma, Alá; cristianismo, a religião da devoção na qual, pelo amor do filho do Divino Pai, o toma em Seu seio e o glorifica; o budismo, a religião do amor universal e da completa cessação de toda espécie de sofrimento; todos estes caminhos foram percorridos por Ele e muitos outros que, comumente, não são conhecidos. Ao final de Suas práticas, se iniciou, por indicação de sua Divina Mãe, em seu Supremo misticismo da Vedanta, o caminho do monismo puro e se uniu, definitivamente, ao Um sem segundo. Anteriormente, de diversas maneiras, havia realizado Deus Pessoal, a quem Ele chamava de Divina Mãe, que logo O fez realizar o Deus Impessoal e, por último, se uniu ao Deus Transcendental. Para cada prática espiritual, Sua Divina Mãe o levava a um mestre ou mestra bem versados, alguém que tivesse praticado e realizado o Ideal por esse caminho. Pela misericórdia Divina, o aspirante, com seu eu purificado e transformado, separado ou sucessivamente, realiza ao Deus Pessoal e Impessoal. Mas para unir-se com Deus Transcendental ou o Absoluto Brahman dos monistas, ou diluir-se nEle, é necessário o completo desaparecimento do eu individual. Cruzando as barreiras do tempo e espaço, quando o ser individual vai mais além da causalidade, se torna divino e se une com Deus Transcendental. Então o bem-aventurado realiza que não somente Deus está em tudo e, mais ainda, que está nele e que não há nada que não seja Deus. Todas as Encarnações, sem exceção, pregaram a renúncia. Sri Ramakrishna precisou sua pregação sobre esse ponto com a frase: “Kamini-kanchana tyaga”, ou a renúncia ao sexo e ao ouro. Ele viu que as pessoas se afundam cada vez mais no abismo da ignorância por estarem demasiado apegadas ao sexo e ao ouro, os quais não só sustentam a individualidade do homem, mas o mantém no plano superficial do corpo e o desvia, gradualmente, para a mais baixa animalidade. Atado a kamini-kanchana, a luxúria e a cobiça, o homem se esqueceu que é o Ser, sempre livre, soberano imortal e feliz. Ignorante, mas voluntariamente dedicado aos prazeres sensoriais, continua preso ao sexo e ao ouro e restringe todos os seus atos e pensamentos de comer, dormir, temer e ter vida sexual. O ser humano, que progrediu tanto para alcançar esse estado elevado que o colocou no lugar do melhor da criação, por seu equivocado e muito danoso culto à luxúria e à cobiça, retrocede paulatinamente e, abandonado ao cultivo de seu dom especial, o de raciocinar, abraça novamente a vida inferior dos instintos. E para propiciar essa vida desgraçada, a ciência do século dezenove ajudou bastante. Os homens de ciência, pela descoberta de novos processos químicos e a aplicação de novas forças físicas, dedicaram a vida totalmente às percepções sensoriais. Cegados pela sua vaidade, esses apóstolos do credo materialista pregaram: “Nada existe fora de nossa percepção sensorial”. E como os antigos materialistas charvakas da Índia, pregaram a doutrina: “Enquanto houver vida, há de ser vivida comodamente; comamos manteiga ainda que tenhamos que pedi-la emprestada, porque ninguém paga suas dívidas depois de morto”. Para muitos adoradores da ciência, Deus não existia, a religião era um ópio mental; toda verdade necessitava de sanção e aprovação do método científico; a percepção íntima necessitava da comprovação alheia; os pensamentos e sentimentos eram meras secreções cerebrais, etc. Em lugar do domínio da mente sobre os dez órgãos de percepção e ação, eram os órgãos os que manejavam a mente e o resultado desse monstruoso apostolado dos homens de ciência foi a propagação da doutrina do egoísmo individual e coletivo. Ninguém ou poucos, no ocidente, lembravam da grande religião do Amor, da renúncia, da pureza, da vida espiritual e da total entrega a Deus de Jesus Cristo. Na Índia, o país dos Vedas e Upanishads, dos Puranas e Tantras, as pessoas haviam esquecido sua própria cultura espiritual. O hindu já não lembrava, nem praticava o significado do dito do Khata Upanishad: “Para castigá-los, o Senhor, que não teve origem, criou os órgãos obrando para fora; somente alguns verdadeiros sábios, tranqüilos, os voltam para dentro, para realizar o Supremo”. Com esse ato de dirigir os órgãos para dentro, começa a renúncia ao sexo e ouro, começa a vida espiritual. Enquanto levamos a vida dos sentidos, estamos obrigados a depender dos objetos externos e idéias alheias e nunca saberemos o que é a paz verdadeira. Dançando constantemente pelo impulso dos desejos, que atuam através dos órgãos incontrolados, jamais gozaremos da independência absoluta. São o sexo e o ouro, com seu infatigável companheiro, o afã de domínio, que tiram nossa paz e soberania e não nos permite purificar nosso coração para receber o Bem-aventurado Pai Divino, ou a Divina Mãe de Sri Ramakrishna. Por isso, como preparação da vida espiritual, Ramakrishna nos recomenda: “Kamini-kanchana tyaga”, renunciar ao “ouro” e ao sexo. Dizia um ignorante materialista de Seu tempo: “Que falta faz a tão discutida e problemática presença de Deus, em meio a nossa vida de luta e da busca pela felicidade humana?”. Sri Ramakrishna respondeu: “As pessoas choram baldes pela perda de seus bens, mulher, filhos, etc., mas quem verte uma só lágrima por Deus?”. Quem chora por não sentir a Presença Divina? Às vezes, como passatempo intelectual, em pequenos grupos ou na presença de livros, discutimos a utilidade da vida espiritual, ou a necessidade da vida religiosa para melhorar nosso conceito cívico. É comum, entre as pessoas que levam uma vida puramente objetiva, opinar que a vida religiosa é distinta, bem separada da vida diária. Parece que, ao pertencer a uma religião, é como ter algum adorno especial que é usado em momentos ou dias determinados, marcados no calendário. Estes conceitos nefastos têm enchido a mente humana com idéias tão mesquinhas, que o homem que as segue se converte em inimigo de seu irmão, tem sempre rixas familiares e, sem se dar conta ou deliberadamente, prepara o clima para as guerras internacionais. Aquele que baniu Deus de seu coração, Deus, que é a Inteligência Suprema e o Amor Puro, seguramente se dedicará à ignorante vida dos prazeres sensórios e entenderá o amor como cuidado de um objeto pessoal, animado ou inanimado. Ninguém discute o enorme progresso que houve no campo da ciência. Hoje viajamos rapidamente; percorrendo um “dial” ouvimos notícias de qualquer parte do mundo; os físicos, com seus aparatos de alta sensibilidade, estão classificando as diferentes emanações da matéria; os químicos estão produzindo maravilhas; o carbono negro nos provém de comida, roupa e medicamentos para curar nossas doenças nervosas. Mas perguntamos a esses doutos homens de ciência: encontraram alguma coisa, algum remédio para curar o mal do medo, que se manifesta igualmente como no tempo do sábio rei Bhartriari? Esse sábio disse, em seu pequeno grande livro de poesias “Cem versos sobre a renúncia”: “No prazer físico, existe o medo e a doença; na posição social, existe o medo de cair ou ficar relegado; na riqueza, o medo dos reis hostis; no poder, o medo do adversário; na beleza física, o medo da velhice; na erudição teológica, o medo dos opositores; na virtude moral, o medo dos aduladores e no corpo, o medo da morte. Todas as coisas deste mundo, que pertencem ao homem, estão associadas ao medo; somente a renúncia nos confere o estado sem medo”. Renúncia a que, perguntava o homem, e a Encarnação Divina, Sri Ramakrishna, respondeu: “Kamini-kanchana”, a luxúria e a cobiça. Realizando a Suprema e Única Verdade, praticando todas as religiões, Ramakrishna pregou: “As diferentes religiões são os diferentes caminhos que conduzem o homem ao DEUS ÚNICO, que tem mil nomes e mil formas; que é o Impessoal como o princípio da Verdade e do Amor: é imanente em tudo e se manifesta em todos os seres e objetos do universo; em Seu aspecto transcendental é inefável, eterno, o Um sem segundo”. Depois de praticar as inumeráveis escolas dos hindus, segundo os Puranas e Tantras, como praticante tranqüilo, servidor, amigo, como mãe e amante, realizando em cada prática esse aspecto particular atribuído ao Deus Único e unindo-se com o dito aspecto, Ramakrishna praticou, também, a grande religião de Jesus Cristo como Filho do Pai Divino e teve a visão de que a pura personalidade de Cristo se diluía e penetrava em sua própria personalidade. Depois praticou o islamismo e em três dias teve e visão de Alá. Ao final, aconselhado pela Divina Mãe, praticou a mística doutrina da Vedanta, a do monismo puro. Só pelo monismo puro, renunciando a tudo, até a sua purificada individualidade, o bem-aventurado aspirante se une com o inefável Princípio Divino, Brahman, que se indica como o Sat-Chit-Ananda: Existência-Consciência-Felicidade Absoluta. O ilustre Swami Vivekananda, discípulo de Sri Ramakrishna, que também era muito avançado no Reino de Deus disse, certa vez, com respeito a seu Mestre: “Suas realizações foram além dos Vedas e Upanishads, do Alcorão à Bíblia”. Nos ensinamentos de Sri Ramakrishna, não encontramos nenhuma mancha de sectarismo nem de dogmatismo; como se tivesse unido e fundido com o Universal, Seus evangelhos são sempre universais; Suas palavras nos dão coragem e ânimo; produzem fé em nossa latente Divindade; constantemente nos urgem para que avancemos sem parar para Deus, que sempre está nos esperando. Em Seus ditames não há dúvida ou vacilo, como acontece com as palavras dos pseudofilósofos; não são encontradas a censura nem a condenação do sacerdote profissional; expressam a Suprema Verdade associada ao Amor salvador. Disse Sri Ramakrishna: “Filhos meus, Deus vê tudo; seu ouvido percebe até os passos das formigas; chamado com fervor, juro que Ele virá salvá-los”. Não fundou nenhuma escola religiosa ou filosófico-espiritual; jamais se dedicou às sutis diferenças doutrinárias do monoteísmo ou politeísmo; para Ele, as filosofias do dualismo, monismo qualificado e monismo puro eram explicações adequadas às distintas realizações de Deus, em Seus respectivos aspectos do Pessoal, Impessoal e Transcendental. Não era monoteísta, nem panteísta, nem absolutista. Dizia: “Eu sou o filho de minha MÃE e peço a Ela que me faça ver toda Sua Lila, todos os Seus aspectos e Ela me mostra tudo; não me agrada ser unilateral, gosto de gozar tudo em minha Mãe”. Mais tarde, antes de deixar o corpo, disse a Vivekananda: “Aquele que veio em épocas anteriores, como Rama e como Krishna, desta vez veio com o Ramakrishna”. “Desta vez é o mesmo rei quem veio, mas incógnito”. No século dezenove, os chamados religiosos, antes de realizar Deus seguindo sua própria religião, se dedicavam a pregar que sua religião particular era a única salvadora e que as outras não eram religiões verdadeiras. Esses missionários e pregadores, por não terem realizado o Universal, eram muito dogmáticos e fanáticos. Esqueciam que as pessoas que buscam o exemplo, apreciam mais a vida que se leva do que a pregação e dão valor somente às palavras, quando estas são animadas pela consciência suprema e o amor divino. Na cidade de Calcutá vivia um famoso pregador chamado Pandit Sasadhar. Certo dia este erudito foi visitar Sri Ramakrishna, que lhe perguntou: “Você que prega a religião, recebeu o diploma da Mãe? Se não o tem, sua pregação será inútil. Quando a Mãe quer que alguém pregue Sua mensagem, coloca Seu selo em sua testa e de seus lábios brotam expressões da verdade”. Ouvindo isto, Pandit se sentiu envergonhado e guardou silêncio. Então Sri Ramakrishna o fez recordar um hino, onde se diz: “A misericórdia divina converte ao que nasceu mudo, em orador; ao cocho, faz escalar montanhas, etc”. A maioria dos pregadores costuma cometer esse erro, o de conformar-se com a pregação. Há outros que se sentem muito acima das pessoas religiosas; consideram que pertencer a uma religião é sinal de debilidade e chamam a si mesmos de livres pensadores. Mas para não ficar para trás, repetem as belas palavras de muitos mestres. São pobres ecléticos e suas vidas são, quase sempre bem materialistas, mas esperam ser estimados como grandes universalistas! Os evangelhos das Encarnações são expressões da Verdade Universal. A única diferença que se nota entre os evangelhos é o colorido local que são dados pelos exemplos de ambiente e época. Disse Sri Ramakrishna: “Todos os chacais têm o mesmo uivo”. Todas as Encarnações dizem a mesma verdade. Disse Cristo: “Siga-me; deixe que os mortos enterrem os mortos”. Disse Sri Krishna, no “Srimad Bhagavad Guita”: “Renuncie a todos os deveres religiosos e se refugie unicamente em Mim”. Disse Sri Ramakrishna: “À tarde, deixe todos seus trabalhos e chame Deus com fervor”. A vida e o ensinamento de Sri Ramakrishna explicam, por um lado e comprovam, por outro, todos os fatos da história espiritual da raça humana. Por Suas práticas, Ele comprovou as eternas verdades dos Vedas, Upanishads, Puranas, Tantras, Alcorão e Bíblia. Por sua realização, os caminhos do discernimento puro, da devoção, do yoga, recobraram novo esplendor. Ele lhes infundiu nova vida. As figuras de Rama, Krishna, Vishnú, Shiva, Kali, Buda, Jesus Cristo, saíram de suas nebulosas existências e se converteram em vívidas manifestações da Única Divindade. Dizia: “Ninguém deve ferir o sentimento religioso de outro”. Via que Sua Divina Mãe Kali, que alguns viam como uma mera imagem de mármore negro, era a Mãe do Universo; Ela conversava com Ele; Ela era Deus Pessoal e Deus Impessoal e era Brahman dos Vedantistas. Mesmo para convencer Seus discípulos íntimos que Deus Pessoal e Impessoal são o mesmo, sempre esperava que eles mesmos formassem suas opiniões e depois de suas realizações pessoais. Quando Swami Vivekananda, angustiado pela extrema pobreza de seus familiares, Lhe pediu que mediasse ante Sua Mãe para o socorrer, Ele respondeu: “Por que não vai você mesmo pedir-Lhe diretamente?”. Naquele momento, o jovem Narendra, influenciado pelas doutrinas dos Brahmos, não acreditava em Deus Pessoal; mas quando foi ao templo e realizou que Kali era a personificação da Inteligência Pura, esqueceu de pedir-Lhe o pão cotidiano e, em troca, pleno de profundo fervor, pediu à Mãe que lhe concedesse Conhecimento e Devoção. Há muito pouca diferença entre a visão de Deus Pessoal e a realização de Deus Impessoal. A Divindade, com ou sem personalidade, é a Divindade. Aqueles que conhecem a Verdade, sabem que o Pai que está nos céus é a Divina Mãe do Universo, é o inefável Puro Brahman dos Vedantistas. A Realidade é o Princípio da Suprema Inteligência. AQUELE é conhecido e adorado sob diversos nomes: Deus, Alá, Shiva, Kali, Vishnú, Hari, Brahman, etc., nas diversas religiões do mundo. Disse Sri Ramakrishna: “A mesma água o hindu chama ‘yal’, o maometano ‘pani’ e o inglês ‘water’”. O ignorante peleja pelo nome e a forma; o sábio, realiza a Realidade. A Suprema Inteligência é, ao mesmo tempo, Pessoal e Impessoal, imanente e transcendente. Aparece como todas as formas e não tem nenhuma forma própria. A Suprema Realidade, como o Absoluto, é inefável, inconcebível. A linguagem humana não pode expressá-la e a mente humana não chega a alcançá-la. É desconexa, transcende toda relatividade. Por outro lado, este mesmo Princípio, em Seu aspecto cósmico, está intimamente relacionado com o mundo animado e inanimado, porque é sua origem, sustenta e subtrai. Neste aspecto, o Real é conhecido e adorado como Pai Divino, ou Divina Mãe do Universo. Todos os seres, todos os objetos são manifestações de Deus Cósmico; nEle procedem, nEle vivem e a Ele retornam. A Divina Mãe Kali é a fonte de todo o belo de todo o feio; tudo o que é agradável e tudo o que é detestável é Ela Mesma. Quando alguém realiza o Deus Cósmico, compreende o que significa Seu aspecto de Kali – a terrível e amorosa, ao mesmo tempo. A Mãe Kali, em seu aspecto terrível, mata os demônios e, em Seu aspecto bondoso, acalma o coração do devoto com divino amor. Ela nos envia diversos sofrimentos para nos purificar, para que logo possamos entronizá-La permanentemente em nosso coração. Como Ela não tem, na realidade, nenhuma qualidade, nos libera do triplo mal que constitui o tempo, espaço e causalidade. Tomando-nos pela mão, nos faz cruzar as grandes ondas dos conceitos de “ontem”, “hoje” e “amanhã” e nos torna permanentes. Destruindo a noção de forma, nos liberta do mundo objetivo e libertando-nos da ignorância original, que é a causa primária, nos estabelece como Ser, imortal e feliz. O Impessoal pode ser realizado pelo caminho do conhecimento direto, percepção e realização própria. Este conhecimento não é sensório nem das coisas com que fomos feitos, nem com o que o universo está constituído, mas do Ser, que é simplesmente imaculado, íntegro, indivisível e imortal. Este Ser, refletido no intelecto, que é a obra da “maya” cósmica, se transforma no ego e associando-se com diversos aspectos da natureza e, associando-se aos diversos aspectos da natureza, com as idéias e objetos, se convence que é originado, limitado e mortal. Deste modo, seus sofrimentos não têm fim. Esta associação com o mundo objetivo e relativo, privou o Ser de seu estado de “sujeito” e o converteu em um objeto relativo como qualquer outro. Quando o aspirante religioso realiza intimamente o Princípio Divino como Deus Pessoal, como Salvador, a personificação da Verdade e o Amor, Deus Mesmo, por sua misericórdia, tira seus ornamentos como indivíduo e, brindando-lhe com a noção do universal, o faz realizar seu outro aspecto: o Impessoal. Depois, quando o aspirante se estabelece na universalidade; quando seu purificado “eu” se entrega completamente ao Pai Divino, ou a Divina Mãe, ao Único Amigo, ou a Deus e Filho, o aspecto cósmico da Realidade se dilui no Princípio Puro, no Um sem segundo ou Supremo Brahman dos Vedantistas. Mas antes necessitamos amar e nos entregar a Deus Pessoal. Não devemos cometer o tremendo erro dos meros intelectuais que, em seu afã de classificar tudo, consideram o aspecto de Deus Pessoal como algo inferior. Esquecem que embora sintamos que somos constituídos de objetos e idéias com qualidades, embora nos consideremos pessoas, nosso conceito de Deus terá que ser pessoal. Somente os bem-aventurados sabem que Deus Pessoal é também Impessoal. A Encarnação é uma personificação especial da Misericórdia Divina. De tempo em tempo, Ela encarna como um ser humano de extraordinário poder espiritual e potência salvadora. Há uma diferença enorme entre um santo e uma Encarnação: o santo necessitou reconhecer a Misericórdia e teve que trabalhar muito para alcançar esse conhecimento e salvar-se da suprema ignorância que se manifesta de muitas maneiras, entre as quais estão os conceitos e fatos de nascimento individual, crescimento, conversão na vida espiritual, etc., enquanto que a Encarnação, embora aceite voluntariamente o manto da individualidade, enquanto vive como ser humano, realizando muitos atos (não todos) como qualquer outro, jamais esquece completamente Seu estado natural de O Universal. O santo cumpre os preceitos espirituais e se libera; por outro lado, a Encarnação, como não tem nada que alcançar pessoalmente, só trabalha para dar andamento à missão que Ela mesma se propôs a cumprir, que é restabelecer a Eterna Religião. Essa missão, às vezes, apresenta variações no externo, segundo o ambiente e a necessidade da época. Sendo assim, a missão da Encarnação da Divindade, como Sri Ramakrishna, tinha um aspecto especial; restabelecer todas as anteriores Encarnações e Suas doutrinas e assim, ajudar a errante humanidade a corrigir seu pernicioso erro de criar diferenças entre uma ou outra religião. A personalidade humana está intimamente relacionada com a Inteligência Cósmica; nossa personalidade é a manifestação dEla limitada, momentaneamente, pela ignorância primária, a ilusionante “maya” (energia cósmica), que existe objetiva e relativamente sustentada na Suprema Realidade. É como uma nuvem escura que cobre momentaneamente o sol, do qual originou. Todo ser é potencialmente divino e o supremo ideal humano é realizar a Divindade. A vida espiritual é impossível sem a base segura de uma vida moral. A vida egoísta é uma vida imoral. A renúncia é o único remédio para esse grande mal que nos conduz à perdição. Renúncia é separar-se, desapegar-se de “Kamini-Kanchana”, da luxúria e da cobiça. Pela renúncia, se purifica o coração, a mente se concentra facilmente, o intelecto discerne melhor e a vontade jamais perde sua força. Uma vez aquietadas as ondas mentais, o eterno sol da Misericórdia Divina se reflete totalmente em nosso coração e liberta-nos de todas as cadeias, nos unindo com o Único, a Suprema Inteligência, o Supremo Amor e a Beatífica Felicidade. Não posso terminar minha oferenda de apresentar este livro, sem dizer umas palavras às minhas queridas irmãs: como Sri Ramakrishna viveu neste mundo tomando o aspecto de filho da Divina Mãe, Ele adorou, todo o tempo, todas as mulheres. Para Ele, a mulher pura e a mulher equivocada, ambas são, sem exceção, a personificação da Divina Mãe. Que minhas irmãs lembrem disto e trabalhem, orem, rezem, reflitam e se controlem, para manifestar essa Divindade, por elas esquecida! Uma das coisas mais necessárias na vida espiritual é a força de vontade e determinação. A força é virtude e a debilidade é vício. Ter fé na Divindade que está em nosso coração é o manancial de toda força. O homem, por mais vil que seja, jamais está afastado da Divindade Onipresente e ninguém pode, jamais, condená-lo como um pecador irremissível. É uma questão de fé, o propósito de levantar-se novamente, reconhecer e sentir a presença da Eterna Misericórdia em nós mesmos e sermos salvos. Que “O Sagrado Ensinamento de Sri Ramakrishna” nos ilumine a todos e nos reconforte e fortaleça, para reconquistar nosso estado se SER! Disse Sri Ramakrishna: “Deus ouve nossa sincera pregação”. Roguemos a Deus para que nos dê Conhecimento Puro, Amor Puro e nos glorifique com Sua Eterna Presença! SWAMI VIJOYANANDA Ramakrishna Ashrama Gaspar Campos 1149. BELLA VISTA Buenos Aires República Argentina LIVRO I O HOMEM E O MUNDO CAPÍTULO I O HOMEM O DESTINO DO HOMEM. A NATUREZA REAL DO HOMEM. A ESCRAVIDÃO DO HOMEM. A MORTE E A REECARNAÇÃO. O destino do homem. 1. Você pode ver muitas estrelas no céu durante a noite, mas não quando sai o sol. Você pode, por isso, dizer que não há estrelas no firmamento durante o dia? Oh, homem! Porque você não vê Deus nos dias de sua ignorância, não diga que Deus não existe. 2. Nasceu em vão o homem que, tendo alcançado o nascimento humano, tão difícil de obter, não trata de realizar Deus nesta mesma vida. 3. O homem é recompensado de acordo com seus pensamentos e propósitos. O Senhor é como o kalpataru, a árvore celestial que concede tudo o que alguém deseja. Cada qual obtém dEle o que busca. Se o filho de um homem pobre recebe instrução e depois de árduo trabalho chega a ser juiz de uma Corte Suprema, pode pensar: “Agora sou feliz, cheguei ao último degrau da escada”. (Fazendo eco a seu pensamento) o Senhor lhe diz: “Muito bem. Fique assim”. Mas quando o juiz da Suprema Corte se alegra e analisa seu passado, então, compreende que desperdiçou sua vida e exclama: “Que obra real cumpri nesta vida?”. O Senhor também lhe diz: “Sim, o que você fez em toda sua vida!”. 4. O homem nasce neste mundo com duas tendências – vidya, que é a tendência de buscar o caminho da liberação e avidya, que é a inclinação à mundanidade e escravidão. Quando nasce, ambas as tendências estão, por assim dizer, em equilíbrio, como os dois pratos de uma balança. O mundo coloca seus gozos e prazeres em um prato e o Espírito e sua atração em outro. Se a mente escolhe o mundo, o prato de avidya se torna pesado e o homem é atraído para a terra; mas se escolhe o Espírito, o prato de vydia se torna mais pesado e o eleva para Deus. 5. Conhece o Um e conhecerá tudo. Colocando zeros depois do um, se obtém valores de centenas e milhares, mas se o um é apagado, os zeros perdem todo seu valor. A multiplicidade tem valor por causa do Um. Primeiro o Um e depois o múltiplo. Primeiro Deus e depois os “jivas” e “jagat” (as criaturas e o mundo). 6. Primeiro ganhe Deus e depois as riquezas; mas não busque o contrário. Se viver no mundo depois de adquirir a espiritualidade, nunca perderá sua paz mental. 7. Você fala de reformas sociais? Bem, você poderá se ocupar disso depois de realizar Deus. Lembre, os antigos rishis (sábios espirituais) abandonaram este mundo para alcançar Deus. Essa é a única coisa necessária. As outras lhe serão dadas por acréscimo, se realmente você se preocupar em tê-las. Primeiro, veja Deus e logo poderá dar conferências e falar de reformas sociais. 8. Um forasteiro recém chegado a uma cidade, primeiro deve assegurar um alojamento cômodo para passar a noite e depois de deixar ali sua bagagem, pode visitar, sem preocupações, os diferentes pontos da cidade. Se não fizer assim, terá de sofrer muito na escuridão da noite para buscar um lugar para descansar. De igual modo, quando alguém chega a este mundo, primeiro deve assegurar o lugar de eterno descanso em Deus e logo poderá dedicar-se, sem temor algum, as suas tarefas diárias. De outro modo, quando for surpreendido pela escura e terrível noite da morte, terá de enfrentar grandes dificuldades e sofrimentos. 9. Às portas dos grandes celeiros se colocam armadilhas contendo arroz tostado (murhi) para caçar ratos. Os ratos, atraídos pelo sabor do arroz tostado, esquecem o maior prazer de comer o arroz guardado nos celeiros e caem nas armadilhas. Ficam ali aprisionados e morrem. Muito semelhante é o caso da alma. Permanece no umbral da felicidade Divina, a qual é como milhões dos melhores prazeres mundanos condensados em um só e no lugar de esforçar-se para alcançar essa felicidade, se deixa seduzir pelos pequenos prazeres do mundo e cai na armadilha de maya, essa grande ilusão (a natureza física e mental, que é transitória) e ali perece. 10. Um Pandit (erudito): Os teósofos dizem que existem os “Mahatmas”. Dizem, além disso, que há diferentes planos e esferas, como o plano astral, o plano Devachânico, a esfera solar, a lunar, etc., e que o corpo sutil do homem vai a esses lugares. Dizem muitas outras coisas deste gênero. Bem, Senhor, qual é sua opinião sobre a Teosofia? O Mestre: Só o bhakti, o amor a Deus é supremo. Eles apreciam o bhakti? Se não o fazem, está muito bem. É bom se seu objetivo e meta de vida é a realização de Deus. Mas lembre que ficar embevecido com coisas tão triviais como a esfera solar, a esfera lunar, o plano astral, etc., não significa genuína busca de Deus. Deve-se praticar as sádhanas (exercícios espirituais) para obter devoção a Seus pés. Deve-se chorar por Ele com intenso desejo de coração. Deve-se retirar a mente dos diferentes objetos que a atraem e deve-se concentrá-la exclusivamente em Deus. Ele não está nos Vedas, nem na Vedanta, nem em nenhuma outra escritura. Nada pode ser alcançado, a menos que o coração sinta intenso desejo por Ele. Deve-se orar com grande fervor e praticar as sádhanas. Não se pode realizar a Deus tão facilmente. As sádhanas são necessárias. 11. Todos os homens verão a Deus? Ninguém permanece em jejum durante o dia todo. Alguns conseguem a comida às nove da manhã, outros ao meio-dia e outros à tarde ou quando baixa o sol. De forma similar, cedo ou tarde, nesta mesma vida, ou depois de muitas outras vidas, todos devem ver e verão a Deus. 12. As crianças brincam no pátio com seus bonecos, despreocupados e sem medo. Mas quando a mãe chega, param com as brincadeiras e correm para ela gritando: “Mamãe, mamãe”. Você também, oh homem!, está brincando neste mundo material, vaidoso de seus bonecos, como são a riqueza, as honras, a fama, etc. e não sente nenhum temor ou ansiedade. No entanto, se chegar a ver, mesmo que seja uma só vez, a sua Divina Mãe, não encontrará mais prazer em todos esses brinquedos e atirando-os de lado, correrá para Ela. 13. Há pérolas na profundidade do mar, mas se você quiser possuí-las deve enfrentar todos os perigos. Se depois de mergulhar uma só vez na água e não as encontrar, não chegue à conclusão de que não há pérolas no mar. Mergulhe uma e outra vez e tenha a segurança de que, no final, você terá sua recompensa. Do mesmo modo, quando buscar Deus, se não conseguir vê-Lo em sua primeira tentativa e seu esforço lhe parecer inútil, não desanime. Persevere na intenção e seguramente, no final, conseguirá realizá-Lo. 14. Medite no Conhecimento e na Bem-aventurança Eterna e terá felicidade. A Felicidade é eterna, só que está coberta e obscurecida pela ignorância. Quanto menos apego tiver pelos objetos sensórios, tanto mais crescerá seu amor a Deus. 15. A mera possessão da riqueza não é o que faz um homem rico. O que distingue a casa de um homem rico é que, em cada cômodo, está acesa uma lamparina. Na casa do homem pobre não ardem muitas lamparinas, porque o azeite é escasso. Este templo, o corpo, não deve ser deixado às escuras. Deve-se acender nele a lamparina do Conhecimento. “Acende a lamparina do Conhecimento em sua câmara interior e contemple ali o rosto da Divina Mãe”. Cada um pode obter o Conhecimento. Existe o eu individual e o Eu superior. Cada indivíduo tem conexão com o Ser superior. Há uma conexão para o gás em cada casa, e o gás pode ser obtido na companhia de gás. A única coisa que deve fazer é solicitá-lo às autoridades competentes e o fornecerão. Então, terá gás em sua casa e sua habitação ficará iluminada. A natureza real do homem 16. O número um pode ser elevado a qualquer valor, se lhe for agregado zeros, mas se houver omissão do um, os zeros, em si, não têm nenhum valor. Do mesmo modo, enquanto o jiva (alma individual) não se adere a Deus, que é o Um, não tem nenhum valor, pois todas as coisas adquirem seu valor pela relação que têm com Deus. Mas se o “jiva” se une a Deus, que está por detrás do mundo e lhe dá seu valor e faz todo seu trabalho por Ele, acrescenta seu valor; por outro lado, tudo se tornará vão, no final, se ao esquecer de Deus, fizer grandes obras somente para orgulhar de si mesmo. 17. Como uma lamparina não pode arder sem azeite, assim o homem não pode viver sem Deus. 18. Deus é para o homem o que o ímã é para o ferro. Por que, então, Deus não atrai o homem? O ferro que está coberto de lodo não é atraído pelo ímã. Do mesmo modo, o homem mergulhado na maya (ignorância), não sente atração pelo Senhor. Mas se tirar o barro com água, o ferro fica com liberdade de movimento. Igualmente quando, pelas constantes lágrimas da oração e do arrependimento, a alma lava o lodo da maya, que está aderido ao mundo, em seguida o Senhor a atrai para Ele. 19. A união do jivatman e do Paramatman (ser individual e Deus) é como a união das agulhas de um relógio, o que ocorre uma vez a cada hora. Estão relacionados entre si e são interdependentes e embora marchem geralmente separados, podem unir-se nas oportunidades favoráveis. 20. A alma acorrentada é o homem, mas quando está livre das cadeias (maya) é o Senhor. 21. Qual é a relação entre o jivatman e o Paramatman? Como uma corrente de água parece dividida em dois quando cruza com uma ilha, assim o Indivisível aparece dividido em dois – o jivatman e o Paratman – devido a limitação da maya. 22. A água e a borbulha são uma só e mesma coisa. A borbulha surge da água, flutua e se dissolve nela. Assim também o jivatman e o Paratman são uma só e a mesma coisa, sendo sua diferença somente de grau. Um é finito e limitado e outro é infinito; um é dependente e outro independente. 23. A idéia do ego individual é como se cercássemos uma porção de água do rio Gangá (Ganges) e o chamasse que “meu Gangá”. 24. Se atirássemos um pedaço de chumbo num recipiente contendo mercúrio, se misturaria a ele. Do mesmo modo, a alma individual perde sua existência limitada, quando mergulha no oceano de Brahman (o Supremo). 25. Deus é infinito e o jiva é finito. Como pode o finito abraçar o infinito? É como se uma boneca de sal quisesse medir a profundidade do oceano. Ao entrar no mar, a boneca de sal se dissolveria. De forma semelhante, o jiva, ao tratar de medir e conhecer Deus, perde esse estado que o fazia parecer como algo distinto e se faz um com Ele. 26. O Senhor Mesmo é quem atua na forma humana. Ele é o grande prestidigitador e a fantasmagoria de jiva e jagat são Sua prestidigitação. Só o prestidigitador é real, seus truques são irreais. 27. O corpo humano é como uma panela; e a mente, o intelecto e os sentidos, são como água, o arroz e as batatas. Ao se colocar sobre o fogo a panela contendo água, arroz e batatas, ela se esquentará e se alguém a tocar, queimará os dedos, embora o calor não pertença à panela, à água, às batatas ou ao arroz. De igual modo é o poder de Brahman no homem, o qual impele a mente, o intelecto e os sentidos, ao cumprir suas funções. E se aquela força cessa, estes também deixam de funcionar. A escravidão do homem 28. A verdadeira natureza do jiva é Existência-Conhecimento-Felicidade Eterna. Porém, devido a seu egotismo, está limitado por muitos upadhis (atributos que limitam) e esquecem sua natureza real. 29. A natureza do jiva muda com a união de cada upadhi. Se um homem se vestir como um granfino e colocar um xale de musselina bordado, seguramente aflorarão aos seus lábios canções de amor. Um par de sapatos ingleses incharão de vaidade até o homem mais simples e, em seguida, começará a assobiar. Se tiver que subir uma escada, saltará de um a outro degrau como um saheb (europeu). Se um homem tiver uma lapiseira na mão, começará a rabiscar todo o papel que tiver ao seu alcance. 30. Como a serpente está separada de sua pele seca, assim o espírito está separado do corpo. 31. O Atman (Ser) não está apegado a nenhuma coisa. O prazer, a dor, a virtude, o vício, etc., não podem afetar o atman de nenhum modo, mas podem afetar aqueles que se identificam com o corpo, do mesmo modo que acontece com a fumaça que enegrece as paredes, mas não o espaço que há entre elas. 32. Os vedantistas dizem que o atman é completamente desapegado. A virtude e o vício, o prazer e a dor, não podem afetar o atman. Mas por outro lado, podem causar sofrimento aos que estão apegados ao corpo. A fumaça pode manchar as paredes, mas não o espaço. 33. A natureza dos homens varia segundo predomine neles o sattva, rajas e tamas (as qualidades de pureza, atividade e inércia). 34. Embora todas as almas sejam, em sua essência, uma só e a mesma coisa, contudo podem ser divididas em quatro classes, de acordo com suas respectivas condições. Há as almas ligadas, há as que lutam para libertar-se, há as emancipadas e as que são sempre livres. 35. Um pescador atirou sua rede no rio e teve uma boa pesca. Alguns dos peixes permaneceram calmos e imóveis, sem ter intenção alguma de sair da rede. Outros lutavam e saltavam sem poder safar-se; mas uns poucos conseguiam, de um ou outro modo, sair da rede. Assim também, no mundo dos homens, eles são de três classes: os que estão atados e nunca lutam para libertar-se, os que lutam para ser livres e os que já alcançaram a liberação. 36. Há três bonecas – a primeira feita de sal, a segunda de pano e a terceira de pedra. Se estas três bonecas forem mergulhadas na água, a primeira se dissolverá e perderá sua forma. A segunda absorverá grande quantidade de água, conservando sua forma, enquanto que a terceira ficará completamente impermeável à água. A primeira boneca representa o homem liberado, que mergulha no Ser Universal e Onipresente, fazendo-se um com Ele. A segunda representa o bhakta, ou verdadeiro amante de Deus, que está cheio de conhecimento e felicidade Divina; e a terceira representa o homem mundano, que não admite nem sequer uma partícula do verdadeiro Conhecimento em seu coração. 37. Os homens podem ser comparados às capas dos travesseiros. Há capas de diversas cores – vermelha, negra, azul – mas todas contêm o mesmo recheio. Assim acontece com o homem. Um é formoso, outro é negro, um terceiro é santo e um quarto é mau. Mas no interior de todos mora o Ser Divino. 38. Todos os pastéis são feitos com farinha, mas são recheados com diversos ingredientes. Os pastéis são bons ou maus, segundo a qualidade do recheio. Do mesmo modo, embora todos os corpos humanos sejam feitos do mesmo material, as qualidades dos homens diferem de acordo com a pureza do coração de cada um. 39. O filho de um brahmin é, sem dúvida alguma, um brahmin de nascimento. Porém, entre os filhos de brahmines, alguns chegam a ser eruditos, outros se consagram sacerdotes, outros se tornam cozinheiros e há outros que se arrastam pelo chão, ante as casas das cortesãs. 40. É certo que Deus reside também no tigre; mas não devemos, por isso, abraçar este animal. É certo que Deus mora até nos seres mais malvados, mas não é apropriado que busquemos sua companhia. 41. Narayana (Deus) moras nas águas, mas todas as águas não são boas para beber. Do mesmo modo Deus está em todo lugar, mas nem todos os lugares devem ser visitados pelos homens. Há água que é boa para lavar os pés, outra para fazer abluções e outra que é apropriada para beber. Do mesmo modo há lugares que podem ser visitados, há outros que podemos nos aproximar até uma certa distância e há outros lugares que devemos saudar de muito longe e dizer-lhes adeus. 42. Cuide do seguinte: do charlatão, do homem que não é de coração aberto, do que ostenta sua devoção, pegando nas orelhas das sagradas folhas de tulsi, da mulher que leva um grande véu e da água estancada dos pântanos, coberta de espessa vegetação, a qual é muito nociva à saúde. A morte e a reencarnação 43. Até o momento da morte, as “almas ligadas” falam de assuntos mundanos. Vão visitar os lugares de peregrinação, banham-se nas sagradas águas do rio Gangá (Ganges) ou passam o rosário, pois se há apegos mundanos no coração, eles se manifestarão, seguramente, no momento de morrer. Daí que, nesse momento, as “almas ligadas” só falam de coisas frívolas. Pode-se ensinar um papagaio a repetir, todo o dia, o santo nome de Radha-Krishna, mas se é atacado por um gato, em seguida emite seu grito natural: “Kña, kña”. 44. O homem sofre por sua falta de devoção a Deus. Portanto, ele deve adotar todos aqueles meios que o ajudem a fazer surgir em sua mente pensamentos sobre Deus, no último momento de sua vida. Se um homem cultiva a devoção durante toda a sua vida, seguramente seu pensamento estará embebido de Deus até no momento de sua morte. 45. O próximo nascimento do homem está determinado pelo que ele pensa no momento de morrer. As práticas devocionais são, portanto, muito necessárias. Se, pela constante prática, se esvazia a mente de toda idéia mundana e se a preenche de idéias divinas, então a lembrança de Deus não o abandonará nem mesmo no momento da morte. 46. Ao se quebrar uma vasilha que não está cozida, o oleiro pode usar a argila para fazer uma nova. Mas se quebrar uma vasilha cozida, seu material já não serve para fazer outra. Do mesmo modo, se uma pessoa morre em estado de ignorância, volta a nascer. Mas se está bem cozida no fogo do verdadeiro conhecimento e ao morrer já é um homem perfeito, não volta a nascer mais. 47. Semeando-se um grão de arroz cozido, seguramente não brotará. Mas um grão cru brotará. Do mesmo modo, se alguém morre depois de ter-se convertido em um siddha (homem perfeito) não terá que renascer, mas um asiddha, um homem imperfeito, terá que nascer uma ou outra vez, até se tornar siddha. CAPÍTULO II MAYA A MAYA COMO PODER CÓSMICO DO SENHOR. A MAYA COMO PODER ILUSIONANTE (AVIDYA). A MAYA COMO PODER QUE LIBERTA (VIDYA). Maya como poder cósmico do Senhor 48. A maya é, com relação a Brahman, o que a serpente em movimento é com relação à serpente em repouso. A força em ação é maya, a força em potência é Brahman. 49. Como a água do oceano ora está calma, ora agitada em numerosas ondas, assim são Brahman e maya. O oceano em estado tranqüilo é Brahman e em estado turbulento é maya. 50. A relação entre Brahman e Shakti (força divina) é como a que existe entre o fogo e sua propriedade de queimar. 51. Shiva e Shakti (a Inteligência e a Energia) são necessários para a criação. Com a argila seca, nenhum oleiro pode fazer uma vasilha; também precisa de água. Assim, Shiva não pode criar sem a ajuda de Shakti. 52. Desejoso de ver a maya, certo dia teve uma visão: uma pequena gota começou a crescer de volume e se converteu em uma moça. A moça se converteu em mulher e deu à luz a um menino. Assim que nasceu o menino, a mulher o tragou. Deste mesmo modo, deu à luz a muitos meninos e a todos devorou. Então soube que ela era maya. 53. A serpente não é afetada pelo veneno que tem em suas presas. Mas ao morder uma pessoa, o veneno lhe causa a morte. Do mesmo modo, embora haja maya no Senhor, a Ele não afeta, enquanto que essa mesma maya causa a ilusão do universo inteiro. Maya como poder ilusionante (avidya) 54. Certo sadhu (monje) viveu por algum tempo no templo de Dakshineswar. Não falava com ninguém e passava o dia inteiro meditando em Deus. Um dia, em forma repentina, uma nuvem obscureceu o céu e pouco depois se levantou um ligeiro vento que varreu a nuvem. O sadhu saiu de seu quarto e começou a rir e a dançar. O Mestre lhe perguntou: “Você, que sempre passa os dias tranqüilo em seu cômodo, por que dança e está tão contente hoje?”. O santo homem respondeu: “Assim é o poder de maya que cobre esta vida! Não há, a princípio, nenhum indício dela. De repente aparece no céu sereno de Brahman, criando o universo inteiro e logo é varrida pelo sopro do mesmo Brahman”. 55. Rama, Sita e Lakshmana foram ao bosque durante o desterro. Rama marchava na frente, Sita no meio e Lakshmana atrás dela. Lakshmana desejava poder ver sempre Rama, mas Sita estava no meio, não podia fazê-lo. Então rogou a Sita que se colocasse a um lado e quando Sita o fez, o desejo de Lakshmana foi satisfeito e pode ver Rama. Assim estão Brahman, a maya e jiva (ser individual). Até a ilusão de maya não se colocar a um lado, a criatura não pode ver o Criador – o homem não poder ver Deus. 56. Um santo costumava olhar, sorridente, os cristais de uma aranha. A razão de seu sorriso era que, as ver as variadas cores do prisma – vermelha, amarela, azul, etc. – que eram falsas, pensava que o mundo era igualmente ilusório. 57. Hari, colocando uma máscara que representa a cabeça de um leão, assume um aspecto terrível. Aproxima-se do lugar onde brinca sua irmãzinha, dando rugidos. A pequena, surpreendida na sua brincadeira, se aterroriza e foge da presença de um ser tão espantoso. Mas quando Hari tira a máscara, a menina, em seguida, reconhece seu irmão e corre para ele exclamando: “Oh, você é meu querido irmão Hari!”. O mesmo acontece com os homens. Iludidos e atemorizados, cometem toda espécie de extravagâncias, impelidos pelo inescrutável poder de maya ou ignorância, que é a máscara com que se oculta Brahman. Mas quando o véu de maya cai, não se vê Brahman como um terrível e inflexível soberano, mas como o muito bem-amado Ser interior. 58. Se Deus é onipresente, por que não O vemos? Olhando um tanque totalmente coberto de musgo e capim, seguramente você não verá a água. Se deseja ver a água, primeiro afaste o musgo que há na superfície. Tendo os olhos cobertos pelo véu de maya, você se queixa que não poder ver Deus. Se quer vê-lo, afaste de seus olhos o véu de maya. 59. Como as nuvens cobrem o sol, assim a maya oculta Deus. Quando as nuvens se dissipam, o sol aparece novamente. Quando se afasta a maya, Deus se faz presente. 60. O cisne mitológico pode separar o leite da água, na qual está diluído e beber somente o leite, deixando a água. Deus está intimamente mesclado com maya. O homem comum não pode vê-Lo separado de maya. Somente os Paramahansas podem desprezar maya e chegar a Deus em Sua pureza. 61. Se você puder descobrir a natureza de maya, a ilusão universal, ela desaparecerá de você, como foge o ladrão quando é descoberto. Maya como poder que libera (Vidya) 62. Em Deus, existem ambas as coisas: vidya-maya e avidya-maya. A vidya-maya conduz o homem para Deus. Por outro lado, a avidya-maya o afasta do caminho do Senhor. O Conhecimento, a devoção, o desapego, a compaixão, são expressões de vidya-maya; com sua ajuda, pode-se alcançar Deus. 63. Maya é a que revela Brahman. Sem maya, quem poderia conhecer Deus? Sem conhecer a Shakti, que é o poder manifestado do Senhor, não há maneira de conhecer Deus. 64. É devido à maya que tais coisas, como a realização do Supremo Conhecimento e a Beatitude final, são possíveis para nós. De outro modo, quem poderia sequer sonhar com isso? Somente em maya surgem a dualidade e relatividade. Mais além de maya não existem tais coisas como o que goza e o objeto do gozo. 65. A gata pode pegar os gatinhos com os dentes sem causar-lhes dano. Mas se agarra um rato, o mata. Do mesmo modo, maya nunca mata um devoto, embora destrua os demais. CAPÍTULO III MAYA COMO “LUXÚRIA E OURO” 1 A ESCRAVIDÃO DO SEXO. O SEXO E O PROGRESSO ESPIRITUAL. COMO VENCER A SEXUALIDADE? A RIQUEZA E O ASPIRANTE ESPIRITUAL. A escravidão do sexo 66. Que é maya? É a luxúria que obstaculiza o progresso espiritual. 1. Em todas as partes onde se faz menção a “mulher e ouro”, deve-se entender que o Mestre fazia Sua advertência aos homens que aspiravam a vida espiritual, já que Sua prevenção com as mulheres era determinada no sentido contrário, ou seja, evitar de cair na armadilha do “homem e ouro” O propósito era puramente psicológico, já que por “mulher” queria sinalizar “sexo”, “carnalidade” e por “ouro”, o afã de acumular riqueza e a cobiça que move toda a idéia de posse de objetos que nos atraem ao mundo. Acreditamos que isto esclarecerá ao leitor não familiarizado com o ensinamento do Mestre, Sua advertência contra “a mulher”, já que verá, por outro lado, que Sua atitude foi sempre de profundo respeito para com a mulher, sobressaída na adoração. Considerava que cada mulher, boa ou má, era a manifestação de Sua bem amada Mãe do Universo e queria que Seus devotos cultivassem a mesma atitude. 67. É a maya ou a meye (mulher, sexo) que devora tudo? 68. As almas enredadas na mundanidade não podem resistir às tentações da “luxúria e do ouro” e dirigir suas mentes a Deus, embora essas coisas lhes tragam milhares de humilhações. 69. Tenha cuidado, oh homem que vive no mundo! Não confie demais na mulher, pois ela estabelece seu predomínio sobre você de maneira bastante insidiosa! 70. Você não pode viver em um quarto com fuligem e evitar que sua pele se manche de vez em quando, apesar das precauções. Do mesmo modo, se um homem vive em companhia das mulheres, algum desejo carnal, por mais leve que seja, surgirá nele, mesmo sendo muito circunspeto e tenha domínio sobre seus sentidos. 71. Ao se colocar jarros com água gelada e garrafas que com saborosos molhos perto de um homem que tenha febre alta e delira, acredita que lhe será possível, sedento e inquieto como está, resistir à tentação de beber a água e provar os molhos? Do mesmo modo o homem mundano que sofre a febre alta da luxúria e está sedento de prazeres sensórios, não pode resistir às tentações, quando se vê colocado entre os encantos da beleza, por um lado, e as atrações das riquezas, de outro. Seguramente se desviará do caminho da devoção. 72. Uma vez um cavaleiro marwari (comerciante de Marwarm, província do centro da Índia) foi ver Sri Ramakrishna e lhe perguntou: “Senhor, por que não vejo Deus, mesmo tendo renunciado a tudo?”. O Mestre: “Você vê esses sacos de couro em que guarda o azeite? Se um desses sacos se esvazia, um pouco de azeite fica aderido à suas paredes e é aí que conserva o odor do azeite. Do mesmo modo, mesmo não havendo em você vestígios de mundanidade, o odor persiste”. 73. “A luxúria e o ouro”, lembre-se, mantém o homem imerso na mundanidade e afastado de Deus. É estranho que o homem só tenha louvores para com sua própria mulher, seja ela boa, má ou indiferente. 74. Como um macaco sacrifica sua vida aos pés de um caçador, assim o homem sacrifica a sua aos pés de uma mulher formosa. O sexo e o progresso espiritual 75. Aqueles que anseiam por realizar Deus e progredir em suas práticas devocionais, devem cuidar-se particularmente contra as armadilhas da luxúria e da riqueza. Do contrário, nunca alcançarão a perfeição. 76. Nityananda perguntou a Sri Chaitanya: “Por que meus ensinamentos sobre o amor divino não produzem resultados tangíveis na mente dos homens?”. Sri Chaitanya respondeu: “Devido a sua associação com as mulheres é que os homens não podem reter os ensinamentos elevados. Escute, irmão Nityananda, não há salvação para as pessoas de mente mundana”. 77. Quando o indicador se separa da agulha que sinaliza o fiel da balança? Quando um dos pratos tem mais peso que o outro. Do mesmo modo, a mente de afasta de Deus e se desequilibra pela pressão que exerce a luxúria e a cobiça sobre ela. 78. Se há um pequeno orifício no fundo de uma jarra, pouco a pouco sai toda a água que ela contém. Do mesmo modo, se restar no aspirante o mais ligeiro gosto pelo mundano, todos os esforços acabam em nada. 79. Trate de alcançar o domínio absoluto sobre o instinto sexual. Se alguém o alcança, se produz uma troca fisiológica pelo desenvolvimento de um nervo chamado medha, que já existe em forma rudimentar no corpo e cuja função é transmutar a energia inferior em energia superior. Obtém-se o conhecimento do Ser superior depois do desenvolvimento do nervo medha. 80. A mente apegada à “luxúria e cobiça” é como a noz do betel verde. Enquanto está verde, o caroço permanece aderida à casca mas, quando seca, se separa e se a sacudirmos, move-se lá dentro. Assim também, quando a atração pela “luxúria e cobiça” se seca, a alma é percebida como algo completamente diferente do corpo. 81. Quando a mente está livre de apego pelos objetos sensórios, se dirige a Deus e permanece fixa nEle. Deste modo, a alma ligada se libera. Alma ligada é aquela que toma um caminho que a afasta de Deus. 82. Ao se extirpar a mente do apego, da luxúria e do dinheiro, que outra coisa fica na alma? Só fica a felicidade e Brahman. Como vencer a sexualidade? 83. Uma pessoa que vive em uma casa cheia de serpentes venenosas está sempre alerta e vigilante. Do mesmo modo, os homens que vivem no mundo devem estar em guarda contra as ciladas da luxúria e da cobiça. 84. Quando se encontra uma serpente, é costume dizer (em Bengala): “Mãe Manasa, rogo-lhe que se vá, mostrando sua cauda e escondendo sua cabeça”. Mesmo assim é prudente manter-se afastado das influências que podem excitar a sexualidade. É muito melhor evitar seu contato, do que ganhar a experiência de uma queda. 85. Um discípulo perguntou a Sri Ramakrishna como poderia vencer a luxúria, pois apesar de dedicar-se diariamente à contemplação, de vez em quando surgiam maus pensamentos em sua mente. O Mestre lhe disse: “Havia um homem que tinha um cachorrinho mimado, costumava acariciá-lo, levá-lo em seus braços, brincar com ele e até beijá-lo. Ao ver seu tolo comportamento, um sábio lhe aconselhou que não desse tanto afeto ao cachorro, pois este era, no final das contas, um animal irracional e um belo dia poderia mordê-lo. O dono do cachorro levou a sério a advertência. Tirou a animal de seus braços e resolveu não mimá-lo, nem acariciá-lo no futuro. No princípio, o cachorro não conseguia compreender a mudança de atitude de seu dono e corria, como de costume, para que ele o alcançasse e o acariciasse. Mas sendo desprezado várias vezes, desistiu por completo de importunar o dono. O mesmo é o que acontece com você. O cachorro que por tanto tempo foi apertado em seu peito, não o deixará tão facilmente, embora agora você deseje se libertar dele. Mas não há nenhum mal nisso. Não mime mais o cachorro e dê-lhe uma boa palmada cada vez que se aproximar para ser acariciado e, com o correr do tempo, não o importunará mais”. 86. “A luxúria e o ouro” infundem o pecado ao mundo inteiro. A mulher ficará desarmada, se for olhada como manifestação da Divina Mãe. É impossível ver Deus, até que não se extinga a paixão por “mulher e o ouro”. 87. Uma vez que pela intensa vairagya (desapego) o homem alcança Deus, as desordenadas tentações da concupiscência se desvanecem e ele se encontra fora de perigo até de sua própria esposa. Se há dois ímãs desiguais a uma mesma distância de um pedaço de ferro, qual dos dois será atraído com mais força? Seguramente o ímã de maior tamanho. Certamente Deus é o ímã maior. O que a mulher, que é o ímã menor, pode fazer contra Ele? 88. As serpentes são répteis venenosos. Mordem se alguém quer agarrá-las. Mas para o homem que aprendeu a arte de encantar serpentes por meio de pó magnetizado, não é difícil agarrá-las. Pode até brincar com elas, fazendo-as enroscar-se em seu pescoço. (De modo semelhante, o homem de realização fica imunizado contra os perigos da vida mundana). 89. Uma vez um comerciante marwari foi visitar Sri Ramakrishna e lhe ofereceu alguns milhares de rúpias. Mas o Mestre recusou-se firmemente em aceitá-las dizendo: “Não tenho nada que fazer com seu dinheiro, pois se aceitar, minha mente se ocupará dele”. O comerciante, então, propôs fazer um depósito no banco, em nome de um parente de Sri Ramakrishna e, dessa forma, poderia utilizá-lo para atender o Mestre. Ao ouvir a proposta, o Mestre respondeu: “Não, isso seria uma hipocrisia, pois em minha mente surgiria a idéia de que o dinheiro depositado em nome de Fulano de Tal é meu”. Mas o marwari insistiu em sua proposta, citando o seguinte ditame de Sri Ramakrishna: “Se a mente é como azeite, flutuará até mesmo sobre um oceano de luxúria e ouro”. Em seguida o Mestre respondeu: “É certo, mas o azeite flutua sobre a água por muito tempo, se puder. Do mesmo modo, embora a mente esteja flutuando sobre o oceano de ‘mulher e ouro’, esse contínuo contato, por um longo tempo tenderia, seguramente, a viciá-la e a mente exalaria mau odor”. A riqueza e o aspirante espiritual 90. Referindo-se ao fato de que a busca pela riqueza desvia o aspirante do caminho de Deus, o Mestre disse, uma vez, a um jovem discípulo: “Como um homem que vive no mundo, você aceitou um emprego remunerado. Porém você trabalha para sustentar sua mãe. Se não fosse assim, eu lhe diria: Que vergonha! Que vergonha”. Repetiu essas palavras várias vezes e logo disse: “Sirva somente ao Senhor”. 91. Referendo-se à degradação que está embutido no serviço que se presta buscando o dinheiro, a Mestre disse a um jovem discípulo: “Noto uma grande mudança em seu rosto. Parece coberto por um sombrio véu. Isto se deve a seu trabalho no escritório. Você tem contas a pagar e centenas de outros assuntos para atender”. 92. O dinheiro é um upadhi (ligação) muito forte. Quando um homem enriquece, muda por completo. Um brahmin tranqüilo e humilde costumava vir aqui (a Dakshineswar) de vez em quando. Depois de certo tempo deixou de vir, sem que soubéssemos o que lhe havia acontecido. Um dia, íamos de barco a Konnagor. Ao descer do barco vimos o brahmin sentado na margem do rio Gangá, em companhia de pessoas de alto padrão social, tomando ar puro do rio. Quando me viu, se aproximou e em tom de condescendência me disse: “Olá, Takur! Como vai você?”. Em seguida notei a mudança no tom de sua voz e disse a Hriday, que estava comigo: “Lhe asseguro que este homem deve ter juntado algum dinheiro. Não notou a grande mudança que sofreu?”. Hriday começou a rir. 93. O dinheiro só pode lhe dar o pão. Não o considere como seu único ideal. 94. Há pessoas que se vangloriam de sua riqueza e poder, de seu nome e fama e de seu elevado padrão social. Mas todas estas coisas duram muito pouco tempo. Nenhuma delas perdura depois da morte. 95. Há duas ocasiões em que o Senhor sorri. Primeiro, quando um médico se aproxima de um paciente que está gravemente doente e a ponto de morrer e diz à sua mãe: “Não há nenhum motivo para que a senhora se angustie tanto. Tomo sobre mim a responsabilidade de salvar seu filho”. Também sorri quando dois irmãos dividem uma propriedade com uma fita métrica e dizem: “Esse lado é meu e esse lado é seu”. 96. Não há nada para se orgulhar, na riqueza. Se você diz que é rico, há pessoas mais e mais ricas, no entanto e comparando-se a eles, você pode parecer como um mero mendigo. Ao anoitecer, quando saem os pirilampos, eles podem pensar: “Estamos iluminando o mundo”. Mas quando as estrelas começam a cintilar, o orgulho dos pirilampos se desvanece. Agora são as estrelas que começam a pensar: “Somos nós que iluminamos o universo”. Mas depois de um tempo, a lua ascende ao céu e dessa vez se enche de vaidade, pensa que ilumina e dá beleza ao mundo. Mas quando a aurora proclama a ascensão do sol, no oriente, como fica, então, a lua! Se aqueles que se consideram ricos refletirem sobre estes fenômenos da natureza, deixarão de vangloriar-se de seu poder e riquezas. 97. A água flui constantemente por debaixo das pontes, sem estancar-se. Assim também o dinheiro que passa pelas mãos do homem livre e nunca é acumulado por ele. 98. É verdadeiramente sábio o homem para quem o dinheiro é somente um servidor. Mas, por outro lado, aqueles que não conhecem o uso apropriado do dinheiro, não merecem ser chamados de homens. CAPÍTULO IV MAYA COMO AHAMKARA OU EGOTISMO OS MALES DO EGOTISMO. A DIFICULDADE DE VENCER O EGOTISMO. O EGO “MADURO” E O EGO “IMATURO”. O MODO DE VENCER O EGO. O EGO DO HOMEM DE REALIZAÇÃO. Os males do egotismo. 99. O sol ilumina e dá calor ao mundo inteiro, mas não pode fazê-lo quando as nuvens interceptam seus raios. De modo semelhante, quando o egotismo cobre o coração, Deus não pode iluminá-lo. 100. O egotismo é como uma nuvem que oculta Deus de nossa vista. Se pela graça do guru (mestre espiritual) a nuvem se dissipa, percebemos Deus em toda Sua glória. 101. Pergunta: Senhor, por que estamos ligados deste modo? Por que não podemos ver Deus?. Resposta: O ego do homem em si é a maya, é o véu que oculta a luz. Realmente, com a morte do “eu” cessa toda a aflição. Se pela graça do Senhor o homem alcança o conhecimento de que ele não é o fazedor, então se converte em um jivanmukta (livre nesta mesma vida) e transcende todo o temor. 102. Se eu colocar esta toalha diante de mim, você já não poderá me ver, embora eu esteja tão perto de você como a um instante. Do mesmo modo, Deus está mais perto de você do que qualquer outra coisa, mas devido à cortina do egotismo, você não pode vê-Lo. 103. Enquanto persistir o egotismo, não será possível obter o conhecimento de Ser (gñana), nem a Liberação (mukti) e não haverá a cessação de nascimento e morte. 104. Se em uma panela com água for colocado arroz, legumes e batatas, você poderá tocá-los, enquanto o fogo não estiver quente. Algo semelhante acontece com o jiva (ser individual). Este corpo é a panela. A riqueza, a erudição, a linhagem, o poder, a posição social, são como o arroz, os legumes e as batatas. Pelo egotismo é que o jiva se torna tão quente (arrogante). 105. A água da chuva não fica nos lugares altos, ela corre para lugares mais baixos. De modo semelhante, a misericórdia de Deus fica no coração dos humildes, mas escorre do coração dos frívolos e arrogantes. 106. O egotismo é tão danoso, que enquanto não for arrancado pela raiz, não haverá salvação para o homem. Olhe quantas penúrias sofre um terneiro por causa do egotismo. Assim que nasce, grita: “Hamhai” – Eu sou, eu sou. Como resultado do egotismo, cresce e se for boi, é o colocado no arado ou carrega pesado carros; se for vaca, é colocada atada a um poste e até é morta para se comer sua carne. Mas apesar de tantos castigos, o animal não perde seu egotismo, pois os tambores que são feitos de seu couro produzem o som “Ham – Eu. Até que se façam cordas de suas vísceras, a pobre criatura não aprende humildade. Só então os intestinos do animal repetem “Tu hai” – você é. O “eu” deve desaparecer e dar lugar ao “você”; mas isto não é possível até que o homem não desperte espiritualmente. 107. A liberdade chegará quando seu egotismo desaparecer e você mergulhar na Divindade. 108. Quando o homem obtém a salvação? Somente quando seu egotismo morrer. 109. Pergunta: Quando serei livre? Resposta: Quando esse “eu” se desvanecer. “Eu e meu” é ignorância. “Você e Seu” é verdadeiro conhecimento. O verdadeiro devoto sempre diz: “Oh Senhor! Você é o fazedor (Karta). Você faz tudo. Tudo isso é Sua glória. Este lar e esta família são Seus e não meus; eu só tenho direito de servi-Lo em tudo que o Senhor ordenar”. A dificuldade de vencer o egotismo 110. As vaidades comuns a todos os homens podem desaparecer gradualmente, mas é difícil de morrer a vaidade de um religioso a respeito de sua religiosidade. 111. A taça onde foi guardada essência de alho conserva o odor, mesmo depois de ser lavada várias vezes. O egotismo é um aspecto tão obstinado da ignorância, que nunca desaparece de todo, por mais que se tente livrar-se dele. 112. Os dispépticos sabem muito bem que os embutidos são nocivos para eles, mas tal é a força de associação, que só ao vê-los, dá água na boca. Igualmente, mesmo que alguém trate, por todos os meios suprimir as idéias de “eu e meu”, ao começar a atuar, o ego “imaturo” se faz valer. 113. Há poucos que podem alcançar o estado de samadhi e libertar-se de aham – o sentimento de “eu”. Você pode raciocinar e discernir incessantemente, contudo o “eu” volta umas mil vezes. Hoje você pode cortar a árvore de pipal, mas amanhã verá que brotou novamente. 114. Aqueles que buscam o nome e a fama, estão sob o domínio da ilusão. Esquecem que tudo é ordenado pelo Grande Dispensador de todas as coisas. O sábio sempre diz: “É você, oh Senhor! É Você!”. Mas o ignorante diz: “Sou eu, sou eu”. O ego “maduro” e o ego “imaturo” 115. Há dois tipos de ego, um “maduro” e outro “imaturo”. Nada é meu, tudo o que vejo, sinto ou escuto e até este corpo, não são meus; eu sou sempre livre, eterno e onisciente” – tais idéias surgem do ego “maduro”. Por outro lado, o ego “imaturo” pensa: “Esta é minha casa, estes são meus filhos, esta é minha esposa e este é meu corpo”. 116. O ego que afirma: “Sou o servidor de Deus”, é próprio do devoto. É o ego de vidya (Conhecimento) e se chama ego “maduro”. 117. Qual é o “eu nocivo”? É o “eu” que diz: “Quê! Não me conhecem? Tenho tanto dinheiro! Quem é tão rico quanto eu? Quem ousaria superar-me?”. 118. É danoso o “eu” que faz o homem mundano e apegado à riqueza. A alma individual e o Ser Universal estão separados devido a esse “eu” que se interpõe entre ambos. Ao se colocar uma vara na superfície da água, esta parecerá dividida em duas seções. A vara representa o aham (o “eu”). Tire-a e verá que a água não estava dividida. O modo de vencer o ego 119. Se analisarmos a palavra “eu” buscando suas origens, veremos que é uma palavra que só denota egotismo. Mas é sumamente difícil desprender-se desse “eu”. Por isso alguém deve dizer: “Você, ego malvado, se não quiser caminhar de nenhum modo, fique como escravo de Deus”. Ao ego que se considera como servidor de Deus, se chama eu “maduro”. 120. Shakaracharya tinha um discípulo que tinha lhe servido durante longo tempo, mas que não havia recebido nenhum ensinamento seu. Um dia ele estava sentado sozinho. Shankara ouviu os passos de alguém que se aproximava e perguntou: “Quem está aí?. “Sou eu”, respondeu o discípulo. Então o acharya lhe disse: “Se esse ‘eu’ lhe é tão querido, expanda-o até a infinitude (considere que o universo e seu próprio ser são uma mesma coisa), ou renuncie a ele totalmente”. 121. Se você achar impossível suprimir a consciência do “eu”, então o converta no “eu servidor”. Não há motivo para temer o ego que pensa constantemente: “Sou o servidor de Deus; sou Seu devoto; sou Seu filho”. Os doces causam dispepsia. Mas o açúcar cande é uma exceção. O “eu servidor”, o “eu” de um devoto e o “eu” de um filho – cada um deles são como a linha traçada com uma vara na superfície da água. Não dura muito tempo. 122. Assim como o açúcar cande não tem os efeitos nocivos que têm outros doces, o eu “maduro”, que se considera servidor e adorador de Deus, não causa nenhuma das más conseqüências, que são características do ego “imaturo”. Pelo contrário, conduz a Deus pelo caminho da devoção ou bhakti-yoga. 123. Que acontece com os sentimentos e impulsos do devoto que mantém a atitude do “eu servidor”? Se sua convicção é sincera, então só fica a forma, a aparência de seus antigos sentimentos e impulsos. Mesmo retendo o “ego de servidor”, o “ego de devoto”, aquele que realizou Deus, não pode fazer mal a ninguém. O ferrão da individualidade desaparece. A espada se converte em ouro pelo toque da pedra filosofal. Conserva sua antiga forma, mas já não pode ferir ninguém. 124. Se você é orgulhoso, orgulhe-se com a idéia de que é servidor de Deus, de que é Seu filho. Os grandes homens têm a natureza da criança. Se sentem como meninos diante de Deus e estão livres de toda a arrogância. Sabem que toda a sua força vêm de Deus e a Deus pertence. 125. Uma pessoa que tem a convicção de que tudo se faz pela vontade de Deus, se sente como um mero instrumento em Suas mãos. Está livre de toda ligação nesta mesma vida. “Você faz Sua obra, oh Senhor”; mas o homem diz: “Eu a faço!”. 126. Enquanto alguém diz: “Eu sei”, ou “Eu não sei”, considera a si mesmo uma pessoa. Minha Divina Mãe diz: “Somente quando Eu apago por completo seu aham (eu), é possível realizar em samadhi o Absoluto Indiferenciado (Meu aspecto impessoal)”. 127. Depois de uma vigorosa luta com a própria natureza inferior e a assídua prática de disciplinas espirituais, pode-se alcançar o estado de samadhi. Então o ego, com todo seu séqüito, se desvanece. Mas é muito difícil alcançar o estado de samadhi. O ego é muito persistente. Essa é a única causa pela qual nascemos tantas vezes neste mundo. 128. Enquanto não se obtiver a visão divina, até que o toque da pedra filosofal não transmute o vil metal em ouro, perdurará a ilusão que nos faz pensar “eu sou fazedor”. E enquanto não cessar essa ilusão, persistirá a idéia: “Eu fiz esta boa ação”, “eu fiz aquela má ação”. A maya consiste precisamente nesse sentido de distinção e é a causa da continuidade deste mundo. Chega-se a Deus amparando-se na vidya maya – o aspecto do Poder Divino, no qual predomina sattva (pureza e tranqüilidade) – que nos conduz pelo caminho reto. Só cruza o oceano da maya quem chega a se encontrar cara a cara com Deus. É realmente livre o homem que, até nesse estado corpóreo, sabe que Deus é o verdadeiro agente e que ele, por si mesmo, carece de poder para fazer qualquer coisa. O ego do homem de realização 129. Nunca morrerá completamente o sentimento de “eu”?. As pétalas do loto caem a seu tempo, mas deixam sua marca. Assim também o ego do homem se vai inteiramente (quando realiza Deus), mas ficam vestígios de sua existência anterior. Isto , contudo, não produz mal algum. 130. É verdadeiramente sábio aquele que viu Deus. O homem que viu Deus se torna como uma criança. A criança, sem dúvida, parece ter uma individualidade própria, separada. Mas essa individualidade não é real, é mera aparência. E eu da criança, em nada se parece com o eu do adulto. 131. Alguns grandes seres, depois de alcançar o sétimo ou mais elevado plano de samadhi e mergulharem na consciência de Deus, descem voluntariamente ao ego do Conhecimento (ao aham de vidya), que é o mesmo que o Ser Supremo. Mas esse ego é apenas uma aparência. É como uma linha traçada sobre a água. 132. Como um pedaço de corda que uma vez queimado conserva sua forma, mas não serve para amarrar, assim é o ego que foi queimado no fogo do Supremo Conhecimento. 133. Um homem sonha que alguém vem para cortá-lo em pedaços. Desperta assustado e vê que não há ninguém no cômodo e que a porta está fechada por dentro. Não obstante, seu coração palpita com violência por alguns minutos. Do mesmo modo, nosso abhimana, ou sentido de “eu”, deixa para trás algum impulso, mesmo depois de se afastar. 134. Depois de alcançar o estado de samadhi, alguns retêm o ego de servidor e adorador de Deus. Shankaracharya conservou o “eu” de vidya (Conhecimento) para ensinar aos demais. 135. Hanuman teve a visão de Deus com forma e sem forma (sákara e nirakara). Mas reteve o ego de servidor de Deus. Assim também foi o caso de Nárada, Sanaka, Sarandana e Sanatkumara. Um devoto: “Nárada e outros foram unicamente bhaktas, ou também gñanis?”. O Mestre: “Nárada e outros obtiveram o mais elevado Conhecimento (Brahmagñana). Contudo seguiram, como as águas murmurantes dos arroios, falando e cantando louvores a Deus. Isso indica que eles também conservaram o ego do Conhecimento – um leve vestígio de individualidade, para distinguir sua existência separada da Divindade, com o propósito de ensinar as verdades salvadoras da religião”. 136. Uma vez o Mestre perguntou, em um tom brincalhão, a um discípulo: “Você nota em mim algo de abhimana (sentido do ‘eu’)”? O discípulo: “Sim, um pouco. Mas esse pouco tem sido conservado com os seguintes propósitos: primeiro, a preservação do corpo; segundo, para cultivar a devoção a Deus; terceiro, para estar em companhia dos devotos; e quarto, para ensinar aos demais. Ao mesmo tempo, deve ser dito que o estado natural de sua alma somente pode der descrito pela palavra samadhi, daí que digo que o abhimana que você possui é resultado de sua oração”. O Mestre: “Sim, mas não conservei por mim, senão por minha Divina Mãe. Somente minha Divina Mãe concede o que é pedido na oração”. CAPÍTULO V A ESCRAVIDÃO DO SABER LIVRESCO ESTERILIDADE DO MERO SABER LIVRESCO. A VAIDADE DE DISCUTIR. A VERDADEIRA FINALIDADE DO SABER. Esterilidade do mero saber livresco 137. Uma vez Keshab Chandra Sem (cavaleiro religioso e grande orador) foi visitar Sri Ramakrishna no templo de Dakshineswar e lhe perguntou: “Ao que se deve os eruditos serem tão profundamente ignorantes a respeito da vida espiritual, embora leiam bibliotecas inteiras de obras religiosas?”. O Mestre respondeu: “Os abutres voam muito alto, mas têm o olhar fixo na terra, buscando a pútrida carniça. Do mesmo modo, a mente dos chamados eruditos está apegada à luxúria e às riquezas e por essa razão não podem obter o verdadeiro Conhecimento”. 138. Somente aquele conhecimento que purifica a mente e o coração é o verdadeiro conhecimento. Os demais são negação do Conhecimento. 139. Para que serve o mero saber que se aprende nos livros? Os pandits (eruditos) podem estar familiarizados com muitos textos e versículos sagrados. Mas de que lhes vale repeti-los? Deve-se realizar, em sua própria vida, as verdades contidas nas escrituras. Somente a leitura não dá o Conhecimento ou a Salvação, se alguém está apegado ao mundo e sente a atração da “luxúria e ouro”. 140. Os chamados pandits (eruditos) são grandes eloqüentes. Falam de Brahman, de Deus, do Absoluto, de Gñana Yoga, de filosofia, de ontologia e coisas deste estilo. Mas são muito poucos, entre eles, que realizaram as coisas das quais falam. São secos e duros e não fazem nenhum bem. 141. É muito difícil dizer: “Dó, re, mi, lá, si, dó”, mas é muito difícil reproduzir essas notas em um instrumento. Assim mesmo, é fácil falar de religião, mas é difícil praticá-la. 142. Um papagaio pode repetir o santo nome e Radha-Krishna, mas se cai nas garras de um gato, em seguida lança seu grito natural: “kña, kña”. Os homens de sabedoria mundana repetem, algumas vezes, o nome de Hari (Deus) e fazem obras caritativas para ganhar renome, mas quando a desventura, o pesar, a pobreza e a morte os surpreendem, então esquecem de Deus e todas as obras piedosas. 143. Pode adquirir-se o amor por Deus pela leitura de livros sagrados? O almanaque hindu prediz que tal e tal dia cairá vinte adas (medida de capacidade) de chuva. Mas ao se espremer o almanaque, não sai uma só gota! Dessa forma os livros sagrados contêm muitas palavras sábias, mas só lê-las não faz um religioso. É preciso praticar as virtudes que nos indicam os tais livros, a fim de alcançar o amor a Deus! 144. No reino de Deus, a razão, o intelecto e a erudição de nada servem. Ali os mudos falam, os cegos vêem e os surdos ouvem. 145. Explicar Deus depois de ter lido as escrituras, é como falar a alguém sobre a cidade de Benares, depois de tê-la visto somente no mapa. 146. Você não conseguirá se embriagar de cânhamo, mesmo repetindo a palavra “cânhamo” mil vezes. Primeiro consiga o cânhamo, faça uma pasta fina, depois o misture bem com água e beba-o, então, realmente se embriagará. De que serve gritar: “Oh Deus, oh Deus!”. Pratique com regularidade a devoção e verá Deus. 147. O conhecimento de Deus não chega para uma pessoa que se sente orgulhosa por sua erudição ou suas riquezas. Se você disser a essa pessoa: “Há um santo em certo lugar, quer ir vê-lo?”, seguramente que dará desculpas e não irá. Pensará que é demasiado importante para visitar um homem simples. Tal arrogância nasce da ignorância. 148. Aqueles que leram algo, se sentem cheios de vaidade. Alguém ouviu uma conversa sobre Deus com certa pessoa. Em seguida me disse: “Oh! Eu sei tudo isto”. Eu lhe respondi: “Se uma pessoa visitou a cidade de Deli, deve vangloriar-se disso?”. Por acaso um cavalheiro fica dizendo sempre que é um cavalheiro? 149. Grantha nem sempre significa escritura sagrada, pois freqüentemente quer dizer granthi ou nó. Se alguém não ler as escrituras com o intenso desejo de conhecer a verdade e renunciar a toda vaidade, a mera leitura dos livros somente levará ao pedantismo, presunção, egoísmo, etc., que são como um fardo que pesa sobre a mente do homem sujeito a outros tantos nós. 150. A água seca, se for vertida sobre um monte de cinzas. A vaidade é como um monte de cinzas. A oração e a contemplação não produzem nenhum afeto no coração que está cheio de vaidade. A vaidade de discutir 151. Quando se está enchendo um cântaro, se ouve um “glu glu”, mas uma vez cheio, o ruído cessa. Do mesmo modo o homem que não encontrou Deus, se entretém em vãs disputas sobre Sua existência e natureza. Mas aquele que O viu, goza o silêncio da felicidade Divina. O “glu glu” é a razão, o discernimento que, pela vontade de minha Divina Mãe, nos conduz ao verdadeiro Conhecimento. Esse ruído indica que o cântaro não está cheio e da mesma forma, o fato de raciocinardemonstra que a meta não foi alcançada. O “glu glu”, no entanto, é ouvido de novo, ao se verter a água do pote cheio em outro pote, que é quando o sábio transmite ao seu discípulo a água da Divina Sabedoria. 152. Os homens comuns falam “às toneladas” sobre religião, mas não praticam nem “um grama” dela. O sábio, por outro lado, fala pouco, mas sua vida inteira é religião expressada em ação. 153. Quando em uma festa há muitos convidados, ouve-se muito ruído, até que a comida é servida. Quando os hóspedes começam a comer, três quartas partes do murmurinho pára. Quando os doces são servidos, o ruído diminui ainda mais. Finalmente chega o turno da coalhada (o último a ser servido) e, então, só se ouve o som “sup sup”. Terminada a festa, a última coisa que resta aos convidados é ir dormir! Quanto mais você se aproximar de Deus, tanto menos disposto estará em inquirir e raciocinar. E quando finalmente realizá-Lo e vê-Lo como uma realidade palpável, então todo o ruído e toda a disputa cessarão. Chegará o momento de ir dormir, o que quer dizer gozar em comunhão com a Divindade, no estado de samadhi. 154. A abelha dá voltas zumbindo, até que pousa sobre a flor e suga a doçura do mel que há nela. Mas uma vez dentro da flor, degusta o néctar silenciosamente. Enquanto o homem disputa doutrinas e dogmas, demonstra que não provou o néctar da verdadeira fé. Uma vez que o prove, se torna silencioso. 155. O iniciante de um estudo de língua estrangeira, quando fala, usa constantemente palavras desse idioma para demonstrar seu adiantamento. Mas aquele que conhece bem o idioma raramente o emprega quando fala em sua língua materna. Tal é o caso, realmente, dos que fizeram verdadeiros progressos na religião. 156. Á certa distância de um mercado, só se ouve um rumor confuso, mas ao se entrar nele, vê-se e ouve-se distintamente como as pessoas compram e vendem. Da mesma maneira, enquanto uma pessoa está longe de Deus, se encontra em meio ao murmurinho dos sofismas e vãs discussões. Mas quando se aproxima de Deus, todos os argumentos e discussões cessam e obtém-se uma clara e vívida percepção dos mistérios de Deus. 157. Ao se colocar um pastel cru na manteiga fervente, ele faz um certo chiado. Mas a medida em que frita, o ruído diminui e quando está completamente frito, o ruído pára. Enquanto o homem tem somente um pouco de conhecimento, se envaidece por falar e pregar, mas quando alcança a perfeição do verdadeiro Conhecimento, abandona toda a vã ostentação. 158. Quando a graça do Todo Poderoso desce, cada um de nós reconhece seus erros. Sabendo que é assim, você deveria abster-se de discutir. A verdadeira finalidade do saber 159. Os livros sagrados somente indicam o caminho que conduz a Deus. Quando se conhece o caminho, de que servem os livros? Vem, então, o momento de entregar-se à comunhão com Deus na solidão. Uma pessoa recebeu uma carta de sua casa de campo, na qual seus parentes lhe pediam certas coisas. No momento de fazer as compras, releu a carta para saber quais eram os artigos pedidos. Ao fazê-lo, percebeu que a havia extraviado. Procurou cuidadosamente por todos os lados, até que a encontrou. Tornou a lê-la com cuidado. A carta dizia: “Por favor, mande cinco quilos de doces, cem laranjas e tantos metros de tecido”. Tendo-se inteirado de seu conteúdo, guardou a carta e apressou-se em procurar as coisas pedidas. Do mesmo modo, os livros sagrados somente nos ensinam os meios para realizar Deus. Conhecidos os meios, o próximo passo é abrir caminho para a meta. A Realização é a meta. 160. Para-vidya, ou conhecimento supremo, é aquele pelo qual realizamos Deus. Tudo o mais, as escrituras, a filosofia, a lógica ou gramática, em si, são somente um fardo e servem para confundir a mente. Os granthas (livros) são, às vezes, granthis (nós). Só são bons quando nos conduzem ao supremo conhecimento. 161. Muitas pessoas pensam que o conhecimento de Deus só pode ser obtido mediante o estudo dos livros. Mas melhor do que ler é ouvir e melhor que ouvir é ver e realizar. Ouvir a verdade dos lábios do preceptor causa mais impressão que a mera leitura dos livros. Mas ver causa a maior impressão de todas. Melhor que ler sobre Benares é ouvir a descrição que faz uma pessoa que a visitou. Mas o melhor de tudo é ver Benares com nossos próprios olhos. 162. Há duas espécies de pessoas que podem obter o conhecimento do Ser: aqueles, cuja mente não está empanturrada de erudição, ou seja, cheia das idéias alheias e aqueles que, depois de estudar as escrituras e as ciências, chegam à conclusão de que não sabem nada. 163. As pessoas falam de erros e superstições e se vangloriam da erudição adquirida nos livros, mas o devoto encontra o amante Senhor sempre pronto para atendê-lo prontamente. Pouco importa que no passado tenha seguido por um caminho equivocado. O Senhor sabe do que ele necessita e, no final, satisfaz o desejo de seu coração. 164. Dois amigos entraram em um pomar. Um deles, que possuía sabedoria mundana, começou imediatamente a contar as mangueiras, a calcular as mangas que cada uma produzia e a falar do valor aproximado do pomar. Seu companheiro, por outro lado, foi imediatamente ver o dono, fez amizade com ele e logo, por seu convite, dirigiu-se a uma mangueira, arrancou alguns frutos maduros e começou a comê-los. Qual dos dois acredita que é mais sábio? Coma as mangas! Isso satisfará sua fome! Para que serve contar as árvores e as folhas e fazer cálculos? O arrogante intelectual se ocupa em buscar inutilmente o “porquê” e “para que” da criação, enquanto o humilde homem de sabedoria faz amizade com o Criador e goza do dom de Sua Suprema Felicidade. 165. Um raio e luz de minha Divina Mãe, que é realmente a Deusa da Sabedoria, pode humilhar até o mais versado pandit e fazê-lo parecer um insignificante verme que se arrasta sobre a terra. 166. Repita a palavra Guita (Bhagavad-Guita) dez vezes, em rápida sucessão – Gui-ta – gui-ta –tagui. Terminará dizendo “Tagui, tagui”, que indica uma pessoa que renunciou ao mundo por amor a Deus. Assim, em uma só palavra, o Guita ensina: “Oh homem ligado ao mundo, renuncie! Renuncie a todas as coisas e fixe sua mente no Senhor!”. 167. Chaitanya Deva (Encarnação Divina do século XVI), durante Sua peregrinação pelo sul da Índia, viu um devoto que vertia profusas lágrimas, enquanto ouvia um brahmin que lia o Guita, em sânscrito. Aquele devoto não conhecia nem sequer o alfabeto e não podia seguir um só versículo do Guita. Quando lhe perguntou por que chorava, respondeu: “Certamente que não conheço uma só palavra do Guita. Mas durante sua leitura eu via, com meu olho interior, a bela forma de meu Senhor Krishna, sentado em um carro frente a Arjuna, no campo de Kurukshetra, compartilhando os sublimes ensinamentos contidos no Guita. Isto foi o que encheu meus olhos com lágrimas de plenitude e amor”. Aquele homem, que não conhecia sequer uma letra, possuía o mais elevado Conhecimento, pelo fato de ter amor puro para com Deus e pôde realizá-Lo. CAPÍTULO VI MESTRES RELIGIOSOS – FALSOS E VERDADEIROS AS ARMADILHAS PARA UM PRECEPTOR. QUEM É UM VERDADEIRO MESTRE ESPIRITUAL? As armadilhas para um preceptor 168. Oh você que prega, leva contigo o distintivo da autoridade para fazê-lo? Mesmo o mais modesto servidor de um rei é visto com temor e respeito e pode aplacar o tumulto, mostrando sua insígnia. Antes de pregar, consiga a inspiração e o mandato de Deus. Você pode pregar por toda sua vida, mas até chegar a isto, se você não tiver a divisa da Divina inspiração todas as suas palavras serão mera perda de tempo. 169. Ninguém tem a paciência ou o desejo de mergulhar profundamente no amor Divino. Ninguém se exercita no discernimento e na renúncia (viveka e vairagya), ninguém quer submeter-se às práticas espirituais (sádhana). Mas, por outro lado, todos se apressam a dar conferências e ensinar tendo somente um grão de conhecimento tirado dos livros. Que estranho é isso! Ensinar aos demais é a mais difícil das tarefas. Só pode ensinar aquele que realizou Deus e recebeu seu mandato direto. 170. “Que pensa o senhor de um homem que é um bom orador e pregador, mas cujos poderes espirituais não estão desenvolvidos?”. É como aquela pessoa que desfalca os bens que outra pessoa lhe confiou em custódia. Um pregador pode, com essa facilidade, aconselhar aos demais. Isso nada lhe custa, já que as idéias que expõe não são suas, mas emprestadas. 171. Um conferencista muito conhecido foi dar uma conferência em uma Harisabha (associação religiosa). Durante seu discurso, disse: “O Senhor está totalmente desprovido de rasa (doçura); devemos adoçá-lo emprestando-lhe a doçura de nossa própria natureza”. Por rasa ele quis dizer o amor e outros atributos divinos. Quando ouvi isso, lembrei de certo rapaz que disse que seu tio tinha muitos cavalos e tentava convencer seus ouvintes descrevendo o estábulo em que seu tio guardava os cavalos. Evidentemente os ouvintes mais inteligentes pensaram, imediatamente, que um estábulo não é exatamente o lugar em que estão os cavalos e que, portanto, o rapaz estava mentindo e não tinha nenhuma experiência ou conhecimento sobre cavalos. É absurdo dizer que Deus carece de rasa, o qual prova que o orador era completamente ignorante sobre o tema que tratava. Demonstrou não ter realizado jamais o Ser Supremo, que é a fonte do amor, da sabedoria e do gozo. 172. “Qual é sua opinião sobre o método empregado, hoje em dia, pelos pregadores religiosos?”. É como convidar cem pessoas para almoçar, tendo comida só para uma. É pretender ser um grande mestre de religião, quando tem apenas uma pequena experiência da vida espiritual. 173. Primeiro instale Deus no templo de seu coração. Depois de ver Deus e não antes, poderá dedicar-se, se quiser, às pregações aos demais. As pessoas falam muito facilmente de Deus e Brahman (Ser Supremo), mas estão todo o tempo apegadas às coisas do mundo. A que se deduz tudo isto? É como soprar o caracol (sanka) chamando as pessoas ao culto, sem ter instalado Deus no templo. 174. Um dia, ao passar por Panchavati, ouvi o espantado coaxar de uma rã. Pensei que talvez tivesse sido atacada por uma serpente. Quando, depois de um longo tempo, voltei pelo mesmo lugar, ouvi o mesmo ruído. Olhando através dos arbustos, vi um cobra d’água com uma rã em sua boca. Não podia engoli-la, nem soltá-la, e por isso a agonia da rã se prolongava. Logo pensei: “Se uma rã tivesse caído em poder de uma cobra, teria sido silenciada depois de coaxar duas ou três vezes, somente. Agora, por outro lado, o sofrimento da cobra é quase igual ao da própria rã”. Do mesmo modo, se um homem que não tenha sido iluminado, toma a seu cargo a responsabilidade de salvar outro, o sofrimento de ambos não tem fim. O ego do discípulo não desaparece, nem se cortam suas ligações mundanas. Se um discípulo cai sob a influência de um mestre incompetente, nunca consegue a liberação. Mas se tem um mestre verdadeiro, o egotismo de jiva perece ao terceiro “gemido”. 175. Havia um pregador profissional que provocava fortes sentimentos devocionais em seus ouvintes toda vez que dava seu sermão, mas ele, pessoalmente, não era um homem de caráter. Penalizado pela vida que levava, um dia lhe perguntei como ele podia despertar sentimentos devotos no coração de tanta gente, sendo que ele levava uma vida tão pouco digna. Respondeu-me: “A escova, embora seja uma coisa em si depreciável, serve para bater o pó e a sujeira das ruas!” 1. Não pude responder-lhe. 1. Isto não deve ser considerado como uma contradição da tese principal deste Capítulo. O efeito deste tipo de pregação é temporário e, por isso, não se assemelha aos resultados permanentes que produzem em seus discípulos, as palavras dos homens de verdadeira realidade espiritual. 176. Somente aquele que foi iluminado pela luz do Conhecimento Supremo é um verdadeiro Mestre. 177. Muitas pessoas têm ouvido falar da neve, mas nunca a viu. Do mesmo modo, muitos pregadores religiosos têm lido nos livros sobre os atributos de Deus, mas não O realizaram em si mesmos. Outros viram a neve, mas não a provaram. Assim, muitos mestres religiosos tiveram somente um vislumbre da Divina glória, mas não compreenderam sua essência. Somente aquele que degustou a neve pode dizer como é. Do mesmo modo, só pode descrever os atributos de Deus aquele que teve com Ele as diferentes relações de amigo, amante e também realizou sua unidade com Ele no estado de completa absorção. 178. Aquele que se crê líder e forma uma seita, demonstra que seu ego “não está maduro”. Mas não há nenhum mal se, depois de realizar Deus e receber seu mandato, pregar para o bem dos demais. Sukadeva recebeu o mandato divino de revelar o “Bhagavata” (Divino ensinamento) a Parikshit. 179. Quando a jarra está cheia, não faz mais ruído. Do mesmo modo, o homem de realização não fala muito. Mas como se explica a atitude de Narada e outros? Narada, Sukadeva e uns poucos como eles, depois de alcançar o estado de samadhi, desceram alguns degraus e por misericórdia e amor, ensinaram à humanidade. 180. Há duas espécies de homens perfeitos neste mundo: aqueles que ao realizar a Verdade se tornam silenciosos e desfrutam, em si mesmos da felicidade, sem pensar nos demais e aqueles que, depois de realizar a Verdade, não encontram prazer em mantê-la oculta e pregam em voz alta: “Venham todos e gozem da Verdade conosco”. 181. Quando uma flor se abre e a brisa espalha seu perfume, as abelhas vêm sem serem chamadas. As formigas vão onde encontram algo doce. Do mesmo modo, quando um homem se torna puro e perfeito e a doce influência de seu caráter se espalha por todos os lados, todos os que buscam a Verdade se sentem naturalmente atraídos por ele. Não necessita ir em busca de ouvintes. 182. As formigas se reúnem onde tenha caído algum doce. Trate de se converter em açúcar cande, isto é, descubra dentro de si mesmo a doçura da consciência espiritual e as formigas (os devotos), virão a você sem serem chamados. Se pregar sem ter recebido o mandato de Deus, suas palavras não terão poder e ninguém o escutará. Deve-se alcançar Deus pela devoção ou por qualquer outro meio e logo, ao receber Sua palavra, poderá pregar em todas as partes. Somente depois de receber o poder e a força de Deus, poderá assumir a responsabilidade e deveres de um pregador. 183. Quando o fogo arde, as traças vêm não se sabe de onde e caem nele. O fogo não convida as traças. Tal é o caso da pregação dos homens perfeitos. Eles não convidam as pessoas, mas centenas delas vêm de todas as partes, em busca de seus ensinamentos. 184. Em que consiste a verdadeira pregação? Se em lugar de pregar você adorar Deus todo o tempo, isso é suficiente pregação. Aquele que se esforça para liberar-se é o verdadeiro pregador. Centenas de pessoas vêm de todas as partes, ansiosas para receber os ensinamentos de um homem liberado. Quando uma rosa abre seu botão, as abelhas são atraídas sem que ninguém as convide. 185. O encarregado de vender o trigo de um grande depósito está ocupado incessantemente em sua tarefa, sem medo de que lhe falte este cereal, pois sabe que é continuamente abastecido por este imenso celeiro. Por outro lado, o trigo que há para vender em um pequeno armazém logo se esgota. Deste mesmo modo é Deus mesmo quem inspira constantemente novas e sábias idéias e sentimentos no coração de Seus devotos. Mas aqueles que têm sabedoria livresca, são como os pequenos depósitos, do qual os grãos logo se esgotam. 186. A luz do gás ilumina a cidade com variada intensidade. Mas a energia da luz, ou seja, o gás, vem de uma usina comum. Assim os mestres religiosos de todos os lugares e idades, são como outras lâmpadas que revelam a luz do Espírito, o qual flui da única fonte, o Senhor Todo Poderoso. 187. A água da chuva cai dos telhados por canos que, às vezes, em sua extremidade, têm a forma de uma cabeça de tigre. Tem-se a impressão de que a água sai da boca de um tigre quando, na realidade, desce do céu. Do mesmo modo, os ensinamentos dos santos, embora saiam de suas bocas, vêm diretamente de Deus. CAPÍTULO VII OS HOMENS DE MENTE MUNDANA CARACTERÍSTICAS DO HOMEM DE MENTE MUNDANA. A FALSA DEVOÇÃO DAS PESSOAS MUNDANAS. AS PESSOAS MUNDANAS E AS PRÁTICAS ESPIRITUAIS. Características do homem de mente mundana. 188. Os homens são de duas classes: aqueles que o são só de nome (manush) e aqueles que estão despertos (man-hush). Somente os que têm sede de Deus pertencem à segunda classe; aqueles que estão enlouquecidos pela “luxúria e ouro” são homens comuns, homens só de nome. 189. Como uma mesma máscara pode ser levada por várias pessoas, assim há várias espécies de criaturas que são humanas só de aparência. Embora todas elas tenham forma humana, algumas são como tigres famintos, outras como ursos ferozes e há também os que são como astutas raposas ou venenosos répteis. 190. Como a peneira deixa passar os grãos finos e retém os de má qualidade, assim há pessoas malvadas que desprezam tudo o que é bom e só guardam o que é mau. Completamente oposta é a natureza das almas boas que, tal como as peneiras, jogam fora o mau e guardam o bom. 191. Há pessoas que não têm nada no mundo que possa prendê-las, no entanto, elas mesmas acreditam em apegos e ligações, pois não querem e nem apreciam a liberdade. Por exemplo, um homem que não tem família ou parentes para sustentar, geralmente cuida de um gato, um macaco ou um cachorro e assim “satisfaz sua sede de leite, bebendo só o soro”. Tal é a armadilha que o feitiço de maya estende aos homens. 192. O terneiro é alegre e cheio de vida. Corre e salta o dia todo e só fica quieto nos momentos em que vai mamar. Mas quando se amarra uma corda no seu pescoço, se acalma pouco a pouco e seu olhar se torna triste e abatido. Do mesmo modo, um rapaz que ainda não tenha se interessado por assuntos do mundo é alegre e despreocupado. Quando, por outro lado, é amarrado com o forte nó do matrimônio e começa a sentir a responsabilidade da família, toda sua alegria desaparece. Seu olhar reflete abatimento e ansiedade, seu rosto se torna pálido e profundas rugas sulcam sua fronte. Feliz daquele que pode ficar como uma criança durante toda a sua vida, livre como o ar da manhã, fresco como uma flor recém-aberta e puro como uma gota de orvalho. 193. Como um menino ou menina não tem nenhuma idéia do prazer conjugal, assim um homem mundano não pode compreender o êxtase da Divina comunhão. 194. Para um homem mundano não é fácil resistir a atração da “mulher e ouro” e dirigir a mente a Deus, embora seja constantemente golpeado pelas misérias e sofrimentos da vida. 195. Um homem mundano se conhece facilmente por sua aversão a tudo o que tenha sabor de religião. Não só lhe desgosta a música ou hinos sagrados, como também trata de dissuadir aos demais para que não os escutem. Um homem assim ri das orações e ridiculariza a sociedade religiosa e os homens piedosos. 196. Algumas vezes, em companhia dos devotos, vêm aqui alguns homens mundanos. As conversas religiosas não agradam estes homens. Tornam-se impacientes e intranqüilos, se outras pessoas falam de Deus e da vida espiritual. Até fica-lhes difícil ficar quietos e de vez em quando dizem no ouvido de seu amigo: “Quando vamos embora? Pretende ficar aqui muito mais tempo?”. Seus amigos respondem: “Esperem um pouco, iremos dentro de pouco tempo”. No fim essas pessoas mundanas dizem, com desgosto: “Continuem vocês suas conversas. Nós vamos e lhe esperaremos no barco que nos levará a Calcutá”. 197. Quando alguém fala com um homem mundano, pode ver claramente que ele tem armazenado em seu coração, toda espécie de pensamentos e desejos mundanos, do mesmo modo que as pombas têm o estomago repleto de grãos. 198. O coração de um homem mundano é como o cabelo eriçado. Por mais que seja tratado, não consegue ficar liso. Do mesmo modo o coração de um malvado não se purifica facilmente. 199. O kamandalu (pote de casca de abóbora) de um sadhu (monge) pode ser levado aos quatro dhamas (lugares de peregrinação). Certamente ficará tão amargo como antes. Muito parecida é a natureza dos homens mundanos. 200. O oleiro faz as vasilhas com argila sem cozer, mas nada pode fazer com a argila que tenha sido cozida. Do mesmo modo, o coração que foi queimado no fogo dos desejos mundanos, não se influencia com sentimentos elevados, nem se pode dar-lhe uma bela forma. 201. Como a água não penetra em um bloco de pedra, assim aos ensinamentos religiosos não produzem nenhuma impressão nas almas ligadas. 202. Como um cravo não penetra em uma pedra mas entra facilmente na terra, assim os conselhos dos santos não produzem nenhum efeito na mente das pessoas mundanas, mas penetram profundamente no coração dos crentes. 203. A argila branda pode ser modelada facilmente, mas não ocorre o mesmo com a pedra dura. Do mesmo modo, a sabedoria Divina se imprime no coração de um devoto, mas não penetra na alma ligada. 204. Como a água debaixo de uma ponte entra por um lado e sai pelo outro, assim os conselhos religiosos recebidos pelas pessoas mundanas lhes entram por um ouvido e saem pelo outro, sem deixar nenhuma impressão. 205. Qual é a característica de um homem mundano? É parecido com o mangusto no cesto do domesticador. O domesticador de mangustos coloca um cesto no alto de uma parede para que sirva de ninho ao animal. Também amarra ao pescoço do mangusto uma corda com um peso suspensa na outra extremidade. A mangusto sai do ninho, desce pela parede e se move de um lado a outro, mas se cansa e volta correndo para esconder-se no cesto. Certamente, embora se sinta cômoda, não pode ficar ali muito tempo, porque o peso amarrado na corda o obriga a sair do ninho. Do mesmo modo, o homem mundano, forçado pelas misérias e sofrimentos da vida, eleva às vezes sua mente e se refugia em Deus, mas o peso morto do mundo e suas atrações logo o fazem voltar à vida terrena. 206. Os peixinhos, ao ver como a água passa pelos buracos das armadilhas de bambu, que são colocados nos arrozais, entram ali alegremente. Mas uma vez dentro não podem sair. De forma similar, os homens tolos caem nas redes do mundo, atraídos por seu falso brilho e como é mais fácil entrar do que renunciar, ficam presos permanentemente, assim como os peixinhos. 207. É difícil que o homem mundano desperte espiritualmente. Por quantos perigos se vê ameaçado! Quantos pesares ele passa em sua vida e quantas vezes é enganado! Mas apesar disso, não desperta. É como o camelo que tem particular atração pelos arbustos espinhosos, os quais não deixa de comer mesmo que fira sua boca. O homem mundano, sem dúvida, sofre muito, mas esquece em poucos dias. Talvez morra a esposa ou lhe tenha sido infiel, mas logo volta a casar-se. Ou talvez tenha perdido um filho e chora desconsoladamente, mas não passa muito tempo e tudo se apaga de sua memória. A mãe da criança morta, somente depois de uns dias sofrendo tão terrível pena, volta a ocupar-se de seu toucado e jóias. Os pais se empobrecem para dar dote a suas filhas casadoiras, no entanto continuam tendo filhos. Também há pessoas que se arruinaram com litígios, no entanto não deixam de buscar novos pleitos. O homem mundano pode ser comparado, também, com a cobra que tenha caçado uma toupeira e não a pode engolir, nem abandonar e está engasgada com ela. Talvez chegue a se dar conta de que não há nada substancial no mundo, o qual é pura pele e caroço, como a fruta do “amrah” (fruta muito ácida), mas não pode esquecer e dedicar seu coração a Deus. Se alguém tirar dele tudo o que lhe pertence e o levar a um ambiente santo, perderá o ânimo e se sentirá desfalecer, como acontece com o verme do esterco, quando é colocado em um pote de arroz. 208. Ninguém guardará o leite fresco em uma vasilha de barro onde antes tivesse coalhada, por medo de que o leite talhe. Tal pote, tampouco, pode ser usado para cozinhar, porque pode romper-se sobre o fogo. Do mesmo modo, um guru experiente não conferirá seus valiosos preceitos espirituais a um homem mundano, pois sabe que este o interpretará mal e tratará de usá-lo para fins egoístas. Tampouco lhe pedirá nenhum serviço pessoal, pois sabe que poderá pensar que o preceptor está abusando dele. 209. Um homem não pode renunciar, embora o deseje, se for impedido pelos karmas (impulsos da vida passada) que estão frutificando na vida presente, ou as impressões que foram deixadas em sua mente pelas ações passadas. Certa vez um yogui disse a um rei que se sentasse para meditar a seu lado. O rei respondeu: “Não, isso não pode ser. Eu posso sentar-me perto de você, mas a sede de prazeres mundanos ficará tão viva como sempre, em minha mente. Como estou destinado a gozar, se ficar perto deste bosque, talvez um reino se levantará aqui”. A falsa devoção das pessoas mundanas 210. Os homens mundanos podem fazer atos piedosos e caritativos, com a esperança de recompensas terrenas, mas tão logo como vêm aproximar-se a desgraça, o pesar e a pobreza, todas as suas boas intenções se desvanecem. É algo parecido com o que passa a esses papagaios, que durante o dia repetem: “Radha-Krishna, Radha-Krishna”, mas ao serem perseguidos pelo gato, esquecem o nome divino e gritam em seu estridente guincho natural: “kña, kña”. Por isso é que eu digo que pregar religião a tais homens é inútil. Apesar de todos os sermões, continuarão a ser tão mundanos como antes. 211. Um colchão de molas se afunda ao se sentar em cima, mas volta à sua forma original quando se tira a pressão. O mesmo acontece com os homens mundanos. Estão repletos de emoção religiosa enquanto ouvem coisas espirituais, mas assim que retornam a rotina de sua vida diária, esquecem esses elevados e nobres pensamentos e voltam a ser tão impuros como antes. 212. O ferro tem cor vermelha viva, quando está em brasa, mas ao tirá-lo do fogo, volta a ter a cor escura de antes. Do mesmo modo, os homens mundanos se sentem cheios de sentimentos religiosos quando se encontram em um templo, ou em companhia de pessoas espirituais, mas se perdem tal companhia ou se afastam o templo, toda sua devoção de desvanece. 213. As moscas pousam ora sobre as oferendas dedicadas à Deidade, ora sobre úlceras ou imundícies. De igual modo, a mente do homem mundano se ocupa, em momentos, de tópicos religiosos, mas em seguida, tornam a mergulhar nos prazeres da luxúria e da riqueza. 214. O coração do homem mundano é parecido ao verme do esterco. Esse verme vive no esterco e ali gosta de viver. Se por causalidade, for tirado de sua imunda morada e colocado sobre um loto, a fragrância da flor lhe causará a morte. Similarmente o indivíduo mundano não pode viver nem um só momento fora da suja atmosfera dos desejos e idéias mundanas. 215. Sabe qual é a idéia que as pessoas mundanas têm de Deus? É como o falatório das crianças que, durante suas brincadeiras, às vezes juram dizendo: “Eu juro por Deus!”. Eles aprendem essas expressões dos mais velhos e as repetem. Ou, mais que isso, pode-se comparar as palavras de um janota com o ar afetado, que passeia através de um jardim assobiando e girando uma bengala e de vez em quando arranca uma flor e exclama: “Oh, que flor tão formosa feita por Deus!”. Mas seu sentimento dura tanto quanto uma gota de água sobre um ferro em brasa. Por isso digo a você que deve ter sede de Deus, deve mergulhar nas profundidades do oceano da Divindade. As pessoas mundanas e as práticas espirituais 216. Um lavrador regou, durante um dia inteiro, uma plantação de cana de açúcar. Quando terminou sua tarefa, deu-se conta de que nem uma só gota de água tinha penetrado no campo, pois toda a água havia escorrido para grandes covas feitas por ratos. O mesmo acontece com o devoto que adora Deus, mas que em segredo acaricia desejos e ambições mundanas. Embora reze todo o dia, não progride, porque toda sua devoção escorre pelos buracos que fazem os ratos dos desejos e, no final de toda uma vida de práticas devocionais, se encontra como no princípio. (Sem ter experimentado mudança alguma). 217. Por que a mente se distrai durante a contemplação? As moscas pousam, às vezes, sobre os doces que há nas confeitarias, mas quando vê que alguém passa com uma lata de lixo, deixam os doces e pousam sobre a imundície. Por outro lado, as abelhas buscam o mel, somente se pousarem sobre as flores e nunca sobre objetos sujos. Os homens mundanos são iguais às moscas. Algumas vezes sentem algo da doçura do amor divino, mas seu natural desejo de imundícies os arrasta de novo à esterqueira do mundo. Em troca, os Paramahamsas (almas que vivem em constante comunhão com Deus) estão sempre absortos na contemplação e gozo do amor divino. 218. Exorciza-se um mau espírito atirando no possuído sementes encantadas de mostarda. Mas se o mal espírito entra nas sementes, de que serve atirá-las no possuído? Se o coração com que você deve contemplar a Divindade está manchado com pensamentos impuros, como pode ter êxito em suas práticas devocionais com um instrumento corrompido? 219. Um fósforo molhado não acende por mais que se esfregue. Pode somente fazer fumaça. Por outro lado, um fósforo seco se acende com a menor fricção. O coração de um verdadeiro devoto é como um fósforo seco: somente a menção do nome do Senhor acende nele o fogo do Divino amor. Pelo contrário, a mente mundana, molhada como está de luxúria e apego pelas riquezas, resiste a toda fricção, como o fósforo úmido. O fogo do Divino amor não acende nele, embora se fale muitas vezes de Deus. 220. Um homem mundano pode estar dotado de inteligência e conhecimento de um gñani, pode fazer as mesmas práticas que um yogui e submeter-se às mesmas austeridades de um asceta; mas todos os seus esforços são vãos, porque suas energias estão mal dirigidas e tudo o que faz é buscando fama e riquezas e não por amor a Deus. 221. Como um espelho sujo não reflete os raios de sol, assim o coração impuro, enredado pela maya, nunca percebe a glória do Senhor. Mas o coração puro vê a Deus, como o espelho limpo reflete o sol. 222. Se uma porção de leite é misturada dupla quantidade de água, se requer muito tempo e trabalho para condensá-lo. O homem mundano tem a mente adulterada com a água suja dos pensamentos impuros, por isso deve trabalhar duramente e por longo tempo, para purificá-la e dar-lhe a característica consistência e força de coração de um devoto. 223. Pergunta: Por que os homens mundanos não abandonam tudo para buscar Deus? Resposta: Pode um ator, quando está em cena, tirar sua máscara? Os homens mundanos estão representando, agora, seus respectivos papéis, mas a seu devido tempo se despojarão de sua falsa aparência. 224. A alma de uma pessoa totalmente mundana é como o verme que vive e morre no esterco, sem ter nem sequer uma idéia de algo melhor. A alma com menor mundanidade, é como a mosca, que uma vez pousa sobre as sujeiras e outra sobre o açúcar. Por outro lado, uma alma liberta é como a abelha, que só suga o mel e não gosta de nenhuma outra coisa. 225. O jacaré tem a pele invulnerável e não pode ser morto, a menos que seu ventre seja ferido. Do mesmo modo, o homem mundano é impermeável aos bons conselhos e não compreende sua verdadeira situação, a menos que se afaste dos objetos que o mantém ligado. 226. Se você diz ao homem mundano que renuncie a tudo e se dedique ao Senhor, não ouvirá seu conselho. Por isso, Gour e Nitai (Chaitanya e Nityananda) encontraram o modo de atrair as pessoas. Começaram a dizer: “Venham, repitam o nome de Hari (Deus) e tenham uma rica sopa de magur (um pescado especial) e as carícias de uma jovem dama”. Mas com o passar do tempo, quando começaram a degustar algo de néctar do Santo Nome, compreenderam o oculto significado dos ensinamentos de Nitai. A sopa de magur não era outra coisa que as lágrimas que vertiam por amor a Deus. A terra é a “jovem dama” e sentir suas carícias, significava rodar pelo chão, em um rapto de Divino amor. LIVRO II O PROGRESSO DO HOMEM CAPÍTULO VIII VARIEDADE DE ASPIRANTES E SEUS IDEAIS ALGUNS TIPOS DE ASPIRANTES. CARACTERÍSTICAS DO VERDADEIRO ASPIRANTE. PARENTESCO DE TODOS OS QUE BUSCAM O ESPIRITUAL. OS IDEAIS DOS ASPIRANTES QUE VIVEM NO MUNDO. OS IDEAIS SO SANNYASIN (MONGE). Alguns tipos de aspirantes 227. Entre os milhares de cometas que giram no espaço, somente um ou dois cortam o fio e ficam livres. De igual modo, de centenas de aspirantes que praticam disciplinas espirituais, somente um ou dois se libertam do cativeiro do mundo. 228. Conta-se que há uma espécie de pássaro chamado “homa”, que vive nos altos céus e ama tanto essas regiões, que nuca desce à terra. Coloca os ovos nessas alturas e quando estes, atraídos pela gravidade da terra caem, nascem os filhotinhos.Os recém-nascidos, ao se dar conta de sua situação e do eminente perigo de se chocar contra a terra, mudam de direção e instintivamente voltam para sua celeste morada. Os homens como Sukadeva, Narada, Jesus, Sankaracharya e outros como eles, podem ser comparados a esse pássaro. Desde a infância, eles se liberaram de toda a atração pelas coisas deste mundo e se remontaram às altas regiões do verdadeiro Conhecimento e da luz Divina. 229. Há yoguis “a vista” e os yoguis ocultos. Estes últimos fazem suas práticas religiosas em segredo e se escondem do olhar do público. Em troca, os primeiros levam os símbolos extremos dos yoguis, tal como o cajado e conversam livremente sobre temas espirituais. 230. Embora seja regra geral primeiro aparecerem as flores e depois o fruto, há certa espécie de plantas e trepadeiras nas quais a fruta aparece antes que a flor. De forma semelhante, as pessoas comuns devem dedicar-se as sádhanas antes de realizar Deus, mas há uma espécie de seres que, primeiro, obtêm a realização de Deus e depois cumprem com as sádhanas. 231. Quando se tosta o arroz, os poucos grãos que saltam e rebentam fora da frigideira são os melhores, porque não têm a mínima queimadura. Em troca, os demais grãos que ficam na frigideira, sempre ficam queimados. Do mesmo modo, entre os devotos, os poucos que renunciam totalmente ao mundo são perfeitos, sem mancha alguma. Por outro lado, mesmo os melhores dos que ficam no mundo, têm uma ou outra imperfeição no seu caráter. 232. A melhor manteiga é que se faz de madrugada. A que se faz depois do nascer do sol não é tão boa. Dirigindo-se a Seus jovens discípulos, que mais tarde abraçaram a vida de total renúncia, o Mestre lhes disse: “Vocês são como a manteiga batida na primeira hora da manhã, enquanto que meus outros discípulos, que vivem com suas famílias, são como a manteiga que de fabrica nas outras horas do dia”. 233. Pode-se dobrar um bambu tenro facilmente. Por outro lado, um bambu já muito crescido se quebra, se tentarmos torcê-lo com força. É fácil inclinar um coração jovem para Deus, mas o coração de um ancião que não teve nenhum treinamento, escapa do controle cada vez que se quer dirigir para Deus. 234. Não se pode ensinar um papagaio a falar quando a membrana de sua garganta endureceu pela idade. Na velhice é difícil aprender a fixar a mente em Deus, mas isto se aprende facilmente na juventude. 235. Uma manga madura pode ser oferecida a Deus ou pode ser utilizada para outro fim; mas se foi bicada por um corvo, não pode ser oferecida a Deus, nem pode ser comida por uma pessoa pura. Assim, os rapazes e os jovens devem dedicar-se ao serviço de Deus quando seus corações não foram manchados pelas impurezas dos desejos mundanos. Uma vez que os desejos mundanos entram em suas mentes, ou o demônio dos prazeres sensuais os cobre com sua sombra funesta, fica sumamente difícil fazê-los seguir o caminho da virtude. 236. O amor que há no coração de um rapaz é totalmente indiviso. Quando se casa, metade de seu coração, senão mais, vai para a esposa. Assim quando vêm os filhos, perde outra quarta parte e quarto restante é dividido entre o pai, a mãe, as honras, a fama, o orgulho, a vestimenta e outras coisas. Por essa razão, nada fica para oferecer a Deus. Se um rapaz dirige sua mente para Deus desde tenra idade, pode alcançar facilmente Seu amor e realizá-Lo. Por outro lado, isto não é tão fácil para uma pessoa de muita idade. 237. Se me perguntar que diferença há entre um gñani que vive no mundo e outro que renuncia, lhe direi que ambos têm o mesmo gñana (Conhecimento), mas que o gñani que vive no mundo tem coisas a temer; pois vivendo no meio das atrações sensuais, existe o temor, embora leve, no seu caso. Se alguém vive em um quarto com fuligem, corre o risco de manchar-se, por mais que se cuide. 238. O Mestre disse a um homem: “Você veio buscar Deus depois de ter passado a melhor parte de sua vida no mundo. Se tivesse vivido no mundo depois de ter realizado Deus, quanta paz e felicidade teria encontrado!”. 239. Pergunta: Qual a diferença entre a adoração sátvica, rajásica e tamásica? Resposta: O devoto que adora Deus do mais profundo de seu coração, sem a menor ostentação ou vaidade, tem característica sátvica. O adorador rajásico presta muita atenção a decoração de sua casa, traz música e bailarinas e celebra as festas religiosas com muita pompa e gasta muito dinheiro. Adora de modo tamásico aquele que imola centenas de inocentes cabritos ou cordeiros sobre o altar, oferece vinho e carne e só se ocupa dos cantos e danças quando se fazem os cultos. Características do verdadeiro aspirante 240. A pederneira não perde seu fogo interno, mesmo que seja mergulhado em água durante milhares de anos. E quando é raspado com um pedaço de ferro, brotam as chispas. O verdadeiro devoto é assim, firme em sua fé. Pode estar rodeado de todas as impurezas do mundo, contudo nunca perde sua fé e amor a Deus. Só em escutar o “nome” do Senhor, seu coração se acende de entusiasta devoção. 241. Como a “pedra de toque” se pode distinguir o ouro do bronze, assim a “pedra de toque” da perseguição e da calúnia mostra a diferença entre um sadhu sincero e um hipócrita. 242. Uma locomotiva arrasta facilmente o comboio com todos os seus vagões carregados. Do mesmo modo, os amados filhos de Deus, firmes em sua fé e devoção, enfrentam com inteireza todas as dificuldades da vida levando, ao mesmo tempo, muitos outros aos pés do Senhor. 243. Quando desaparece a atração por todos os prazeres sensórios? Quando se realiza a consumação de todos os prazeres e felicidade em Deus, que é o indivisível e eterno oceano da felicidade. Aqueles que gozam em Deus, não podem encontrar atração alguma nos mesquinhos prazeres do mundo. 244. Quando se prova, mesmo que seja uma só vez, o açúcar cande, não achará mais prazer em comer o açúcar negro. Aquele que dormiu em um palácio, já não quererá descansar em uma choça suja. A alma que provou a doçura da Divina felicidade, não encontra nenhuma felicidade nos vulgares prazeres do mundo. 245. A mulher que tem o rei como amante, não aceitará os galanteios de um mendigo. A alma que alcançou a graça de receber um olhar do Senhor, não se enamora das insignificantes coisas deste mundo. 246. A natureza das almas piedosas é como a peneira de grãos que separa tudo o que é leve e inútil e retém o que é pesado e bom. 247. O açúcar pode estar misturado com areia, mas as formigas deixam a areia e levam os grãos de açúcar. Assim, os Paramahamsas (seres realizados) e os devotos separam, com êxito, o bom do mau. 248. A água das torrentes forma, em alguns lugares de seu leito, redemoinhos e remansos, mas logo recupera livremente seu rápido curso. Do mesmo modo, o coração do devoto, de vez em quando é preso pelo turbilhão do desespero, do pesar e da falta de fé; mas isso é tão somente um extravio momentâneo e de curta duração. 249. Em quê reside a força de um devoto? Ele é um filho de Deus e as lágrimas de sua devoção é sua mais poderosa arma. 250. Quanto mais alguém coça a parte afetada pela sarna, mais aumenta o ardor e também o prazer de coçar. Do mesmo modo, os devotos nunca se cansam de cantar louvores a Deus, 251. O homem, cujos pelos se eriçam somente com a menção do “nome” de Deus e de cujos olhos fluem lágrimas de amor, esse homem está, realmente, em sua última encarnação humana. 252. Que acontece se uma mulher impura assalta um devoto e exerce sobre ele suas más influências? È como quando se aperta uma manga madura, a fruta resvala e fica somente com a pele em sua mão, assim a mente de um homem religioso voa para Deus, deixando somente seu tabernáculo terrestre ante a mulher. 253. O homem verdadeiramente religioso não comete nenhum pecado, mesmo quando ele esteja só e ninguém o observa, porque sente que Deus está sempre o vendo. É religioso aquele que resiste às tentações de uma jovem e sedutora mulher, em um bosque solitário, onde nenhum olho humano o vê e nem sequer lhe lança um olhar imoral, sabendo que Deus está sempre presente. Aquele que encontra uma bolsa cheia de ouro em uma casa desabitada e resiste à tentação de apropriar-se dela é um homem verdadeiramente religioso. Mas quem pratica religião por mera ostentação, ou por temor à opinião pública, está muito longe de ser religioso. A verdadeira religião é aquela que é praticada em segredo e em silêncio, mas é uma farsa e uma imitação, quando intervém a ostentação e a vaidade. Parentesco de todos os que buscam o espiritual 254. As pessoas de mente espiritual formam um mundo aparte, que está acima de todos os convencionalismos sociais. 255. A mulher sente, naturalmente, pudor em relatar a todo mundo as conversas que tem diariamente com seu marido. Nunca as diz a ninguém, nem se sente inclinada a fazê-lo e se os seus íntimos segredos chegam a ser divulgados, se sente muito incomodada. Mas para uma amiga íntima faz suas confidências sem reserva e, às vezes, fica impaciente por contar-lhe suas intimidades, encontrando grande prazer nisso. De um modo similar, um verdadeiro devoto não comunica a ninguém, a não ser a outro bhakta sincero, o gozo extático que desfruta na Divina comunhão e, às vezes, até fica ansioso em relatar a outro devoto as suas experiências e se sente feliz quando pode fazê-lo. 256. Se um animal estranho se aproxima de onde há muitas vacas, elas o enxotam, atacando-lhe por todos os lados. Mas em se tratando de outra vaca, é bem recebida e se tornam amigas, lambendo-se mutuamente. Assim também, quando um devoto se encontra com outro devoto, ambos experimentam grande deleite e se sentem pouco dispostos a se separar. Mas quando uma pessoa que zomba da religião entra no círculo, eles tratam cuidadosamente de afastá-lo. 257. Por que um amante de Deus não gosta de viver em sociedade? O fumante de cânhamo não encontra prazer em fumar em companhia de outros fumantes. Do mesmo modo o devoto, assim como o fumante de cânhamo, não encontra prazer em cantar seus louvores ao Senhor em companhia de outros devotos. Ideais dos aspirantes que vivem o mundo 258. Diz-se que quando um tântrico invoca a Deidade por intermédio do espírito de um morto, senta-se sobre um cadáver, colocando vinho e comida a seu alcance. Se durante a invocação o cadáver reviver temporariamente e abrir a boca, o intrépido invocador deve verter para dentro dele vinho e dar-lhe comida, para aplacar o elemental que, durante esse tempo, toma posse do corpo do morto. Se não fizer assim, a invocação é interrompida pelo elemental e o espírito superior não desce. Do mesmo modo, enquanto você estiver sentado sobre o cadáver do mundo e desejar obter a beatitude, provenha-se de todas as coisas necessárias para pacificar o clamor dos que o rodeiam. Do contrário, suas práticas devocionais serão dificultadas pelas preocupações e sofrimentos da vida. 259. Não há dúvida de que na vida mundana há necessidade de dinheiro, mas você não deve se preocupar em demasia pelas ganâncias materiais. A melhor atitude é conformar-se com o que vem por si só. Aqueles que se refugiam em Deus e Lhe dedicam sua vida, não podem ocupar seu pensamento em assuntos mundanos. Eles gastam de acordo com seus ganhos. O dinheiro chega as suas mãos por um lado e saem por outro. 260. Um discípulo, chefe de família: “Devo tentar aumentar meus ganhos?”. O Mestre: “Sim, se puder, se sua intenção é empregá-los na vida familiar, baseado no discernimento. Mas deve ter cuidado de que o dinheiro que ganhar, seja por meio honesto, pois seu fim não é acumular dinheiro, mas servir a Deus e a riqueza dedicada a Deus está além de toda preocupação”. O discípulo: “Até quando tenho obrigações para com a família?”. O Mestre: “Até que sua família tenha o necessário para sustentar-se por si mesma. Mas quando seus filhos ganharem para viver, suas obrigações para com eles terminam”. 261. O Mestre costumava dizer a alguns chefes de família: “Vocês devem considerar o dinheiro somente como um meio para conseguir comida, casa, fazer o culto a Deus e servir ao sadhus (monges) e devotos. Mas não é bom acumulá-lo. As abelhas trabalham incessantemente para fazer suas colméias, mas vem o homem e as tiram. Vocês não necessitam renunciar à “mulher” por completo. Mas quando tiverem alguns filhos, devem viver com suas esposas como irmão e irmã”. 262. Pergunta: “Como posso concluir minhas práticas devocionais se devo pensar sempre no pão de cada dia?”. Resposta: “Aquele por quem você trabalha proverá suas necessidades. Antes de enviá-lo ao mundo, Deus providenciou todo o necessário para sua manutenção”. 263. Possuímos lar, família, filhos por um curto tempo, pois todas essas coisas não são eternas. A palmeira é real, mas quando um ou dois de seus frutos caem no chão, por que devemos lamentar? 264. “A renúncia à ‘mulher e ouro’ tem sido prescrita somente para aqueles que seguem a vida monástica. Os monges não devem olhar para as mulheres nem sequer nos quadros. Só de pensar nos embutidos, dá água na boca, o que não dizer se tivermos essas coisas à vista e ao alcance de nossas mãos? Mas esta rígida regra não é para os homens do mundo como vocês (dirigindo-se aos chefes de família que estavam presentes). Somente é para os monges. Vocês podem estar em companhia das mulheres, mas tendo a mente desapegada e fixa em Deus. Mas a fim de alcançar o desapego e a inclinação a Deus é bom que vocês vão, com freqüência, viver em um lugar solitário, longe dos homens e mulheres e roguem a Deus, com anelante coração, para que lhes conceda o verdadeiro conhecimento. É bom que estejam na solidão pelo menos por três dias seguidos, ou um, em último caso. Seus caminhos, como homens casados, é viver com suas esposas como irmãos e irmãs, depois de ter um ou dois filhos e orar constantemente ao Senhor para que ambos possam viver uma vida de perfeita espiritualidade e domínio sobre as paixões”. 265. Viva no mundo, mas não seja do mundo. Como dizem as pessoas, faça dançar a rã diante da serpente, mas não permita que a serpente engula a rã. 266. Um barco pode estar na água, mas a água não deve entrar no barco. Um aspirante pode viver no mundo, mas o mundo não deve viver dentro dele. 267. Não importa que você viva como chefe de família, o essencial é que fixe sua mente em Deus. Trabalhe com uma mão e agarre os pés do Senhor com a outra. Mas quando não tiver mais que trabalhar no mundo, estreite os pés do Senhor sobre seu coração com ambas as mãos. 268. Qual é o estado do homem que vive no mundo e está livre de apego? É como o loto na água, ou o peixe em um pântano. Nenhum deles é manchado pelo elemento em que vive. A água não molha as pétalas do loto e o barro não adere à lustrosa pelo do peixe. 269. Não importa muito se você vive como chefe de família ou não. Cumpra seus deveres desapegadamente e com a mente fixa em Deus. Um homem que tem um furúnculo nas costas pode ficar conversando com seu amigo, ou fazendo outros trabalhos, embora sua mente esteja todo o tempo na dor que lhe acomete. 270. Pode-se viver no mundo e estar livre de todo o perigo, se tiver vairagya (desapego) e viveka (discernimento entre o Real e o irreal) e, junto com ele, uma intensa devoção a Deus. 271. Que você deve fazer enquanto estiver neste mundo? Ofereça tudo a Deus, se entregue a Ele e não terá mais com que se afligir. Mais tarde saberá que todas as coisas são feitas pela Sua vontade. 272. Mesmo a um chefe de família é possível ver Deus, como foi o caso de Raja Janaka, o grande sábio. Mas não se pode elevar-se a altura do rei Janaka de repente. Janaka passou muitos anos na solidão, longe do burburinho mundano, praticando exercícios espirituais. Seria de imenso bem aos homens do mundo retirar-se, de vez em quando, para a solidão, com o fim de ver e realizar Deus. 273. Alguns jovens brahmos (pessoas de uma seita moderna dos hindus) me disseram que eles seguiam o exemplo do rei Janaka – viviam no mundo, mas estavam muito desapegados. Eu respondi a eles que é muito difícil dizer que se é como Janaka, mas realmente muito difícil é chegar a ser como ele. É tão duro viver rodeado de objetos mundanos, sem contaminar-se! Que tremendas austeridades Janaka praticou em sua juventude! Eu não lhes aconselho fazer outro tanto, mas lhes fará bem praticar exercícios espirituais por certo tempo, em um lugar solitário. Depois de alcançar o gñana e bhakti que tinha o rei Janaka, poderão voltar ao mundo. A melhor coalhada é formada quando o leite está em repouso. A menor sacudida e até se mudar o pote de um lugar a outro, pode-se perdê-la. Janaka era completamente desapegado, por isso um dos epítetos que se aplicava a ele era videha, que literalmente quer dizer: “Sem corpo”. Viveu como um jivamuka (liberado da vida). È extremamente difícil aniquilar a idéia do corpo. Na verdade Janaka foi um grande herói. Esgrimava facilmente com duas espadas – uma de gñana (conhecimento) e a outra de karma (ação). 274. As pessoas sempre mencionam o rei Janaka como exemplo de homem que, apesar de viver no mundo, obteve a iluminação espiritual. Mas em toda a história da humanidade, Janaka é um exemplo único. Constitui a exceção, não a regra. A regra geral é que ninguém pode alcançar a perfeição espiritual, a menos que renuncie à “luxúria e ouro”. Não queira se comparar a Janaka. Muitos séculos transcorrerão, mas o mundo não produzirá outro Janaka. 275. Se você deseja viver desapegado no mundo é preciso antes praticar a devoção em um lugar solitário por certo tempo – um ano, seis meses, um mês ou, pelo menos por doze dias. Durante esse período de retiro, você deve meditar constantemente em Deus e suplicar que lhe conceda o amor Divino. Deve manter em sua mente a idéia de que nada do que há no mundo é verdadeiramente seu. Cedo ou tarde todos os seus parentes e amigos desaparecerão. Somente Deus é realmente seu. Ele e você “tudo em tudo”. Como chegar a Ele, seve ser seu único empenho. 276. Quando você estiver ocupado com as práticas devocionais, mantenha-se longe dos que zombam da religião e ridicularizam os homens religiosos. 277. Se antes de partir o kñatal (fruta oriental) você untar suas mãos com azeite, o leite (gomosa) não aderirá em seus dedos. Do mesmo modo, se primeiro você se fortificar com o conhecimento do Ser Universal, logo poderá viver no meio das riquezas ou do mundano, sem que nada o afete. 278. A agulha da bússola sempre aponta para o norte, por isso o barco não perde sua rota. Assim também, enquanto o coração estiver dirigido para Deus, o homem nunca naufragará no oceano da mundanidade. 279. Na brincadeira “a escondida”, uma vez que um jogador alcançou “a velha” (burhi), já não pode ser perseguido e aprisionado. Do mesmo modo, uma vez que vimos Deus, as ligações do mundo já não podem mais nos aprisionar. Assim como o jogador que toca a burhi pode ir onde quiser sem ser perseguido, assim, na vasta cancha do mundo, já não há nenhum temor para aquele que tocou os pés de Deus. Fica livre de todas as preocupações e sofrimentos do mundo e nunca mais poderá ser ligado à coisa alguma. 280. O jacaré gosta de flutuar na superfície da água, mas quando o faz, se torna um alvo para os caçadores. Por isso se obriga a permanecer debaixo da água. Contudo, no momento em que encontra a oportunidade propícia, sobe depressa e se deixa deslizar prazerosamente pela superfície da água. Oh! homem, você também, envolvido nas redes do mundo, tem ânsias de nadar na superfície do oceano de felicidade, mas é impedido pelas importunas demandas de sua família. Mas não se desanime. Aproveite toda a oportunidade para orar ardentemente a Deus, e confie-Lhe todos os seus pesares. A seu devido tempo, Ele o libertará e o fará nadar no oceano da felicidade. 281. Quando as circunstâncias o obrigar a ir a um lugar onde há tentações, leve consigo a lembrança da Divina Mãe. Ela o protegerá de todos os males, até dos que estão ocultos em seu próprio coração. A presença da Mãe o fará afastar-se, envergonhado, de toda má ação ou pensamento. 282. O mundo e Deus – como é possível harmonizá-los? Observe quantas coisa faz ao mesmo tempo, a industriosa dona de casa? Com uma mão está descascando arroz em uma travessa, com a outra sustenta o filho que amamenta e, enquanto isso, fala com um cliente que quer comprar arroz. Mas embora esteja ocupada com tantas coisas, sua mente segue a mão da travessa para não se ferir. Do mesmo modo viva no mundo, mas recorde sempre de Deus, sem afastar-se do caminho que o conduz a Ele. 283. Como um rapaz que se agarra a um poste e dá voltas ao redor dele em grande velocidade, sem medo de cair, assim aferre-se a Deus, enquanto cumpre seus deveres no mundo e nenhum perigo o ameaçará. 284. Nas aldeias da Índia, as donzelas levam sobre sua cabeça até cinco cântaros com água, colocados um em cima do outro e não derramam uma só gota, embora sigam conversando umas com as outras pelo caminho, falando de suas alegrias e pesares. Do mesmo modo, o homem virtuoso deve marchar pelo seu caminho. Qualquer que sejam as circunstâncias e o ambiente em que estiver, deve cuidar de que seu coração não se desvie do caminho reto. 285. Como uma mulher leviana, até quando está muito ocupada nos afazeres domésticos, tem toda a sua mente posta no amante, assim também você, oh homem do mundo, cumpra com todos os seus deveres, mas tenha seu coração sempre fixo em Deus. 286.Como a ama de leite cria o filho de um rico com o mesmo carinho como se fosse seu, sabendo que a criança não lhe pertence, assim também você deve se considerar como tutor ou guardião de seus filhos, cujo pai verdadeiro é o Senhor. 287. Como um cantor de rua toca com uma mão a guitarra e com a outra o tambor e ainda canta, assim você, oh homem do mundo, enquanto trabalha com suas mãos e cumpre seus deveres, não esqueça nunca de repetir e glorificar o nome do Senhor em seu coração. 288. Referindo-se a casa de seus patrões, a serva disse: “Esta é nossa casa”. Mas ela sabe que a casa não é sua e que seu verdadeiro lar está em uma longínqua aldeia. Todos seus pensamentos se dirigem continuamente ao seu povo natal. Também, quando fala das crianças da casa em que serve, diz: “Minha Hari é muito obediente”, ou “Meu Haru não gosta de comer isto ou aquilo”, embora ela saiba que Hari e Haru não sejam seus. E digo aos que vêm aqui, que vivam uma vida desapegada como a dessa serva. Digo-lhes que vivam desapegados – que estejam no mundo mas não sejam do mundo – ao mesmo tempo dirijam suas mentes a Deus, o lar celeste de onde todos vêm. Digo-lhes que orem para obter o bhakti (amor divino) e façam disso o fundamento de suas vidas. 289. Tenha sempre presente que os assuntos de sua família não são realmente seus, pertencem a Deus e você é Seu servidor, que veio aqui para obedecer aos Seus mandatos. Quando esta idéia se firma, o homem se dá conta que não fica nada que possa chamar realmente de seu. 290. É um verdadeiro herói aquele que cumpre todos os seus deveres no mundo, mantendo sempre a mente fixa em Deus. Somente um homem forte, enquanto leva em sua cabeça o peso de mais de cem quilos, pode parar e olhar o cortejo de uma boda que passa a seu lado. 291. Aqueles que vivem no mundo e, ao mesmo tempo, alcançam a salvação, podem ser comparados aos soldados que combatem nos muros de uma fortaleza, enquanto que os ascetas que renunciaram ao mundo em busca de Deus, são como os soldados que lutam em campo aberto. Lutar contra o inimigo de um forte é mais conveniente e seguro, do que lutar em campo aberto. 292. Os soldados, antes de se enfrentarem com o inimigo aprendem, nos quartéis, a arte de combater, onde não estão expostos a tais dificuldades e privações, que implica toda a ação militar em campo aberto. Do mesmo modo, aproveite as janelas da vida do lar para elevar sua condição espiritual, antes de se dedicar às austeridades da vida ascética. 293. Bem-aventurado é o homem no qual todas as qualidades da cabeça e do coração estão completamente desenvolvidas e em harmonia. Um homem assim se comporta admiravelmente em qualquer posição que se encontre. Está sempre cheio de sincera fé e amor por seu Deus. Não obstante, seu tratamento para com os demais não deixa nada a desejar. Quando tem que atender os assuntos mundanos é um perfeito homem de negócios. Nas assembléias dos eruditos, se destaca como um homem de conhecimento superior e nos debates demonstra grande poder de raciocínio. É afetuoso e obediente para com seus pais, é suave e amável para com seus parentes e amigos, é gentil e cheio de simpatia para com seus vizinhos, sempre disposto a fazer-lhes bem e para sua esposa é deus de amor. Um homem assim é verdadeiramente perfeito. Os ideais do Sannyasin (monge) 294. O primeiro nascimento do homem vem dos seus pais. Upanayana (cerimônia da iniciação do “cordão sagrado”) é o segundo nascimento e quando faz o voto de sannyasa (vida de monge, renúncia a mundo e total entrega a Deus), o homem nasce pela terceira vez. 295. A mente dissipa muita de sua energia quando persegue objetivos mundanos. Mas essa perda pode transformar-se em bem, ao se abraçar a vida de renúncia (sannyasa). 296. Quem é um candidato apto para entrar na Sagrada Ordem dos sannyasines? Aquele que pode renunciar ao mundo por completo, sem ter nenhuma preocupação pelo amanhã, como pensar o que comer, ou com que se vestir, é apto para ser um verdadeiro monge. Sua mentalidade deve ser como a de um homem que, se necessário, se atira da copa de uma alta árvore sem pensar em nada para sua vida. 297. Os yoguis e os sannyasines são como a serpente. As serpentes não constroem suas covas, mas vivem nas covas feitas pelos ratos. Quando uma cova já não é habitável, entram em outra. Do mesmo modo, os yoguis e sannyasines não têm casa própria, mas vivem na casa dos demais – hoje em uma, amanhã em outra. 298. Para sua residência temporária, os sadhus escolhem os lugares onde podem mendigar sua comida, embora às vezes, para descansar durante suas viagens, fiquem por um ou dois dias em lugares onde seja fácil procurar algo para comer. Geralmente evitam os lugares onde haja escassez de água e hajam lugares afastados para satisfazer as necessidades naturais. Os bons sadhus nunca atendem suas necessidades físicas onde possam ser observados por outras pessoas. Cumprem essas necessidades pessoais na solidão, longe do olhar dos homens. 299. Se uma mancha, por menor que seja, aparece sobre um tecido completamente branco, aparece muito e enfeia a tela. Do mesmo modo, a menor falta de um homem santo ressalta dolorosamente. 300. Um sannyasin pode ser perfeitamente desapegado e ter completo domínio sobre seus sentidos, mas para ser um exemplo para a humanidade, deve renunciar totalmente ao sexo e ao ouro. Somente observando a absoluta renúncia dos sannyasines, os demais homens terão coragem e se esforçarão por abandonar o sexo e as riquezas. Quem, senão o sannyasin, deve compartilhar esta lição de renúncia? 301. Qual é a característica de um genuíno sannyasin e de um tiagui? Ambos devem estar completamente desconectados da luxúria e do ouro. Se sentem o mais leve apego ao ouro, ou têm polução durante o sono, todos os seus exercícios espirituais se tornam vãos. 302. Uma vez que alguém toma o hábito de sannyasin, deve se conduzir como um verdadeiro sadhu. Vocês não viram, em cena, como o ator que faz o papel de rei atua como tal e que aquele que se faz de primeiro ministro, atua como um verdadeiro ministro? Uma vez, em uma aldeia, um homem que andava sempre vestido de palhaço, se vestiu como um sannyasin e se apresentou diante do zemindar (grande fazendeiro) do lugar. O zemindar lhe ofereceu uma bolsa com dinheiro, mas ele recusou e desapareceu. Depois de um tempo, voltou com outro traje e pediu ao zemindar que lhe desse dinheiro. Quando estava vestido de sadhu, nem sequer pode tocar em dinheiro, mas agora estava disposto a aceitá-lo e teria se sentido satisfeito com algumas poucas moedas. 303. Uma pessoa pediu a um santo algum medicamento para seu filhinho enfermo, o qual levava em seus braços. O santo lhe disse que voltasse no dia seguinte. Quando o pai da criança voltou no outro dia, o sadhu lhe disse: “Não dê doces ao menino e ele logo se curará”. O homem disse: “Mas poderia ter-me dado esse conselho ontem”. O sadhu respondeu: “Sim, certamente, mas ontem havia um pote de açúcar sobre a minha mesa e seu filho, seguramente, teria pensado que um sadhu que aconselha aos demais para não comer açúcar, sendo que ele o faz, é um hipócrita”. 304. A um homem que se torna asceta devido a um mal entendimento com seus pais ou esposa, pode ser chamado de “asceta por desgosto”. Seu ascetismo é momentâneo. Um homem assim, deixa a vida ascética tão logo como consegue algum emprego lucrativo em casa de família rica. 305. Um discípulo: Como poderemos reconhecer um homem verdadeiramente religioso (sadhu)? O Mestre: É verdadeiramente religioso aquele cujo coração está inteiramente dedicado a Deus e renunciou à luxúria a ao ouro. Nunca considera a mulher como comumente se faz. Mantém-se à distância delas e quando se aproximam, as trata com grande respeito, como se fosse sua própria mãe. Pensa constantemente em Deus e serve a todas as criaturas sabendo que o Senhor reside em tudo. Tais são as características de um verdadeiro sadhu. 306. Não confie em um sannyasin que exerce a medicina, usa exorcismos e encantamentos, recebe dinheiro e usa muitos sinais exteriores para ostentar sua devoção. 307. Perdoar é condição própria da natureza de um verdadeiro asceta. CAPÍTULO IX ALGUMAS AJUDAS NA VIDA ESPIRITUAL CASTAS E FORMALISMO. ADORAÇÃO DAS IMAGENS. VALOR DAS PEREGRINAÇÕES. BENEFÍCIO DE ESTAR EM COMPANHIA DOS SANTOS. REPETIÇÃO DOS DIFERENTES “NOMES” DADOS AO ÚNICO DEUS. Castas e formalismo 308. Honra aos dois, espírito e forma: ao sentimento íntimo e ao símbolo externo. 309. Para que brote um grão de arroz, o gérmen é a parte essencial, considerando-se que a casca não tem importância. Contudo, ao se semear o arroz descascado, não germina. Para que nasça e se converta em planta, deve-se semear o grão inteiro. Ao cozinhá-lo, se desejar comer o arroz puro e branco, a casca não deve ser tirada. Do mesmo modo, os ritos e as cerimônias são necessários para o desenvolvimento e perpetuação de uma religião. Sãos os receptáculos que contêm as sementes da verdade e, portanto, devem ser praticados até que se alcance a verdade central que há neles. 310. A ostra que contém a pérola tem muito pouco valor em si, contudo, é essencial para que a pérola se desenvolva. Mas a concha pede todo o valor para aquele que tirou a pérola. Assim também as cerimônias e rituais não são mais necessários para aquele que alcançou a mais elevada verdade: Deus. 311. Os rituais devem continuar. Mas quando se cresce em espiritualidade, sua observância não é mais necessária. Então a mente se concentra em Deus e alcança a comunhão com Ele. 312. Quando uma ferida está completamente curada, a crosta cai sozinha, mas se a casca for tirada antes, a ferida sangra. Do mesmo modo, quando se obtém a iluminação Divina, toda distinção de casta se desvanece.Mas é errado para o ignorante não levá-las em conta, porque isso pode trazer-lhe indesejáveis conseqüências. 313. A fruta que amadurece na planta e cai por si só é de sabor muito doce. Mas a que é arrancada ainda verde e amadurecida artificialmente, não é tão doce e perde imediatamente seu frescor. Da mesma maneira, as regras das castas caem naturalmente para aquele que alcançou a perfeição e realizou a unidade de todas as coisas. 314. Aquele que alcançou a Divina sabedoria deve continuar a levar o cordão sagrado? Quando se obtém o conhecimento do Atman, todas as ligações de desvanecem por si só. Então não se vê mais diferença entre um brahmin e um sudra, entre a casta elevada e a baixa. Portanto, o cordão sagrado, que é um símbolo de casta, cai por si só. Mas não é bom desprezar o cordão pela força, enquanto o homem sentir as distinções e diferenças. 315. Quando um vendaval sacode as árvores é impossível distinguir uma figueira (asvatta) de um baniano (vata). Do mesmo modo, quando sopra o vendaval do Supremo Conhecimento, não se faz distinção de castas. 316. Um verdadeiro devoto que bebeu na fonte do Divino amor, é como um bêbado e, como tal, nem sempre pode observar as regras sociais. 317. Uma vez Krishna Kishor me disse: “Por que não usa mais o cordão sagrado”? Quando chegou a mim essa grande mudança (pela visão de Deus) varreu com tudo, como aconteceu com o grande ciclone de Ashwin, em Bengala. Foram arrasados os velhos muros e cercas. Perdi por completo a consciência do mundo exterior. Como podia ocupar-me do cordão sagrado, ou do pedaço de tecido que costumava usar antes? Completamente mergulhado na consciência de Deus, nem sequer me dava conta de que estava desnudo na maior parte do dia. Por isso, quando Krishna Kishor me perguntou por que havia deixado de usar o cordão sagrado, eu simplesmente lhe disse: “Compreenderá claramente, se algum dia for atacado pela loucura de buscar o Senhor!”. 318. Os que repetem o nome do Senhor se santificam. Krishna Krishor, de Ariadha, era um grande devoto. Uma vez foi a Brindavam em peregrinação. No caminho, sentiu sede e ao ver um homem ao lado de um poço, pediu que lhe desse água. O homem lhe respondeu que, sendo de casta muito baixa, não se considerava digno de tirar água para um brahmin. Krishna Kishor lhe disse: “Pronuncie o nome do Senhor e se purificará em seguida”. Ele fez isso e tirou a água e Kishor, mesmo sendo um brahmin ortodoxo, bebeu sem vacilar! Que grande e poderosa era sua fé! 319. Como um ébrio às vezes coloca um saco sobre a cabeça e outras o usa como calça, assim um homem embriagado de Deus atua como se não estivesse consciente do mundo exterior. 320. As pessoas desta época se interessam pela essência das coisas. Só estão dispostas a aceitar o essencial da religião e desprezam o não essencial (isto é: os rituais, as cerimônias, os dogmas e os credos). 321. As pessoas que comem pescados, desprezam a cauda e a cabeça e só pegam a parte tenra do meio. Do mesmo modo, as regras e mandamentos de nossas antigas escrituras devem ser podadas e purgadas do não essencial, afim de que respondam às necessidades de nossa época moderna. Adoração das imagens 322. Quando se constrói uma casa, o andaime é indispensável, mas uma vez terminada a construção, o andaime é retirado. Do mesmo modo o culto das imagens é necessário, a princípio, mas não depois (que tenha adquirido a verdadeira devoção). 323. Como um homem aprende a escrever traçando primeiro grandes garranchos, assim se adquire o poder de concentração, fixando a mente nas formas e, uma vez alcançado isto, pode concentrar-se facilmente no sem forma. 324. Um atirador aprende a atirar apontando primeiro para os objetos de tamanho grande e depois, a medida em que aumenta sua destreza, atira contra alvos cada vez menores. Do mesmo modo, uma vez que se tenha treinado a mente fixando-a sobre as imagens é fácil concentrá-la no que não tem forma. 325. Como um brinquedo representando uma fruta ou um elefante nos traz à mente a lembrança de uma fruta verdadeira ou do elefante vivo, assim as imagens que são adoradas nos fazem lembrar de Deus, que é sem forma e eterno. 326. O Mestre disse, uma vez, a um discípulo: “Você se referiu às imagens feitas de argila. Também há necessidade delas. As várias e distintas formas usadas na adoração, têm sido previstas para satisfazer as necessidades de distintos homens nas diferentes etapas de evolução espiritual”. 327. Uma mãe prepara a comida para seus filhos de acordo com o gosto de cada um. Se ela tem cinco filhos e conseguiu só um pescado no mercado, prepara com ele diferentes pratos. A um filho é dado pescado frito, a outro, pescado fervido, a um terceiro, sopa de pescado e assim ao estilo de cada um. (Este é caso de vários símbolos e disciplinas prescritas para os aspirantes espirituais). 328. Um discípulo: “Alguém pode crer que Deus tem forma. Mas seguramente que Ele não é a imagem de argila que se adora”. O Mestre: “Por que você chama de imagem de argila? A Divina imagem é feita de Espírito”. 329. Uma vez o Mestre disse a Keshab Chandra Sen, que era um grande iconoclasta: “Por que estas imagens fazem surgir em sua mente a idéia de que são mera argila, palha ou pedra? Você não pode realizar a presença da eterna, bem-aventurada e onisciente Mãe até nessas formas?”. 330. Se um adorador está convencido de que as imagens representam a Deidade são verdadeiramente divinas, então as adorando e chega à Divindade. Mas não recebe nenhum beneficio com a adoração, se considerar as imagens somente como argila, palha ou pedra. 331. Se há algo errado na adoração das imagens, acaso Deus não sabe que toda a adoração se dirige a Ele? É seguro que Ele aceitará, satisfeito, a adoração, sabendo que é dirigida somente a Ele. Ame a Deus, esse é seu dever mais próximo. 332. Quando alguém vê Deus, realiza que todas as coisas, as imagens e tudo, são a manifestação do Espírito. Para tal individuo, a imagem não é feita de barro, mas de Espírito. Eficácia das peregrinações 333. O leite da vaca está espalhado por todo o corpo do animal através de seu sangue, mas você não conseguirá leite ordenando as orelhas ou os chifres. Você terá leite somente pelo úbere. Do mesmo modo, Deus penetra todo o universo, mas não poderá vê-Lo em todas as partes. Ele se manifesta mais facilmente nos sagrados templos, que estão saturados de espírito de devoção, que os devotos de outro tempo lhes infundiram com sua vida e práticas espirituais. 334. Saiba que há manifestação de Deus em todos os lugares, onde inumeráveis pessoas praticaram por longo tempo austeridades, japa (repetição de uma fórmula sagrada), meditação, oração e adoração, com o propósito de realizar a Divindade. Nesses lugares, as idéias espirituais estão presentes, por assim dizer, em forma sólida. Por isso, ali o homem sente facilmente o despertar da espiritualidade e realiza Deus. Desde tempos imemoriais, milhares de sadhus, devotos e homens de realização têm ido a esses lugares para obter a visão de Deus e têm orado, esvaziando inteiramente seu coração, deixando todo o desejo mundano. Assim é que, embora Deus esteja presente em todas as partes, se manifesta mais facilmente nesses lugares. A água pode ser obtida em todas as partes, cavando-se a terra. Contudo, onde há um poço, um tanque, um lago, é fácil conseguí-la, sem necessidade de cavar. 335. Como as vacas, depois e pastar, deitam-se em um lugar para ruminar tranqüilamente, assim, quando for visitar um lugar sagrado, você deve aferrar-se aos santos pensamentos que surgem na mente e meditar em um lugar solitário, até mergulhar neles. Depois de visitar os lugares de peregrinação, você não deve se dedicar, em seguida, à perseguição de objetos sensórios, deixando de lado os nobres e santos pensamentos que inspiram aqueles lugares. 336. Você pode percorrer a terra em todas as direções, sem encontrar nada (de verdadeira religião) em nenhuma parte. A que existe, está aqui (em seu próprio coração). 337. Quando o Mestre vivia, muitos de Seus discípulos costumavam expressar seu desejo de visitar os lugares santos e a eles o Mestre costumava responder: “Quem conseguiu a espiritualidade aqui (vale dizer, em companhia do Mestre), a terá também ali (em todos os lugares santos). Mas aquele que não a sente aqui, não sentirá tampouco ali. Quem acendeu a devoção em seu coração, sentirá a mesma devoção, de modo mais intenso, nos lugares santos. Mas que proveito terá, nas peregrinações, aquele que não sente a devoção em si mesmo? Ouvimos freqüentemente que o filho de tal ou qual família deixou o lar e foi para Kashi (Banaras) ou outro lugar sagrado. Mas depois de certo tempo, o filho pródigo escreve à família que conseguiu um emprego e que mandará dinheiro. As pessoas vão viver nos lugares sagrados, mas muitos abrem ali suas tendas ou outros negócios. Quando viajei pelas províncias do norte em companhia de Mathuranath, achei que o ambiente e a paisagem são o mesmo que aqui – as mangas, os tamarindos e os canaviais são exatamente iguais aos que há nestes lugares. Por isso disse a Hriday: ‘Bem, que viemos fazer aqui? As coisas são iguais as que existem em outras partes, com a única diferença que os habitantes destas regiões parecem estar dotados de maior poder digestivo’”. Beneficio de estar em companhia dos santos 338. Ao se misturar leite com água, não podem mais ser separados. De igual modo, se um aspirante religioso freqüenta a companhia de toda a espécie de pessoas mundanas, não só perde de vista o ideal, como também morre, imperceptivelmente, sua primitiva fé, amor e entusiasmo. 339. A companhia dos santos e dos sábios é um dos principais elementos do progresso espiritual. 340. Assim como muitos podem se aquecer no fogo que foi aceso por outra pessoa, que teve o incômodo de juntar a lenha e as outras coisas necessárias, assim também muitos aprendem a fixar sua mente em Deus, estando em companhia dos santos, que chegaram a conhecer o Senhor, depois de duras disciplinas e penitências. 341. Ao vermos um advogado, naturalmente pensamos em pleitos e juízes. Do mesmo modo, quando vemos um homem espiritual, lembramos de Deus e da vida depois da morte. 342. Como devemos passar nossa vida? Como o fogo no lar, que se mantém vivo sendo atiçado de vez em quando, do mesmo modo a mente deve ser revigorada, buscando a companhia das pessoas religiosas. 343. Como o ferreiro mantém avivado o fogo da lareira fazendo soprar o fole, assim a mente deve se manter pura e brilhante pela companhia dos santos. 344. A companhia dos santos é como a água em que se lava o arroz. A água de arroz tem o poder de fazer desvanecer a bebedeira. Do mesmo modo, a companhia dos devotos tira a bebedeira dos homens mundanos, causada pelo vinho dos muitos desejos. 345. Quando o mordomo de um rico zemindar (fazendeiro) inspeciona as terras de seu amo, torna-se despótico com os arrendatários. Mas quando volta ao seu lugar e o zemindar o observa, muda seu comportamento. Torna-se muito compassivo e trata os arrendatários com gentileza, investiga diligentemente suas necessidades e queixas e torna-se justo e imparcial com todos. O despótico mordomo se torna bondoso pelo temor que inspira a seu amo e também pela influência de sua companhia. Do mesmo modo, a companhia dos santos faz com que alguns malvados de tornem retos, despertando neles o temor e a reverência. 346. Mesmo a madeira úmida, quando é colocada sobre o fogo, seca e logo começa a arder. Do mesmo modo, a companhia dos devotos de Deus seca a umidade da cobiça e da concupiscência que há no coração dos mundanos e acende neles o fogo de viveka (discernimento). 347. Nos Purana se relata que quando Uma, a Mãe do Universo, se encarnou como filha do rei dos Himalaias, bendisse seu pai, concedendo-lhe a visão de várias manifestações da Mãe onipotente. Mas quando Guiriraya (o rei das montanhas) lhe pediu que mostrasse Brahman dos Vedas, Uma lhe respondeu: “Oh Pai, se deseja realizar Brahman, deve viver em companhia dos santos, que renunciaram ao mundo por completo”. 348. Se você lava o corpo de um elefante e logo o solta, é seguro que, em seguida, voltará a sujar-se. Mas se depois de banhá-lo o prender em um estábulo, ficará limpo. Do mesmo modo, se seu espírito foi purificado pela influência dos santos e logo se misturar, sem discernimento, com os homens mundanos, logo perderá a pureza, mas se você mantiver sua mente fixa em Deus, não tornará a manchar-se intimamente nunca mais. Repetição dos diferentes nomes dados ao único Deus 349. O melhor que podem fazer as pessoas cuja mente se sente atraída pelos objetos sensórios, é cultivar a atitude dualista e repetir, em alta voz, o “nome” do Senhor, segundo são mencionados no Pancharatra de Narada (uma obra sobre devoção). 350. O Mestre disse a um devoto: “Pelo caminho da devoção se chega pronta e naturalmente a ter controle sobre seus sentidos sutis. Os prazeres carnais se tornam mais e mais insípidos a medida em que o amor Divino cresce no coração. Pode o prazer corpóreo atrair aos esposos no dia em que tenha morrido um filho?”. Devoto: Mas eu não aprendi a amar a Deus. O Mestre: Pronuncia Seu “nome” com constância. Isso o limpará de todo o pecado, luxúria e pesar. Todo o desejo pelos prazeres do corpo se desvanecerá. Devoto: Mas eu não encontro deleite em Seu “nome”. O Mestre: Então, peça-Lhe com o coração ansioso que Ele lhe ensine como encontrar gosto em Seu “nome”. Diga: “Eu não encontro deleite em Seu nome!”. Sem dúvida Ele lhe ouvirá e lhe concederá o que pede. Se um enfermo delirante perde por completo o gosto pela comida, então há que temer pela sua vida. Mas se puder ingerir nem que sejam pequenas quantidades de alimento, pode se esperar pela sua cura. Por isso lhe digo: Encontre gozo em Seu “nome”. Tome Seu “nome”: Durga, Krishna, Shiva, ou qualquer outro que escolher. Se dia a dia você sentir uma maior atração pelo Seu “nome” e maior gozo em repeti-lo, então já não há nada que temer. Seu delírio passará e a graça de Deus descerá sobre você. 351. Acaso Seu “nome” é insignificante? Ele e Seu “nome” são uma só coisa. Satyabhama não pode pesar o Senhor colocando ouro e jóias no outro prato da balança. Mas Rukmini teve êxito quando colocou na balança uma folha de tulsi com o “nome” de Krishna. 352. Se você deseja ver Deus, tenha firme fé na eficácia de repetir o “nome” de Hari e trate de discernir entre o Real e o irreal. 353. Sri Chaitanya disse: É realmente muito poderoso o “nome” do Senhor. Pode ser que o resultado não seja imediato, mas algum dia produzirá frutos. É como uma semente que pode permanecer longo tempo sobre uma cornija, mas se chegar a cair na terra germina e cresce, talvez quando o edifício esteja ruído e seja demolido. 354. Sabendo ou não, consciente ou inconscientemente, qualquer que seja o estado mental em que o homem pronuncie o “nome” de Deus, adquire mérito por isso. Seja que um homem voluntariamente vá banhar-se no rio, ou que alguém, pela força, o atire na água, ou que joguem água am cima dele quando está dormindo, em todos os casos se recebe o beneficio do banho. 355. De qualquer modo que alguém caia, consciente ou inconscientemente, no lago da imortalidade, pela mera imersão se torna imortal. Qualquer um que repita o “nome” de Deus, seja pronunciando voluntária ou involuntariamente, no final encontrará a imortalidade. 356. Sem dúvida o santo “nome” é muito efetivo. Mas é suficiente sem Amor? A alma deve ter sede de Deus. De que serve repetir Seu “nome”, deixando que a mente vá atrás de “ouro e mulher”? A simples repetição de palavras mágicas não curará a picada de um escorpião. Também é necessário aplicar humo de esterco de vaca. Certamente o homem se purga de todos os seus pecados, pronunciando o “nome” de Deus. Mas em seguida torna a incorrer nas mesmas faltas. Não tem força mental suficiente para tomar o voto de não cometer mais pecados. A ablução no rio Gangá (Ganges) lava todos os pecados, mas o efeito não dura muito. Diz-se que quando alguém vai banhar-se no Gangá, seus pecados sobem nas plantas que estão nas margens do rio e que ao sair da água, os velhos pecados saltam sobre os ombros e possuem o homem. Portanto, tome o “nome” de Deus mas, ao mesmo tempo, ore para que você possa sentir amor por Ele e para que seu apego aos objetos transitórios, como o dinheiro e as comodidades físicas, diminua a cada dia. 357. Cante com devoção o santo “nome” de Deus e a montanha dos seus pecados se desvanecerá, do mesmo modo que uma montanha de algodão fica reduzida a cinzas, se uma só chispa cai sobre ela. 358. As práticas devocionais dos mundanos são coisas momentâneas. Não deixam impressões duradouras na mente. Mas aqueles que se dedicam somente a Deus, repetem Seu “nome” a cada respiração. Alguns cantam: “Om, Rama, Om” constantemente, dentro de si mesmos. Aqueles que seguem o caminho do Conhecimento, repetem: “Soham”. A língua de outros se movem constantemente, repetindo algum mantra ou oração. 359. Japa significa repetir o “nome” do Senhor em silêncio, sentado em um lugar tranqüilo. Se alguém faz o japa com devoção e concentração, seguramente obterá, no final, a visão Divina e a realização de Deus. Suponha que um grosso tronco de madeira está mergulhado no Gangá, preso a uma corrente que, por sua vez, está amarrada a um pilar na margem do rio. Agarrando-se aos elos e seguindo seus anéis um a um, você irá mergulhando na água até chegar ao tronco. Da mesma maneira, se você consegue ficar absorto repetindo o santo “nome”, com o tempo realizará Deus. 360. O Mestre freqüentemente dizia: “Cante o ‘nome’ de Hari de manhã e à tarde, batendo palmas e todos os seus pecados e aflições o deixarão. Se bater palmas debaixo de uma árvore, todos os pássaros escondidos entre os ramos levantarão vôo. Do mesmo modo, se você repetir o ‘nome’ e Hari e batendo palmas ao mesmo tempo, os pássaros de seus maus pensamentos sairão da árvore se seu corpo”. CAPÍTULO X ASPECTOS DA VIDA ESPIRITUAL ALGUNS OBSTÁCULOS NA VIDA ESPIRITUAL. INFLUÊNCIA DAS IMPRESSÕES PASSADAS. PERIGO DOS PODERES PSÍQUICOS. ESMOLA E CARIDADE. ROUPA E COMIDA. ATITUDE PARA COM O SOFRIMENTO. PACIÊNCIA. DISCRIÇÃO. HUMILDADE E RESPEITO A SI MESMO. SIMPLICIDADE. RENÚNCIA AOS DESEJOS. ATITUDE PARA COM AS MULHERES. O DEVOTO E SUA FAMÍLIA. ORAÇÃO E DEVOÇÃO. Alguns obstáculos na vida espiritual 361. Deus não se manifesta onde reinam a timidez, o ódio e o medo. 362. Na balança, o prato mais pesado baixa, enquanto que o mais leve sobe. Da mesma forma, quem está carregado de muitos cuidados e preocupações mundanas se afunda. Em troca, aquele que tem poucos deveres e ansiedades, se eleva aos pés do Senhor, 363. O que se ocupa em discutir as boas ou más qualidades dos outros, gasta mal o seu tempo, pois esse tempo não é empregado em pensar em si mesmo, nem no Ser Supremo, mas em pensar inutilmente no “eu” dos demais. 364. Em que estado mental se obtém a visão de Deus? Quando a mente está perfeitamente tranqüila. Enquanto o mar da mente é agitado pelo vento dos desejos, não pode refletir Deus e, portanto, a visão Divina é impossível. 365. Uma pessoa pode ter o estômago cheio e ser dispéptica, mas a vista de pastéis doces ou molhos deliciosos dá-lhe água na boca. Do mesmo modo um homem pode carecer por completo de cobiça, mas ao ver as riquezas e outros objetos de tentação, por mais santo que seja, sentirá sua mente agitada. 366. Não seja como a rã no poço. A rã que habita o poço não reconhece nada melhor e maior que o seu próprio poço. Assim são todos os fanáticos. Pensam que não pode existir nada melhor que sua crença particular. 367. O grande Sankaracharya tinha um discípulo tolo que costumava imitar o Mestre o tempo todo. Quando Sankara dizia: “Shivoham” (Sou Shiva), o discípulo repetia: “Shivoham”. Para corrigir a tolice do discípulo, um dia Sankara, ao passar ante a forja de um ferreiro, pegou um pedaço de ferro incandescente e o engoliu, pedindo ao discípulo que pegasse outro ferro. Certamente o discípulo não pode imitar esse ato do Mestre e, desde então, deixou de dizer “Shivoham”. A ridícula imitação sempre é má, mas é bom tratar de se corrigir, observando os nobres exemplos dos grandes seres. Influência das impressões passadas 368. Muito poderosa é a influência dos samskaras (impressões passadas). Alguns sannyasines (monges) estavam meditando em um lugar afastado, quando passou por ali uma jovem. O que sentiu a atração da beleza feminina antes de abraçar a vida de renúncia, tinha sido chefe de família e pai de três filhos. 369. Uma vez vi, em certo lugar, dois novilhos castrados. Passou por ali uma vaca e notei que um dos novilhos se excitou muito, enquanto que o outro permaneceu tranqüilo. Vendo a excitação e o estranho comportamento do novilho, averigüei a causa e soube que havia sido castrado depois de ter sido acasalado com as vacas, enquanto que o outro tinha sido castrado completamente jovem. Tal é o efeito das impressões e velhos hábitos na mente. Os sadhus que renunciaram ao mundo sem gozar os prazeres sexuais, nunca se excitam quando vêem mulheres, mas aqueles que tomam o hábito ocre em uma idade avançada, depois de ter experimentado os prazeres da vida de família, podem reviver as impressões do passado mesmo depois de exercer, durante anos, o domínio de si mesmos. 370. A mente que tem más propensões é como um brahmin que viveu no bairro dos sem casta, ou como um cavalheiro que viveu na baixa periferia de uma grande cidade. 371. Uma pessoa disse, certa vez: “Depois que meu filho Harish chegar à juventude e se casar, deixarei a família a seu encargo e renunciarei ao mundo, para praticar yoga”. Ouvindo-a, o Mestre observou: “Você nunca encontrará a oportunidade para cultivar a devoção a Deus. Logo que seus filhos forem grandes, você dirá: ‘Harish e Girish são muito apegados a mim. Oh, eles sofrerão muito se eu os abandonar neste mundo. É melhor que antes Harish tenha um filho e que ele cresça e se case’. Desse modo, seus desejos não terão fim”. 372. Não visite os que simulam fazer milagres e aos que ostentam os poderes ocultos. Tais pessoas estão afastadas do caminho da Verdade. Suas mentes se enredaram nos poderes psíquicos, que são como verdadeiras armadilhas no caminho do peregrino que se dirige para Brahman. Cuide-se desses poderes e não os deseje nunca. 373. Aqueles que têm baixas tendências, buscam poderes ocultos para curar a enfermidades, ganhar pleitos, caminhar sobre as águas e coisas desta espécie. Os verdadeiros devotos só buscam os pés do loto do Senhor. 374. Krishna disse uma vez a Arjuna: “Se você deseja vir a Mim, sabe que não será possível, enquanto possuir mesmo que seja só um dos oito poderes psíquicos (ashta siddhis)”, pois os poderes ocultos aumentam o egoísmo e fazem com que o homem esqueça de Deus. 375. Um homem, depois de quatorze anos de duras penitências em um bosque solitário, obteve finalmente o poder de caminhar sobre as águas. Contentíssimo com sua aquisição, foi ver seu guru e lhe disse: “Mestre, adquiri o poder de caminhar sobre as águas”. O guru o reprovou, dizendo-lhe: “Que vergonha! É esse o resultado de quatorze anos de trabalho? O que você adquiriu só tem o valor equivalente a dez cêntimos. Isso que você pode fazer depois de quatorze anos de penitências, as pessoas comuns fazem pagando dez cêntimos a um barqueiro”. 376. Deve-se evitar os siddhis, ou poderes psíquicos, como se fossem excrementos. Esses poderes vêm por si mesmos por causa das sádhanas (práticas espirituais) e samyama (controle dos sentidos). Mas aquele que estabelece sua mente nos siddhis, se estanca aí e não pode subir mais alto. 377. Um homem chamado Chandra adquiriu o poder denominado gutikasiddhi. Levando um amuleto (gutika) podia transladar-se, de imediato, para onde queria e penetrar em qualquer lugar, sem ser visto por ninguém. Esse homem, a princípio, tinha devoção a Deus e tinha uma vida de austeras disciplinas. Logo, certamente, quando adquiriu o mencionado poder, começou a usá-lo para satisfazer as demandas de sua natureza inferior. Eu o preveni contra isso, mas ele não fez caso ao meu conselho. Costumava freqüentar, sem ser visto, a casa de um respeitável cavalheiro e ter relações ilícitas com uma donzela de família. Perdeu, por isso, todo seu poder e se converteu em uma alma decaída. 378. Às vezes é muito perigoso possuir poderes ocultos. Tota Puri me relatou que uma vez um grande siddha (homem que possui poderes psíquicos) estava sentado à beira do mar, quando repentinamente veio uma grande tempestade. O siddha exclamou: “Que se acalme a tormenta!” e suas palavras se cumpriram. Um navio, que estava navegando com todas as velas desfraldadas, parou quando o vento cessou de repente, soçobrou, e todos os que se encontravam a bordo se afogaram. Agora, o pecado de causar a morte de tantas pessoas recaiu sobre o siddha, que por tal razão, perdeu todos os seus poderes ocultos e teve que expiar sua culpa depois da morte. 379. Durante o tempo em que eu praticava austeras sádhanas debaixo do Panchavati, chegou a Dakshineswar um homem chamado Guirija. Era um grande yogui. Em uma noite escura, quando eu me dirigia ao meu quarto, Guirija levantou um de seus braços e de sua axila emanou uma poderosa luz que iluminou o caminho. Por meu conselho, deixou de usar esse poder e ocupou sua mente na realização da mais alta Realidade. Perdeu, sem dúvida, aquele poder, mas ganhou em verdadeira espiritualidade. 380. Um mendigo agiria tolamente, se fosse ao palácio do rei para pedir coisas insignificantes como abóboras e pepinos. Também seria uma tolice se um devoto se dirigisse ao Rei dos reis para pedir poderes psíquicos, ao invés dos inapreciáveis dons do verdadeiro Conhecimento e o amor de Deus. 381. Um jovem discípulo do Mestre adquiriu, uma vez, a faculdade de ler pensamentos. Muito contente com esse poder, falou disso ao Mestre. O Mestre o reprovou, dizendo: “Que vergonha, filho! Não gaste suas energias com coisas tão mesquinhas”. 382. Certa vez um discípulo disse a Sri Ramakrishna que, durante a meditação, podia ver o que estava acontecendo em lugares distantes e o que faziam as pessoas nesse momento e que pelas averiguações subseqüentes, comprovava que suas visões estavam certas. O Mestre respondeu-lhe: “Filho, por alguns dias deixe de meditar. Esses poderes são obstáculos para a realização de Deus”. Esmolas e caridade 383. Por que é oferecida comida às pessoas, em festas religiosas? Porque é como oferecer um sacrifício a Deus, que é o Fogo da Vida em todas as criaturas. Mas as pessoas malvadas que não têm temor a Deus e são culpadas de adultério e outras faltas, não devem ser convidadas para tais festas. Seus pecados são tão grandes, que o lugar onde se sentam contamina vários côvados de profundidade. 384. Certa ocasião, um açougueiro levava uma vaca a um matadouro distante. Sendo maltratada, a vaca ficou arisca e o açougueiro teve grande dificuldade de conduzi-la. Depois de lutar várias horas com o animal, o homem chegou a uma aldeia e sentindo-se exausto, dirigiu-se a uma casa de caridade e participou da refeição que era distribuída aos necessitados. Sentindo-se renovado depois da refeição, o açougueiro pode conduzir facilmente a vaca ao seu destino. Agora, uma parte do pecado da morte da vaca recaiu sobre a pessoa que oferecia alimento para a casa de caridade. De modo que, mesmo quando se dá esmola, deve-se empregar o discernimento para cuidar para que não seja oferecida a uma pessoa perniciosa e pecadora, que possa usar a dádiva com más finalidades. 385. A Lei é: aqueles que fizeram muita caridade na vida anterior nascem ricos, no céu. Mas este mundo é a maya de Deus, e o processo da maya tem muitas irregularidades e ninguém pode compreendê-lo. Roupa e comida 386. Que bem há em usar o traje alaranjado dos ascetas? Que há no hábito? O traje alaranjado traz consigo a associação de idéias puras. Usar sapatos rotos e roupa rasgada nos faz lembrar da pobreza. Por outro lado, um traje elegante e botinas de couro fino, naturalmente enchem de certo orgulho e vaidade. O que leva um dothi (a parte inferior do traje hindu) de rica musselina debruada de negro, tende a ser vivaz e se sente inclinado a cantar canções de amor. Do mesmo modo, o traje alaranjado de um sannyasin desperta na mente elevados pensamentos. O traje, em si mesmo, não tem nenhum significado especial. Cada espécie de roupa tem sua própria associação de idéias. 387. Deve-se proteger uma planta tenra das vacas e cabras com um cercado. Mas quando a planta se transforma em uma grande árvore, então um grande número de cabras e vacas podem se proteger na sombra de seus frondosos ramos e até podem se alimentar com suas folhas. Da mesma maneira, quando sua fé está na infância, você deve protegê-la da influência das más companhias e da mundanidade. Mas quando sua fé estiver fortalecida, nada de mundano ousará aproximar-se de sua santa presença e somente o seu contato poderá mudar as más inclinações de muitas pessoas. 388. Um estudante perguntou a Sri Ramakrishna: “Senhor, sendo que o mesmo Deus mora em todos os seres, que mal há em aceitar a comida das mãos de qualquer homem?”. O Mestre perguntou ao estudante se era brahmin; e como ele respondeu afirmativamente, observou: “É por isso que você me faz essa pergunta. Suponha que você acenda um fósforo e, em seguida, o coloque sobe uma pilha de madeira seca. Que acontecerá?”. O estudante respondeu: “O fogo se apagará, afogado pela pilha”. O Mestre acrescentou: “Mas suponha que você atira, em uma grande fogueira, muitas folhas de bananeiras verdes, que acontecerá com essas plantas?”. O estudante respondeu: “Com toda segurança, num instante serão reduzidas a cinzas”. O Mestre disse: “Da mesma forma, se a espiritualidade que há em você é muito frágil, você corre o perigo de que se apague, se receber comida das mãos de qualquer pessoa, sem usar seu discernimento. Mas se sua espiritualidade é forte, nenhuma comida poderá afetar-lhe”. 389. Certa vez fui iniciado por um mestre maometano que me ensinou a invocar Alá. Repeti este nome durante vários dias, seguindo estritamente os costumes maometanos e comendo sua comida. Durante esse período, não pude visitar o templo da Mãe Kali, nem invocar os nomes com que os hindus adoram a divindade. 390. Não coma o alimento oferecido a um defunto, porque tal alimento é contraproducente a toda espécie de devoção, nem coma na casa do sacerdote que vive fazendo culto a defuntos. (É costume hindu oferecer alimento ao morto durante o culto que se faz depois de alguns dias após o falecimento. Um praticante espiritual, que deve cuidar de sua alimentação, sofre um grande dano, se comer a mencionada oferenda. A razão disto é que o aspirante espiritual nunca deve pensar, ou aspirar uma vida celestial). (Nota do tradutor). 391. Pergunta: Quanto a comida, não se deve comer aquilo que se encontra? Resposta: Isso depende do estado espiritual. No caminho do Gñana, nenhuma comida causa dano. Um gñani, quando come, oferece o alimento como oblação no fogo de Kundalini. Mas para um bhakta é diferente. O bhakta só deve comer alimentos puros, aqueles que possam ser oferecidos ao seu amado Senhor. A carne não é para os bhaktas. Porém, também devo dizer que, mesmo quando um homem vive de carne de porco, se ama a Deus é bem-aventurado. Infeliz daquele que, mesmo alimentando-se de leite e arroz, ou havishyanna (comida fervida e sem especiarias), mantém toda a sua mente submersa na “luxúria e ouro”. 392. Para um vegetariano que come sementes sem especiarias, mas que não tem desejo de realizar Deus, para ele a comida a base de vegetais é o mesmo que a carne de vaca. Mas para aquele que come carne de vaca e deseja alcançar Deus, a carne é como a comida dos deuses. 393. Coma com satisfação durante o dia, mas sua ceia deve ser muito frugal e leve. 394. Os devotos só devem ingerir alimentos que não produzam demasiado calor no organismo e não intranqüilizem a mente. Atitude para com o corpo 395. Pergunta: Como pode ser vencido o apego ao corpo? Resposta: O corpo humano está cheio de matéria perecível. É um conjunto de carne, ossos, medula, sangue e outras substâncias impuras, que estão sujeitas à putrefação. Praticando constantemente esta análise do corpo, o apego por ele se desvanece. 396. Já não interessa a gaiola, quando o pássaro escapou. Do mesmo modo, quando o pássaro da vida voa longe, ninguém se preocupa com seu cadáver. 397. Se o corpo é transitório e não tem valor, por que os homens religiosos e os devotam cuidam dele? Ninguém se preocupa com uma caixa vazia, mas todos guardam zelosamente um cofre cheio de pedras preciosas. O homem espiritual não pode evitar o cuidado do corpo porque Deus mora nele. Todos os nossos corpos guardam tesouros da Divindade. Atitude para com o sofrimento 398. A enfermidade é a taxa que a alma paga pelo uso do corpo, o mesmo que o inquilino paga pelo aluguel da casa em que vive. 399. O ferro deve ser aquecido uma e outra vez, golpeado centenas de vezes, antes que de converta em bom aço. Depois se pode fazer com ele a cortante espada e dar-lhe a forma que se queira. Do mesmo modo, o homem deve ser aquecido na forja das atribulações e deve receber os golpes da perseguição do mundo para tornar-se puro e humilde e apto para estar na presença de Deus. 400. O Mestre disse uma vez a Keshab Sem, quando ele estava doente: “Você está sofrendo; mas sua enfermidade tem um profundo sentido. Esse corpo passou por várias etapas de desenvolvimento espiritual, o corpo agora reage. Quando se levantam as ondas espirituais, a ciência do corpo se desvanece, mas o corpo, no final, fica afetado. Quando um grande navio navega no Gangá, as ondas batem contra as margens do rio por certo tempo, mesmo depois que o navio está longe. Quando maior é o barco, maiores são as ondas. Estas, às vezes, até fazem desmoronar a ribanceira. Se um elefante entra em uma pequena choça, a choça é destruída e vem abaixo. Do mesmo modo, o êxtase espiritual sacode, às vezes, e faz o corpo do devoto se abater. Você sabe quais são as conseqüências? Se uma casa de incendeia, muitas coisas se queimam. De forma semelhante, o fogo do Divino Conhecimento queima todas as paixões, como a ira e outros inimigos e, no fim, destrói a consciência de ‘eu, mim e o meu’. O corpo, então, sofre uma grande sacudida e se desfaz. Você pode pensar que tudo está terminado, mas enquanto não cair o mais leve vestígio de ego, o Senhor não lhe dará a liberdade. Se entrar doente num hospital, não lhe darão alta até que não esteja perfeitamente curado”. 401. O Mestre, certa vez disse a Keshab, quando ele estava doente: “O jardineiro, às vezes, descobre as raízes dos rosais para que recebam o sereno da noite. Às vezes corta algumas raízes para que a planta produza rosas maiores. Talvez o Senhor esteja preparando-lhe para maiores trabalhos”. 402. Expressando sua própria atitude para com a enfermidade, o Mestre disse: “Que a enfermidade siga seu curso e o corpo sofra, mas você, oh mente, fique sempre na felicidade”. 403. O poder e a glória do Conhecimento e a fé nunca abandonam um verdadeiro devoto, sejam quais forem os sofrimentos e gozos que seu corpo experimente. Sua fé e Conhecimento nunca ficam arranhados. Quão severas foram as atribulações que atingiram os Pandavas (Arjuna e seus quatro irmãos) e, certamente, nem por um só momento se viram privados da luz do Conhecimento. 404. No alfabeto bengali não se encontram três letras que tenham um som semelhante, salvo as três sibilantes (shha, sha e sa), que têm o mesmo significado: “seja paciente”, “seja paciente”. (Em bengali, sa significa “seja paciente”. Deriva da raiz sânscrita saha). Isto demonstra que, por meio do alfabeto, nos são ensinados, desde a infância, a ter paciência. A qualidade de ser paciente é da maior importância para o homem 405. Fixe-se na bigorna do ferreiro. Quantos golpes recebe e, certamente, não se move do lugar. Aprende com a bigorna a ter paciência e saber resistir. Discrição 406. Guarde sua fé e sentimentos no íntimo. Não fale deles aos demais. Caso contrário, sofrerá uma grande perda. 407. Quando mais uma pessoa oculta suas práticas devocionais dos demais, tanto melhor para ela. Humildade e respeito a si mesmo 408. Ser vaidoso é uma grande degradação. Observe o corvo. Esse animal pensa ser muito destro. Nunca cai na armadilha. Foge ao menor perigo e rouba a comida com muita habilidade. Certamente o pobrezinho não pode evitar comer carniça. Isso é o resultado de acreditar-se demasiado astuto, ou ter a sabedoria de um rábula. 409. Para ser grande é preciso se sentir humilde. A cotovia faz seu ninho no chão, mas voa muito alto no espaço. Por outro lado, os vales são férteis porque retêm a água. 410. As árvores carregadas de frutos se inclinam para o chão. Se você quer ser grande, seja aprazível e humilde. 411. Nosso dever é nos prostrar e adorar onde outros somente fazem uma reverência. 412. Não devemos alimentar sentimentos egoístas como o que faz um vaidoso pregador dizer: “Estou falando, ouçam-me todos vocês!”. Há egoísmo no ignorante, mas não naquele que tem o verdadeiro Conhecimento. Alcança a Verdade quem está desprovido de vaidade. A água se acumula nas profundezas, mas desliza e escorre dos lugares altos. 413. Em uma balança, o prato mais carregado baixa, enquanto o mais leve sobe. Do mesmo modo, o homem de mérito sempre é aprazível e humilde. Em troca, o tolo está sempre cheio de vaidade. 414. Seja tão desprovido de vaidade como a folha seca levada por um forte vento. 415. Se você quer enfiar a linha na agulha, deve retorcer a ponta da linha, para que não fique solta nenhuma penugem. Assim passará facilmente pelo orifício da agulha. A linha não deve ter nenhuma fibra solta. Do mesmo modo, se desejar concentrar sua mente e coração em Deus, seja suave, humilde e pobre de espírito (não vaidoso), tirando todas as penugens do desejo. 416. Muitas pessoas dizem, ostentando humildade: “Sou como um verme que se arrasta no pó”. Desse modo, comparando-se continuamente ao verme, se tornam frágeis de espírito, como os vermes. Não permita que o desespero se apodere do seu coração. O desalento é o maior inimigo no caminho do progresso. Aquilo que o homem pensa, chega a ser. 417. É um verdadeiro homem é aquele que respeita a si mesmo. Outros, de homens só têm o nome. 418. Não há jactância no orgulho que expressa a glória da alma. Não há humildade naquela humildade que rebaixa o ser. Simplicidade 419. Até que você não se torne simples como um menino, não receberá a iluminação divina. Esqueça de toda a sua sabedoria mundana e ignore-a por completo, como se fosse um menino. Só assim chegará a conhecer a Verdade. 420. A simplicidade mental lhe conduzirá facilmente a Deus. Se uma pessoa é simples, os ensinamentos frutificam facilmente nela, com a mesma facilidade com que germinam as sementes na terra cultivada, livre de pedras. 421. O Mestre costumava dizer: “Uma pessoa se torna generosa e simples somente depois de muita penitência. Ninguém pode chegar a Deus a menos que tenha uma mente simples. É aos de mente simples que Ele revela Sua própria natureza”. Por outro lado, a fim de impedir que as pessoas se tornem ingênuas em nome da simplicidade e sinceridade, o Mestre também costumava advertir: “Você deve ser devoto, mas não um ingênuo a respeito”, ou: “Você deve discernir sempre entre o verdadeiro e o falso, o eterno e o transitório, e depois, deixando de lado o transitório, só deve fixar sua mente no que é eterno”. Renúncia a todos os desejos 422. É um verdadeiro homem aquele que morreu em vida, aquele cujas paixões e impulsos foram aniquilados, como se fosse um corpo morto. 423. Enquanto o espaço celestial do coração for agitado pelas rajadas dos desejos, há pouca probabilidade de contemplar ali o esplendor de Deus. A visão beatifica só alvorece no coração que está calmo e arrebatado pela comunhão Divina. 424. Não se pode ver Deus enquanto houver o menor vestígio de desejo. Por isso, satisfaça os pequenos desejos e renuncie aos grandes, por meio da reta racionalização e do discernimento. 425. Como uma pessoa que se encontra na borda de um profundo poço fica alerta para não cair nele, assim o que vive no mundo deve estar sempre em guarda contra suas tentações. Aquele que caiu uma vez no poço do mundo, tão cheio de tentações, é muito difícil sair ileso e sem mancha. 426. Uma vez, perguntaram a Ele como os inimigos do homem podem ser totalmente vencidos, como a luxúria, a ira, etc., e o Mestre respondeu: “Essas paixões se portam como inimigos, quando são dirigidas para o mundo e seus objetos. Mas se forem dirigidas para Deus, se convertem nas melhores amigas do homem, pois elas mesmas o conduzem a Deus. O ardente desejo pelas coisas do mundo deve ser transformado em desejo de ver Deus. O incômodo que o homem sente contra seus semelhantes deve ser dirigido a Deus, porque Ele não se revelou ainda. De igual modo se deve proceder com as demais paixões. Elas não podem ser enraizadas, mas sim educadas”. 427. A rainha Mandodari disse a seu esposo, Rávana: “Se você tem tanto desejo de ter Sita com rainha, por que não a engana, tomando a forma de seu marido Rama, com a ajuda de seus poderes mágicos?”. “É uma vergonha que me diga isso!”, exclamou Rávana. “Acaso poderia rebaixar-me aos prazeres sensórios ao tomar a santa forma de Rama, quando só em pensar desse modo meu coração se enche de tão indizível gozo e beatitude, que até o mais elevado céu me parece algo sem valor?”. 428. Ao deixar um elefante solto, ele vaga daqui para lá, arrancando plantas e arbustos, mas se acalma imediatamente se o condutor de elefantes lhe aplica o aguilhão na cabeça. Do mesmo modo a mente, quando não é controlada, vaga em uma selva de vãos pensamentos, mas em seguida se tranqüiliza, se é golpeada com a vara do discernimento. 429. Quanto maior é o apego que se tem ao mundo, tanto menor é a possibilidade que o homem tem de obter o conhecimento. Quanto menos está apegado ao mundo, mais probabilidade tem de alcançar o Conhecimento. 430. Uma vez batido o creme e tendo se convertido em manteiga, não deve ser guardada junto com o soro numa mesma vasilha. Desse modo perderia algo de sua doçura e consistência. Deve ser colocada na água pura e guardada em um pote limpo. Do mesmo modo se alguém, depois de alcançar um aperfeiçoamento parcial, freqüentar a companhia de pessoas mundanas e continuar vivendo entre as tentações, é muito provável que torne a contaminar-se. Para se manter puro é necessário afastar-se das tentações. 431. Pergunta: Como podemos vencer a animalidade que vive em nós? Resposta: Quando a fruta cresce, as pétalas da flor caem por si só. De igual modo, quando cresce em você a Divindade, todas as fragilidades de sua natureza humana desaparecem por si só. 432. Se por um intenso desapego (vairagya) o homem realiza Deus, as desordenadas tentações da luxúria se desvanecem e ficam livres da atração, mesmo vivendo com sua esposa. Se os ímãs se encontram a uma mesma distância de um pedaço de ferro, qual dos dois atrairá com maior força? Certamente o ímã maior. Na verdade, o ímã maior é Deus. Que pode contra Ele o ímã menor, que é a mulher? 433. Pergunta: Como desaparece a atração pelos prazeres sensórios? Resposta: Desaparece em Deus, que é a personificação de toda felicidade. Aqueles que realizam Deus, não sentem atração pelos prazeres mesquinhos e sem valor do mundo. 434. Tomar helancha (erva medicinal) não é a mesma coisa que tomar uma erva qualquer e comer açúcar cande não é o mesmo que comer doces ordinários. Os primeiros não são nocivos para a saúde e mesmo um doente pode ingeri-los. A palavra sagrada, o místico Pranava (OM), não é uma simples palavra, mas o símbolo fonético da Divindade. Do mesmo modo, o desejo de santidade e devoção não deve ser comparado aos nocivos desejos mundanos. Atitude para as mulheres 435. Todas as mulheres são partes da Divina Mãe e, portanto, todas devem ser consideradas como mães. 436. Todas as mulheres, sejam naturalmente boas ou não, sejam castas ou sem castidade, devem ser consideradas como imagens da Divina Mãe. 437. Qual deve ser nossa atitude para com as mulheres? Aquele que conheceu o Real e obteve a visão de Deus não sente por elas temor algum. As vê como realmente são, ou seja, como partes da Divina Mãe do universo. De modo que não somente as honra e respeita, senão que lhes rende culto, como faz um filho com sua própria mãe. 438. Pergunta: Como podemos vencer a luxúria? Resposta: Olhe todas as mulheres como se fosse sua própria mãe. Não olhe para seu rosto, dirija seus olhos para seus pés. Assim, todos os maus pensamentos se afastarão de você. 439. A mulher que observa a continência, mesmo quando está vivendo com seu marido, é verdadeiramente a Divina Mãe. 440. Pergunta: Qual sua opinião sobre as práticas devocionais que são feitas em companhia das mulheres, tal como ensinam os Tantras? Resposta: São caminhos perigosos e difíceis e os que pretendem caminhar por eles, certamente caem. Segundo os Tantras, há três modos de praticar a devoção. Pode-se cultivar a atitude de “herói”, “servidor” ou “filho” para a Divina Mãe. Minha atitude é a de “filho”. Considerando-se como “servidor” da Divina Mãe, também é bom, mas o caminho de “herói” está cheio de perigos. Muito puro é o caminho do que se considera filho da Divina Mãe. 441. Você quer alcançar a graça Divina? Então propicie à Mãe, a Energia Primordial (Shakti). Ela é a Mahamaya. É Ela que mantém o mundo inteiro sob a ilusão, com sua tripla magia de criação, preservação e destruição. Estendeu o véu da ignorância sobre tudo e a menos que Ela abra as portas, ninguém pode entrar na “Câmara Interior”. Estando fora, só vemos as coisas exteriores, mas o Satchidananda (Existência-Conhecimento-Felicidade), o Eterno, fica sempre além de nosso alcance. A Divina Shakti tem dois aspectos – vidya e avidya. Avidya engana e nos aprisiona com os laços de kamini-kanchana, “luxúria e ouro”. Em troca, vidya é a fonte da devoção, bondade, conhecimento e amor e nos conduz a Deus. A avidya deve ser propiciada, por isso se instituiu o culto a Shakti. Há vários modos de adorá-la e satisfazê-a – como Seu “servidor”, como Seu “herói” ou como Seu “filho”. A adoraçao de Shakti não é nenhuma brincadeira. Há práticas muito difíceis e perigosas nesse culto. Eu passei dois anos como “servidora” e “amiga” da Mãe. Minha atitude, contudo, é a de “filho” e, para mim, os seios de toda a mulher são como os de minha mãe. As mulheres são outras tantas imagens de Shakti. Em certa parte da Índia, durante a cerimônia de casamento, o noivo tem em uma mão uma faca e em Bengala sustenta um quebra-nozes. O significado é que o marido cortará as ligações de maya com a ajuda da mulher, que é Shakti Mesma. A isto se chama virabhava, ou “atitude de herói”. Mas eu nunca a pratiquei. Minha atitude é a de “filho”. O devoto e sua família 442. Pergunta: Suponhamos que um homem dedique-se às práticas religiosas e a esposa lhe diz: “Se você não me tratar com sua mulher, vou suicidar-me”. Que se deve fazer, nesse caso? Resposta: Deve abandonar uma esposa assim, que é um obstáculo no caminho para Deus, mesmo no caso dela ter a intenção de suicidar-se! A esposa que obstaculiza o caminho da realização de Deus é encarnação de avidya. Mas se um homem tem sincera devoção a Deus, tudo se torna favorável para ele – o rei, sua esposa e até as más pessoas. Se alguém tem verdadeira devoção, também sua esposa muda pouco a pouco e se torna boa e espiritual, pela graça de Deus. 443. O pai e a mãe têm primordial importância para um filho. A menos que os satisfaçam primeiro, nenhuma prática devocional terá valor. Fixe-se em Sri Chaitanya. Embora estivesse louco de amor por Deus tratou, com muito empenho, de consolar sua mãe antes de entrar na vida de sannyasa (monástica). Disse-lhe: “Minha mãe, não se aflija tanto, virei de vez em quando para vê-la”. Há várias dívidas que devem ser pagas: a dívida com os deuses, a dívida com os rishis e também a dívida com os pais e a esposa. Nenhum exercício piedoso tem êxito, a menos que sejam satisfeitos os deveres que se tem para com seus pais. Há também uma dívida para com a esposa. Harish renunciou a sua esposa e agora vive aqui. Mas eu o chamaria de malvado, se não tivesse deixado o necessário para ela viver. Ramaprasana vai de um lugar a outro pedindo leite para um hatha-yogui. Ele diz que Manu ordenou que se deve servir aos sadhus. Entretanto, sua mãe anciã quase não tem o que comer. Isso é condenável. 444. Mas há uma consideração. Se um homem está louco de amor por Deus, então, para ele, quem é pai e mãe e quem é esposa? Ama a Deus tão intensamente que enlouquece. Um devoto assim não tem mais deveres e fica livre de toda dívida. Quando um homem chega a esse estado, esquece o mundo inteiro e até se torna inconsciente do corpo, que para todos é objeto de tanto cuidado. 445. Neste mundo, os pais merecem o mais alto respeito. Enquanto viverem, o filho deve servi-los com devoção e quando morrem, deve-se cumprir com os ritos funerários, de acordo com seus meios. Se o filho é tão pobre que não possa cumprir com os ritos, deve dirigir-se a um bosque solitário e verter lágrimas por não poder cumprir seus últimos deveres de filho. Só assim ficará saldada a dívida que tem para com seus pais. Certamente, por amor a Deus pode-se desobedecer aos pais, sem incorrer em pecado. Prahlada não deixou de repetir o nome de Krishna, mesmo quando seu pai o proibiu. Dhruva foi ao bosque praticar austeridades contra a vontade e seu pai. Eles não incorreram em erro, por isso. Oração e devoção 446. Pergunta: Deve-se orar diante de Deus em voz alta? Resposta: Reze como preferir. É seguro que Deus lhe ouve sempre. Ele escuta até os passos de uma formiga. 447. Pergunta: Há realmente alguma eficácia na oração? Resposta: Sim. Quando a mente e a fala se juntam para pedir algo com fervor, essa pregação recebe resposta. Mas não têm eficácia as rezas de um homem que diz da boca pra fora: “Oh Senhor, todas estas coisas são Suas!” mas, ao mesmo tempo, em seu coração, pensa que tudo o que tem é seu. 448. Não seja um traidor de seus próprios pensamentos. Seja sincero: aja de acordo com o que pensa e seguramente terá êxito. Ore com o coração simples e sincero e sua oração será ouvida. 449. O que você pensa é o que deve falar. Que haja harmonia entre seu pensamento e sua palavra. De outro modo, não se beneficiará ao dizer simplesmente, da boca pra fora, que Deus é seu tudo, enquanto sua mente considera que seu tudo é o mundo. 450. Para chegar à presença de um poderoso monarca, deve-se primeiro confabular com os porteiros do palácio real e os oficiais que guardam o trono. Do mesmo modo, para alcançar o Senhor Todo-poderoso e obter Sua graça, deve-se praticar muita devoção, servir aos devotos e viver por um longo tempo em companhia dos sábios. 451. Não permita que a ansiedade e pensamentos mundanos inquietem sua mente. Faça as coisas que sejam necessárias em seu devido tempo, mantendo sempre sua mente fixa em Deus. 452. Não há temor de que um barco perca a rota e corra perigo, enquanto sua bússola assinalar o verdadeiro norte. Assim também, o pequeno barco da vida navega, seguro, evitando os perigos, se a mente, que é como a agulha de sua bússola, está sempre dirigida para Deus, sem oscilação. 453. Como devemos orar? Não devemos pedir coisas deste mundo, mas rezarmos como o santo Narada. Narada disse a Ramachandra: “Oh Rama, conceda-me bhakti (amor) para Seus pés de loto”. “Assim seja”, respondeu Rama, “mas não quer pedir mais alguma outra coisa?”. Narada disse: “Senhor, conceda-me a graça de que nunca sinta a atração de Sua maya, que fascina o universo inteiro”. Ramachandra disse mais uma vez; “Assim seja, Narada, mas não quer pedir mais alguma coisa?”. Narada respondeu: “Senhor, isso é tudo o que peço e não quero mais nada”. 454. Se você não pode estabelecer se Deus tem forma ou não, então ore deste modo: “Oh Senhor, não posso compreender se o Senhor tem forma ou carece dela. Qualquer coisa que o Senhor seja, tem misericórdia de mim. Revele-Se o Senhor mesmo ante mim”. 455. Uma pessoa pode atribuir às várias formas e aspectos de Deus, que são utilizados na sociedade, a simples imaginação e não ter fé nelas. Certamente Deus concederá Sua graça àquela pessoa que crê em um Poder Divino que cria e dirige o mundo e ora com angustiado coração: “Oh Deus, eu não conheço Sua natureza real. Digne-se a se revelar, o Senhor mesmo ante mim, como o Senhor realmente é”. 456. Deus é extremamente atento, filho meu. Ele ouve cada uma de suas rezas. Cedo ou tarde Ele se revelará, mesmo que seja no momento da morte. CAPÍTULO XI ASPIRANTES ESPIRITUAIS E DIFERENÇAS ENTRE AS RELIGIÕES EM TODAS AS RELIGIÕES SE ADORA O MESMO DEUS. AS RELIGIÕES SÃO SÓ DIFERENTES CAMINHOS QUE CONDUZEM AO ÚNICO DEUS. O FANATISMO: SUA CAUSA E MODO DE CURÁ-LO. ATITUDE PARA AS DIFERENÇAS RELIGIOSAS. ATITUDE PARA OS CULTOS SECRETOS. Em todas as religiões se adora o mesmo Deus 457. A água é chamada de diferentes nomes por distintos povos. Em alguns se chama water; em outros vari; em outros, “água” e em outros, pani. Assim, o único Satchidananda (Existência, Inteligência, Felicidade Absoluta) por alguns é invocado como Deus, por outros como Alá, por outros como Hari e por outros como Brahman. 458. Na oficina de um oleiro há vasilhas, jarros, pratos, fontes, etc., de diferentes formas e tamanhos, mas todos são feitos de argila. Assim, Deus é um, mas adorado em diferentes épocas e regiões da terra, sob diversos nomes e formas. 459. Como com o mesmo açúcar podem ser feitas várias figuras de pássaros e diversos animais, assim a doce Mãe Divina é adorada em vários lugares da terra e diferentes épocas, sob diversos nomes e formas. 460. Como uma única e mesma substância, o ouro, por exemplo, se podem fazer ornamentos de diferentes nomes e formas, assim, o único e mesmo Deus é adorado em diferentes países e épocas, sob distintas formas e nomes. Mas embora Ele seja adorado de diversos modos, de acordo com os vários conceitos das pessoas – alguns considerando-O como pai, outros como mãe, outros como amigo e outros como bem-amado, outros, também, como seu terno e doce filho e outros como o mais íntimo tesouro de seu coração – é o mesmo e único Deus, que é adorado em todas essas diferentes relações. 461. Uma vez, entre os eruditos da corte de Maharaja de Bardhaman, ocorreu uma disputa sobre qual era maior, Shiva ou Vishnú. Alguns diziam que Shiva era maior e outros davam preferência a Vishnú. Quando os ânimos estavam acalmados, um sábio Pandit disse: “Senhor, eu não vi Shiva nem Vishnú. Como posso dizer quem dos dois é o maior?”. Nunca queira comparar uma forma Divina com outra. Quando vir uma delas, compreenderá que todas são manifestações do mesmo Brahman. As religiões são diferentes caminhos que conduzem ao único Deus 462. Em um grande tanque há várias escadas (ghats) para chegar à água. Podemos descer por qualquer uma delas, pois o importante é banhar-se e encher nossa própria vasilha com água e não discutir inutilmente sobre se uma escada é melhor que a outra. De forma semelhante, há muitas escadas que conduzem às águas da fonte de eterna Felicidade. Cada religião é um desses ghats. Desça retamente, com sincero e anelante coração, por um desses ghats e chegará às águas da Bem-aventurança Eterna. Mas não diga que sua religião é melhor que a do outro. 463. Muitos são os “nomes” de Deus e infinitas são as formas através das quais alguém pode aproximar-se Dele. Qualquer que seja o nome e a forma com que o adore, por meio dessa forma O realizará. 464. As diferentes crenças não são mais que diferentes caminhos que conduzem ao Único Deus. Por diversos caminhos se chega ao templo da Mãe Kali, em Kalighat. Do mesmo modo, vários são os caminhos que os homens tomam para chegar a Deus. Cada religião não é mais que um desses caminhos. 465. Numa ocasião, os hindus e os brahmos pregavam suas respectivas religiões com grande zelo e amor. Alguém perguntou ao Mestre sua opinião sobe os seguidores de ambas as religiões. O Mestre disse: “Vejo que minha Divina Mãe está concluindo Sua obra por intermédio de ambas as religiões”. 466. Um piedoso brahmo perguntou ao Mestre qual era a diferença entre o hinduismo e o brahmanismo (pregação do Brahmo-Samaja) e o Mestre disse que a diferença era a mesma que há entre uma simples nota e a música toda. A religião dos brahmos se contenta com a única nota de Brahman, enquanto que o hinduismo se compõe de várias notas que, combinadas, produzem uma doce harmonia. 467. Assim como podemos subir no terraço de uma casa por uma escada de cimento, ou por uma escada de madeira, ou subindo por uma corda ou bambu, assim também são os diversos caminhos e os meios para nos aproximar de Deus e cada religião que há no mundo, assinala um desses caminhos. 468. A luz do gás ilumina vários lugares com diferentes intensidades, mas a substância da luz vem de um mesmo gasômetro. De igual modo, os mestres religiosos de todos os lugares da terra e de todas as épocas, são somente faróis que emitem a luz do Espírito, a qual flui constantemente de uma fonte inesgotável. 469. Os gritos de todos os chacais se parecem. Assim também, o ensinamento de todos os sábios é o mesmo. O fanatismo: sua causa e modo de ser curado 470. Um homem comum, por ignorância, considera a sua própria religião como a melhor e faz muito alvoroço. Mas quando sua mente é iluminada pelo verdadeiro Conhecimento, todas as suas disputas sectárias desaparecem. 471. Uma vez, duas pessoas começaram a discutir sobre a cor do camaleão. Uma disse: “O camaleão que está sobre aquela palmeira tem uma formosa cor vermelha”. Outro respondeu: “Você está equivocado, o camaleão não é vermelho, mas azul”. Não podendo chegar a nenhuma conclusão, ambos foram ver um homem que vivia debaixo da árvore e estev observando, por longo tempo, o camaleão em suas diferentes fases de cor. Um dos disputantes disse: “Senhor, o camaleão que está sobre a árvore não tem a cor vermelha?”. O homem respondeu: “Sim, é assim”. o outro disputante disse: “Que o senhor está dizendo? Como pode ser isso? Estou seguro de que o camaleão não é vermelho e sim, azul!”. O homem voltou a responder humildemente: “Sim, é certo”. Ele sabia que o camaleão mudava constantemente de cor. Por isso respondeu “sim” a ambas as perguntas. Assim também Deus, que é a Existência, o Conhecimento e a Felicidade Absoluta e que tem várias formas. O devoto, que tinha visto Deus em um só aspecto, conhece unicamente esse aspecto. Mas aquele que O tinha visto em muitos aspectos, pode dizer: “Todas estas formas são de Deus, pois Deus é multiforme”. Ele é sem forma e também tem forma e muitas são Suas formas que ninguém conhece. 472. O dal (musgo) não cresce sobre a água pura dos grandes tanques, mas nas águas estancadas e infectas dos pântanos. Do mesmo modo, o dal (seita) não aparece em uma comunidade, cujos membros sejam guiados por motivos puros, amplos e inegoístas. Por outro lado, dal ou seita estão formadas por pessoas egoístas, insinceras e fanáticas. 473. É bom formar seitas (dal)? (Aqui há um duplo sentido na palavra “dal”, que em bengali significa “seita” e “musgo”. O dal (musgo) não se forma na água corrente, mas na água estancada dos pântanos). Aquele cujo coração flui constantemente para o Senhor, não tem tempo para se dedicar a outra coisa. Mas quem busca honra e fama, funda seitas. 474. Os homens podem dividir as terras medindo-as e colocando cercas, mas ninguém pode fracionar o imenso céu que está sobre sua cabeça. O indivisível espaço circunda todas as coisas e tudo é contido em si. Do mesmo modo, um homem iluminado que diz, em sua ignorância, que sua religião é a única do verdadeiro Conhecimento sabe que, acima dos conflitos das seitas e das crenças, está o Indivisível Satchidananda (Existência-Conhecimento-Felicidade Absoluta). A reta atitude para as diferenças religiosas 475. Toda pessoa que faz exercícios espirituais com a crença de que há um só Deus, chega a Ele, qualquer que seja o aspecto, o nome, ou o modo com que Ele seja adorado. 476. Com segurança você avançará, qualquer que seja o modo em que medita sobre Deus ou repete Seus santos nomes. Um pastel feito com açúcar cande, de qualquer lado que você o morda, será igualmente doce. 477. Pergunta: Se o Deus de todas as religiões é o mesmo, por que os seguidores das diferentes crenças O apresentam de diferentes modos? Resposta: Deus é um, mas Seus aspectos são muitos. Como um mesmo homem pode ser pai, irmão ou marido e ser chamado com diferentes nomes por diferentes pessoas, assim, o único Deus é descrito em diferentes modos, de acordo com o aspecto particular em que Ele aparece a cada um de Seus devotos. 478. Como uma mãe, quando cuida de seus filhos doentes, a um dá arroz, a outro, frutas ou vegetais e a um terceiro, pão com manteiga, assim o Senhor estabelece diferentes caminhos apropriados para homens de temperamentos diferentes. 479. A exposição que faz Sankaracharya da Vedanta (monismo) é verdadeira e também o é a que faz a Vedanta Ramanuja, ou seja, sua filosofia visishtadvaita (monismo qualificado). 480. Que o homem seja como um cristão em compaixão, como um muçulmano na estrita observância das cerimônias e como um hindu, por seu amor universal para todas as criaturas viventes. 481. Quando você sai e tem que ficar em contato com as pessoas, deve amar a todos, misturar-se livremente com eles e identificar-se com todos. Não deve encolher os ombros e odiar os demais, dizendo: “Eles crêem em um Deus Pessoal e não no Impessoal”, ou “Eles crêem no Impessoal e não no Pessoal”, ou “Esse é um hindu e aquele é um cristão ou muçulmano”. O homem pode compreender de Deus somente aquilo que Ele o faz compreender. 482. Cada um deve seguir sua própria religião. Um cristão deve seguir o cristianismo e um maometano o islamismo. Para os hindus, o antigo caminho dos rishis ários é o melhor. 483. Um homem verdadeiramente religioso deve pensar que as outras religiões são outros tantos caminhos que conduzem à Verdade. Devemos manter sempre uma atitude de respeito para com as demais religiões. 484. Não dispute. Assim como você se mantém firmemente em sua própria fé e opinião, dê aos demais a mesma liberdade de seguir suas próprias crenças e opiniões. Pela simples disputa, nunca conseguirá convencer o outro de seu erro. Quando desce sobre ele a graça de Deus, o homem reconhece seus próprios erros. 485. Um dia o Mestre, mergulhado no Divino amor, falava à Mãe do universo da seguinte maneira: “Mãe, cada um diz: ‘Meu relógio tem a hora exata’. Os cristãos, os hindus, os muçulmanos, todos dizem: ‘Minha religião é a verdadeira’. Mas Mãe, o relógio de ninguém é exato. Quem pode realmente Lhe conhecer? Somente quando alguém Lhe busca com anelante e angustiado coração, pode chegar até a Senhora, por Sua graça, qualquer que seja seu caminho ou religião”. Atitude para os cultos secretos 486. Alguns discípulos do Mestre, que eram ardentes moralistas, criticavam certas pessoas espiritualmente avançadas que seguiam os ritos secretos dos shaktas e vaishnavas, por considerar tais práticas contrárias às regras morais comuns. A eles, o Mestre costumava dizer: “Não critiquem essas pessoas, pois elas têm a plena convicção de que os caminhos que seguem conduzem à realização de Deus. Qualquer coisa na qual se acredita ardentemente e se adota como meio para realizar Deus, não deve ser criticada. Não se deve condenar a atitude de nenhum aspirante, uma vez que qualquer caminho, ao ser seguido sinceramente, conduz a Deus, que é o destino e consumação de todas as práticas. Sigam buscando Deus, cada um a sua maneira, sem criticar o caminho dos demais, nem o considerando como o de vocês”. 487. Com o propósito de tirar o antagonismo de alguns de seus discípulos para os cultos secretos, o Mestre costumava dizer: “Por que vocês odeiam esses cultos? Por mais sujos que sejam, saibam que também são caminhos. Uma casa pode ter várias entradas: a porta principal, a porta dos fundos e também alguma outra entrada para a pessoa da limpeza. Esses cultos se parecem com a última porta mencionada. Qualquer que seja a porta pela qual alguém entre, uma vez dentro da casa, todos estão no mesmo lugar. Mas por isso vocês devem imitar as pessoas que praticam tais cultos e se reunir com eles? Certamente que não. Mas, de nenhuma maneira vocês devem condená-los”. CAPÍTULO XII O QUE É ESSENCIAL NA VIDA ESPIRITUAL ALGUMAS CONDIÇÕES PARA ALCANÇAR A ILUMINAÇÃO ESPIRITUAL. FÉ. ENTREGA A DEUS. NECESSIDADE DE ISHTA (ASPECTO DIVINO ESCOLHIDO PELO ASPIRANTE). A VERDADE. BRAHMACHARYA OU CONTINÊNCIA, VIVEKA OU DISCERNIMENTO. VAIRAGYA OU DESAPEGO (RENÚNCIA). PERSEVERANÇA. A PRÁTICA ESPIRITUAL É NECESSÁRIA. CONCENTRAÇÃO E MEDITAÇÃO. Algumas condições para alcançar a iluminação espiritual 488. Se uma pessoa que está possuída por um mau espírito dá-se conta disse, o mau espírito a abandona de imediato. Do mesmo modo, quando o jiva que está possuído pelo mau espírito de maya se dá conta de seu estado de cativeiro, nesse mesmo momento se liberta de maya. 489. Somente entra no reino dos Céus aquele que não é um ladrão de seus próprios pensamentos. Em outros termos, a inocência e a fé singela são os caminhos que conduzem a esse Reino. 490. Uma pessoa disse: “A natureza inata de uma substância na pode ser mudada”. Outra respondeu: “Quando o fogo penetra no carvão, destrói seu inato negrume”. Assim também, quando a mente é queimada no fogo do Conhecimento, sua natureza inata também se destrói e deixa de ser uma armadilha. 491. A mente é tudo. Se sua mente perde sua liberdade, você também deixa de ser livre. Se sua mente é livre, você também é. A mente pode ser tingida com qualquer cor, como um tecido branco recém lavado. Estude inglês e em suas conversas misturará palavras inglesas, mesmo que não queira. Um pandit que estuda sânscrito, citará versos nesse idioma. Se a mente está em má companhia, as más influências colorirão seus pensamentos. Mas se está em companhia dos devotos, seguramente a mente meditará em Deus, somente em Deus. A mente muda sua natureza, de acordo com o ambiente em que se vive e atua. 492. A mente é tudo. Uma coisa é a atração que se sente para com a esposa e outra bem diferente é o afeto que se sente por um filho. Um homem tem de um lado a esposa e de outro, o filho. Acaricia a ambos, mas movido por diferentes impulsos. 493. A mente é a que está ligada e é a mente a que se liberta. Se você diz: “Sou uma alma livre, sou filho de Deus! Quem pode escravizar?”, livre você será. Se, ao ser mordido por uma víbora, alguém puder dizer com toda a sua força de vontade e fé: “Não há veneno, não há veneno”, seguramente se livrará do efeito do veneno. 494. Pergunta: Quando serei livre? Resposta: Quando “desaparecer o eu”. “Eu” e “meu”, são produtos da ignorância. “Você” e “Seu”, é Conhecimento. Fé 495. A um discípulo que criticava a fé de certas pessoas, chamando-a “fé cega”, o Mestre observou: “Bem, você pode me explicar o que quer dizer com ‘fé cega’? Por acaso fé não é totalmente ‘cega’? Então, onde estariam os seus olhos? Diga ‘fé’ ou diga ‘conhecimento’. De outro modo, o que é essa singular noção de fé que, em alguns casos é ‘cega’ e em outros ‘tem olhos’?”. 496. O homem sofre por falta de fé em Deus. 497. Há sinais fisiológicos que indicam quem será dotado de fé e quem não. Os tipos de homens ossudos, os que têm olheiras, os estrábicos, não podem ter fé facilmente. 498. Para matar outra pessoa é necessário ter uma espada e um escudo, enquanto que para se suicidar, basta um alfinete. Assim, para ensinar os demais, deve-se estudar muitas escrituras e ciências. Por outro lado, para alguém adquirir a iluminação espiritual, a firme fé e uma simples frase (sagrada) são suficientes. 499. Existem várias seitas e crenças entre os hindus. Qual delas devemos adotar? Parvati perguntou a Mahadeva: “Oh Senhor, qual é a raiz da eterna e infinita felicidade?”. Mahadeva respondeu: “A raiz é a fé”. As peculiaridades de cada crença e seita pouco importam. Que cada um pratique os exercícios devocionais com fé e cumpra os deveres relativos a sua crença. 500. O Conhecimento com respeito a Deus é medido pela fé que alguém tem. É estéril buscar muito Conhecimento onde há pouca fé. Uma vaca que seja muito delicada em questão de comida, não dá muito leite. Mas a vaca que come de tudo, pasto, folhas, cascas, palha, etc., e os come com grande apetite, dá leite em abundância, de seu úbere sai leite em profusão. 501. Aquele que tem fé, tem tudo e aquele que carece dela, carece de tudo. 502. Se você deseja realizar Deus, repita Seu nome com firme fé e trate de discernir entro o Real e o irreal. 503. A menos que se chegue e ter a fé de um menino é muito difícil realizar Deus. Se uma mãe diz a seu filho: “Esse é seu irmão”, o menino acredita plenamente que a pessoa a quem ela se referiu seja realmente seu irmão. Se a mãe lhe diz: “Não vá por ali porque há um espantalho”, o menino pensa que realmente ali há um espantalho. Deus se apieda quando vê em um homem essa fé infantil. Ninguém pode alcançar Deus tendo a mente calculadora de um homem mundano. 504. Um dia Krishna, enquanto estava em um carro militar em companhia de Arjuna, dirigiu Seus olhos para o céu e disse: “Olhe! Que formoso bando de pombas!”. Arjuna, em seguida, olhou na mesma direção e exclamou: “É verdade, são muito formosas essas pombas!”. Um momento depois, Sri Krishna voltou a olhar para o céu e disse: “Não, amigo, parece que não são pombas”. Arjuna olhou novamente e disse: “Certo, não são pombas”. Agora, tente compreender o sentido disso. Sendo Arjuna uma pessoa que se ajustava estritamente à verdade, não ia dar seu assentimento a tudo o que Sri Krishna dissesse, simplesmente para agradá-lo. O certo é que ele tivesse tão inalterável fé em Krishna, que imediatamente percebia tudo o que Krishna dizia. 505. Se você colocar o açúcar para derreter em um bom fogo verá que, enquanto contiver alguma impureza, a calda chiará e produzirá fumaça. Mas quando toda a impureza e espuma for eliminada, cessará o ruído e não haverá mais fumaça. A pura e cristalina calda que ficar, será uma delícia para os homens e os deuses. Assim também é o caráter de um homem de fé. 506. Um homem desejava cruzar o rio. Um sábio lhe deu um amuleto e lhe disse: “Isto o levará facilmente à margem oposta”. Pegando o amuleto em sua mão, o homem começou a caminhar sobre as águas. Mas antes de chegar à metade do rio, ficou curioso e abriu o amuleto para ver o que continha. Dentro havia um pedaço de papel, onde estava escrito o sagrado nome de Rama, o Senhor. Vendo isso, o homem disse, com desprezo: “É esse todo o segredo?”. Quando o ceticismo entrou em sua mente, afundou na água. É a fé no nome do Senhor que faz milagres, porque a fé é vida e a falta de fé é morte. 507. Um discípulo, que tinha firme fé no infinito poder do guru, caminhou sobre as águas de um rio somente em pronunciar o nome de seu mestre. Vendo-o, o guru pensou: “Se há tanta força em meu nome, então devo ser maior e mais poderoso!”. No dia seguinte foi ao rio e começou a caminhar sobre as águas, dizendo: “eu”, “eu”, “eu”, mas quando se afastou alguns passos da margem afundou e afogou-se, pois o pobre homem nem sequer sabia nadar. A fé faz milagres, enquanto que a vaidade e o egotismo causam a própria destruição do homem. 508. Sri Ramachandra, que era Deus encarnado, teve que construir uma ponte sobre o oceano para chegar à ilha de Lanka (Ceilão). Mas Hanuman, Seu fiel devoto e servidor, atravessou o oceano de um só salto, pelo poder de sua enorme fé em Rama. Neste caso, o servidor pode mais que seu amo, pelo simples poder da fé. 509. Um rei, que tinha cometido o atroz pecado de matar um brahmin, foi à casa de um rishi (sábio espiritual), para saber que espécie de penitência deveria fazer para expiar seu pecado. Como o rishi estava ausente, seu filho, que se encontrava na casa, atendeu o rei e depois de ouvir seu caso, lhe disse: “Repita o nome de Deus (Rama) três vezes e ficará purificado”. Quando o rishi voltou e soube da penitência que seu filho tinha prescrito ao rei, exclamou, indignado: “Os pecados cometidos durante milhares de vida se purgam de imediato, ao ser pronunciado o nome do Todo Poderoso uma só vez. Oh tolo, quão frágil deve ser sua fé, uma vez que ordenou a repetição do santo nome três vezes! Por esta sua fragilidade você será um sem casta”. Foi assim que seu filho (em outra encarnação) se converteu em Guhaka (rei dos aborígenes) do Ramayana. 510. Uma pedra pode ficar na água por inumeráveis anos, sem que a água penetre nela. Por outro lado, se a argila estiver em contato com a água, logo em seguida ficará empapada e se transformará em barro. De igual modo, o coração de um homem de fé, mesmo em meio a provas e perseguições, não se desespera. Por outro lado, o homem de pouca fé fica abatido mesmo pelas causas mais insignificantes. 511. A pederneira pode ficar submerso na água por milhares de anos sem perder o inerente fogo e emite chispas, quando é friccionado com um pedaço de ferro. Assim, um verdadeiro devoto, mesmo estando rodeado de todas as impurezas do mundo, nunca perde a fé e devoção e fica arrebatado quando ouve o nome do Senhor. 512. As pessoas chegam a ser o que pensam. Se diz que a barata, pensando constantemente em certo inseto (brahmarakita), se transforma nesse inseto. Do mesmo modo, aquele que pensa na Felicidade Absoluta sente-se pleno de felicidade. 513. Por que você fala do pecado e do fogo do inferno todos os dias de sua vida? Cante o nome de Deus e diga de uma vez: “Oh Senhor! Fiz coisas que não deveria ter feito e não fiz outras que devia fazer. Perdoe-me, Senhor!”. Dizendo isto, tenha fé nEle e você ficará purgado de todos os seus pecados. 514. Os que curam pela fé, na Índia, ordenam aos seus pacientes que repitam, com plena convicção, estas palavras: “Não existe, em absoluto, a enfermidade”. Os pacientes repetem estas palavras e a sugestão mental ajuda a eliminar a doença. De igual modo, se você pensa que é moralmente frágil, nisso se converterá em muito pouco tempo. Saiba e tenha a convicção de que em você há um imenso poder e, no final, o poder virá a você. 515. Aquele que se acredita jiva (ser individual), se torna jiva e aquele que se considera Deus, se converte em Deus. Somos o que pensamos. Entrega a Deus 516. Aquele que pode se entregar à vontade do Todo Poderoso com simples fé e sincero amor, realiza o Senhor muito rapidamente. 517. Viver em um mundo ou abandoná-lo, depende da vontade e Deus. Portanto, trabalhe e deixe tudo em Suas mãos. Que outra coisa você pode fazer? 518. Um charco de água em um campo aberto logo se seca, mesmo que a água não seja diminuída de volume por sua utilização. Então você chegará à conclusão de que tudo se faz por Sua vontade. 519. Pergunta: Que devemos fazer, já que estamos neste mundo? Resposta: Resigne-se a Deus, entregue-Lhe todas as coisas e não haverá mais perturbações para você. Então saberá que tudo se faz pela Sua vontade. 520. Não há caminho mais seguro e pleno que o de bakalma (conceder poder geral). Bakalma, aqui, significa entregar-se à vontade do Todo-poderoso e ter consciência de que nada é “meu”. 521. O macaquinho agarra-se a sua mãe e vai a todos os lugares pendurado nela. Por outro lado, o gatinho não faz o mesmo, mas mia tristemente e a mãe o pega pela nuca com os dentes. Se o macaquinho se solta de sua mãe, cai e se machuca. Isso acontece porque confia em sua própria força. Mas o gatinho não corre o mesmo risco. Tal é a diferença que há entre confiar em si mesmo e a entrega total à vontade de Deus. 522. Um pai estava atravessando um campo em companhia de seus dois filhinhos. Levava um deles em seus braços, enquanto que o outro caminhava a seu lado, sustentando-se em sua mão. Viram um falcão voar e o menino que ia a pé, soltou a mão do pai e começou a bater palmas gritando: “Olhe, papai, ali vai um falcão!”. Mas em seguida tropeçou em uma pedra e caiu, ferindo-se. O outro menino também bateu palmas com alegria, mas como estava nos braços do pai, não caiu. O primeiro menino representa o esforço próprio em práticas espirituais e o segundo, a completa entrega de si mesmo. 523. Quando a bendita Radha foi colocada à prova para demonstrar sua castidade, exigindo que ela levasse água em uma jarra com mil orifícios e ela obteve êxito, levando a jarra cheia sem que caísse uma só gota, todos a aclamaram entusiasticamente, declarando que nunca houve e nem haverá uma mulher casta como ela. Ao ouvir isto, Radha exclamou: “Por que me culminam de louvores? Melhor que digam: ‘Glória a Krishna! Glória a Ele, somente!’. Eu sou somente Sua servidora”. 524. Qual é a natureza da confiança absoluta em Deus? É algo assim como o feliz estado de repouso que um fatigado trabalhador experimenta, quando se reclina sobre uma almofada e fuma despreocupado, ao final de uma jornada dura de trabalho. É a cessação de toda a ansiedade e inquietude. 525. Viva aqui (neste mundo) como uma dessas folhas que se joga fora depois de ter sido usada como prato. Ela fica a mercê dos ventos. Às vezes é levada a um lugar limpo, outras vezes a um lugar sujo. Bem, já que você foi colocado aqui, fique no lugar onde está. E quando Deus o levar a um lugar melhor, então também você deverá dizer: “Amém” e resignar-se à Sua vontade com completo desapego. Deixe que as coisas aconteçam por si só. Necessidade de Ishta (aspecto divino escolhido pelo aspirante) 526. Em uma família, a jovem esposa respeita seus sogros, provê suas necessidades e não os deprecia ou desobedece. Mas ao mesmo tempo, ama seu esposo mais do que a eles. Do mesmo modo, seja firme na devoção a seu Ishta (aspecto Divino escolhido), mas não deprecie outras Deidades. Honre, também a Elas, pois todas representam uma só Força e Amor. 527. No jogo chamado “ashta-kashta”, as peças devem ser passadas por várias casas do tabuleiro, antes de chegar à casa central de “descanso e não retorno”. Mas até uma peça não chegar à casa central, está sujeita a voltar uma e outra vez ao ponto inicial e começar novamente a difícil viagem. Certamente, se duas peças partem juntas e se movem unidas de uma a outra casa, não podem ser forçadas a voltar atrás por nenhum vencedor. Do mesmo modo, aqueles que começam suas práticas de devoção, unindo-se primeiro a um guru e um Ishta, não devem temer os reveses e dificuldades do caminho. Seu progresso será sem impedimentos, suave e sem retrocesso. 528. Muitos caminhos conduzem a Calcutá. O “doutor Incrédulo” que vivia em uma longínqua aldeia, saiu de sua casa para ir à metrópole. Ao sair, perguntou a um homem: “Que caminho devo tomar para chegar logo a Calcutá?”. O homem respondeu: “Siga por esse caminho”. Quando já tinha percorrido certa distância, encontrou outro homem e lhe perguntou: “Este é o caminho mais curto para Calcutá?”. O homem respondeu: “Não, não! Você deve voltar atrás e tomar o caminho da esquerda”. Assim o fez. Mas quando tinha andado certo trecho pelo novo caminho, encontrou um terceiro homem, que indicou outro caminho diferente para Calcutá. Desse modo, o “doutor Incrédulo” não fez nenhum progresso, passando o dia inteiro mudando de caminho. Como aquele que deseja sinceramente chegar a Calcutá, deve seguir até chegar ao destino pelo caminho que foi indicado por um homem honesto. Assim, os que desejam alcançar Deus devem seguir um só guia com firmeza. 529. Um homem começou a cavar um poço e chegou até uma profundidade de vinte codos, mas não achou nenhum vestígio de água. Então abandonou o lugar e escolheu outro para fazer o poço. Cavou ainda mais fundo, mas não encontrou água. Escolheu um terceiro lugar e cavou mais fundo ainda, mas foi em vão. Tampouco encontrou água. No final, completamente esgotado, abandonou sua tarefa. No conjunto, a profundidade dos três poços era de quase cem codos. Se tivesse tido a paciência de dedicar a metade de seu trabalho no primeiro poço, ao invés de mudar de um lugar a outro, certamente teria encontrado água. Assim acontece com os homens que mudam continuamente de crença. Para ter êxito, devemos dedicar todo nosso coração e fé a um só ideal, sem ter a menor dúvida de sua eficácia. 530. Como uma casta mulher dedicada completamente a seu marido se une a ele para sempre, depois da morte, assim o homem que tem inteira devoção a seu Ideal escolhido, certamente obtém a união com Deus. A verdade 531. Tenha bhakti (amor a Deus) em seu interior e abandone todo o artifício e engano. Aqueles que se dedicam ao comércio ou outros negócios, ou que trabalham em escritórios, também devem se aderir à verdade. A veracidade é a tapasya (austeridade) que corresponde a esta idade de Koli (idade atual). 532. A menos que se diga sempre a verdade, é impossível encontrar Deus, que á a alma da verdade. 533. O homem deve ser muito escrupuloso com respeito à verdade. Por meio da verdade, podemos realizar Deus. 534. Tudo o que é falso é mau. Mesmo o uso de uma vestimenta que não nos corresponda, é mau. Se sua mente não está em harmonia com sua vestimenta, seguramente você terá a visita de uma calamidade. Desse modo, se tornará hipócrita e perderá todo temor de falar e atuar com falsidade. 535. Uma pessoa, que estava cheia de dúvidas, fingiu estar louca para escapar de conseqüências legais. Os médicos não conseguiram curar sua enfermidade, pois quanto mais medicamentos lhe davam, mais aumentava sua loucura. No final, um sábio médico descobriu a verdade e, se afastando com o fingido louco, o repreendeu dizendo: “Que é que você está fazendo? Tenha cuidado de que fingindo, se tornará realmente louco. Já não vejo em você nenhum sintoma de loucura”. Esta advertência despertou aquele homem da sua insensatez e, desde então, deixou de se fingir de louco. Alguém pode se tornar, realmente, aquilo que finge ser. Brahmacharya ou continência 536. Como podemos ver nosso rosto refletido em um espelho, a gloriosa imagem de Deus Todo-poderoso pode ser visto refletido no coração de uma pessoa que preservou seu poder e pureza, pela perfeita continência. 537. A menos que se pratique absoluta continência, é impossível compreender as sutis verdades da espiritualidade. 538. Sukadeva era urdhvaretas (homem de completa e ininterrupta continência). Nunca teve nenhuma emoção de sêmen. Há outra espécie de pessoa chamada dhairyaretas. São as que tiveram antes descarga de sêmen, mas que atualmente praticam absoluta continência. Se um homem se torna dhairyaretas continuamente por doze anos, adquire um poder sobre-humano. Desenvolve-se nele um novo nervo. Chama-se “nervo da inteligência” (medhanadi) e pode lembrar de tudo e conhecer tudo. 539. Se um homem guarda absoluta continência por doze anos, o medhanadi se abre (sua compreensão e poderes florescem). Seu entendimento será capaz de penetrar e compreender as mais sutis idéias. Com tal entendimento, o homem pode realizar Deus. Deus pode ser realizado somente por um entendimento purificado deste tipo. 540. Aquele que renunciou ao gozo da ”mulher”, renunciou realmente ao mundo! Deus está, certamente, muito próximo de uma pessoa assim! Viveka ou discernimento 542. Pratique o discernimento. A “mulher e o ouro” são ambos irreais. A única realidade é Deus. Para que serve o dinheiro? Para conseguirmos comida, vestimenta e teto para nos abrigar. Até esse ponto nos é útil, mas não vai mais além. Tenha a segurança de que não poderá ver Deus com a ajuda do dinheiro. O dinheiro não é a finalidade da vida. Este é o processo do discernimento. Que há no dinheiro ou na beleza das mulheres? Usando o discernimento, verá que o corpo da mais formosa mulher se compõe de carne, sangue, pele, ossos, gordura, medula e, além do mais, como no caso de outros animais, contém tripas, urina, excrementos e coisas dessa espécie. O surpreendente é que o homem possa perder de vista Deus e entregar toda sua mente a coisas dessa natureza! 543. Viveka e vairagya – viveka significa separar o Real do irreal e vairagya é o desapego dos objetos mundanos. Isto não vem de repente, mas deve ser praticado diariamente. “A mulher e o ouro” devem ser renunciados primeiro mentalmente e em seguida, se Deus quiser, devem ser renunciados interna e externamente. Abhyasa yoga (contínua prática da reflexão e meditação) engendra o desapego a “mulher e ouro”, assim diz o Guita. A contínua prática dá extraordinário poder à mente. Então não mais se encontra dificuldade em subjugar os sentidos, as paixões e a luxúria. Faça como a tartaruga, que não estica seus membros depois de ter se fechado em sua couraça. Mesmo cortando-a em pedaços, não os estende. 544. Pergunta: Este mundo é irreal? Resposta: É irreal enquanto você não conhecer Deus. Ao não vê-Lo em todas as coisas e seres, você se aprisiona ao mundo com os laços de “eu” e “meu”. Iludido assim pela ignorância, você se apega aos objetos sensórios e afunda mais e mais no abismo de maya. Maya cega os homens a tal ponto, que não podem escapar de suas redes, mesmo que haja uma abertura diante deles. Vocês mesmos sabem o quão irreal é a vida mundana. Pensem um pouco na casa onde estamos agora. Quantos homens nasceram e quantos morreram nela! As coisas do mundo aparecem diante de nós por um momento e em seguida tornam a desaparecer. Aqueles que você considera “seu”, deixarão de existir para você quando fecharem os seus olhos, ao morrer. Quão forte é o apego que aprisiona o homem mundano! Talvez não haja ninguém na família que requeira sua atenção, contudo, por amor a um neto não vai a Banaras praticar devoção. “Que será de minha Hari” é o pensamento que o mantém atado ao mundo. Em um ghuni (armadilha para pescar) a saída está sempre aberta, contudo os peixes não podem escapar. O bicho da seda se encerra em seu próprio casulo e ali perece. Sendo dessa natureza, não é irreal e esvaecente a vida no mundo (samsara)? 545. Você sabe como destruir o egotismo? Quando os lavradores debulham o grão, param de vez em quando para ver se não caem espigas sem debulhar. Quando as pessoas pesam objetos preciosos, de vez em quando se detêm e ajustam a agulha da balança, para assegurarem-se do peso exato. Do mesmo modo, de vez em quando eu usava contra mim mesmo uma linguagem áspera, para ver se meu ego insurgia em meu interior. Às vezes refletia do seguinte modo, sobre a natureza do corpo humano: “Fixe-se neste corpo. Que outra coisa é senão uma jaula de carne e ossos! Contém sangue, pus e outras matérias impuras semelhantes! É estranho que possa sentir-se tão orgulhoso deste corpo!”. 546. Suponha que haja arroz fervendo em uma panela. Para ver se o arroz já está cozido, você pega um grão e o aperta entre os dedos. Num instante, sabe se todo o arroz que está na panela está cozido ou não. Com toda segurança, você não apertará cada grão. Assim como provamos um ou dois grãos para saber da condição de arroz que há na panela, assim também, examinando dois ou três objetos, você pode saber se o mundo é real ou irreal, se é eterno ou efêmero. O homem nasce, vive por algum tempo e morre. A mesma coisa acontece com os animais e plantas. Discernindo deste modo, você sabe que esse é o mesmo destino de todas as coisas que têm nome e forma, sem excluir a terra, o sol e a lua. Desta forma, não compreenderá a natureza de todas as coisas que existem no universo? Quando reconhecer que o mundo é irreal e efêmero, não terá mais amor por ele. Renunciará a ele em sua mente e ficará livre de todo o desejo. Quando for capaz desse ato de renúncia, saberá que Deus é a causa do universo. Quem alcança Deus deste modo, se não é um todo-conhecedor, que outra coisa poderia ser? Vairagya ou desapego (renúncia) 547. Até mesmo quando estamos cercados por toda espécie de desejos mundanos, pode surgir em nós a pergunta: “Quem sou eu, que goza de tudo isto?”. Esse pode ser o momento em que comece a revelação do segredo. 548. Em um bosque cheio de ervas daninhas e espinhos é impossível caminhar descalço. Seria possível em um bosque coberto de couro ou calçando sapatos. Mas como é impossível cobrir todo um bosque com couro, fica mais fácil proteger os pés com sapatos. Da mesma forma, neste mundo o homem é perturbado por inumeráveis necessidades e desejos e há somente dois modos de escapar deles. Ou satisfazendo todas as necessidades e desejos, ou abandonando a tudo isto. Mas é impossível satisfazer todas as necessidades humanas, pois quando algumas são satisfeitas, surgem outras novas. Assim, é mais sábio diminuir as necessidades através do contentamento e do conhecimento da Verdade. 549. É muito agradável coçar um lugar atingido pela sarna, mas a sensação seguinte é muito penosa e intolerável. Assim também os prazeres deste mundo são muito atraentes, no início, mas são terríveis, depois de suportar e contemplar suas conseqüências. 550. Um milhafre, que tinha um peixe em seu bico, estava sendo perseguido por vários corvos e outros milhafres que o perseguiam e bicavam, para que soltasse a presa. Em qualquer direção que ia, o bando de corvos e milhafres o seguia. Cansado de tanta perseguição, deixou cair o peixe, que foi agarrado por outro milhafre que, por sua vez, foi perseguido pelas demais aves. O primeiro milhafre ficou livre e pousou tranqüilo sobre o ramo de uma árvore. Vendo o pássaro quieto e tranqüilo, o Avadhuta (grande sábio espiritual) o saudou, dizendo: “Você é meu Guru, oh milhafre! Você me ensinou que o homem não pode livrar-se das perturbações e estar em paz, até se livrar do fardo de seus desejos mundanos”. 551. Um cavalo arisco não caminha direito, se não tiver os olhos protegidos por viseiras. Da mesma forma, quando a mente de um homem mundano o impede de olhar ao seu redor por causa das viseiras do discernimento e do desapego, não tropeçará, nem irá por maus caminhos. 552. Não se pode escrever em um papel untado. Assim, o homem impregnado com o azeite do vício e da sensualidade, não está apto para a devoção espiritual. Mas se for colocado sobre o papel manchado de azeite uma folha de giz, pode-se se escrever nele. Assim também, quando uma mente viciada é coberta com o “giz” da renúncia, se torna novamente apta para o progresso espiritual. 553. Há uma aranha, cujo veneno não pode ser combatido com nenhum medicamento, se a ferida não for antes magnetizada com compressas de raízes de cúrcuma. Só depois que a ferida tiver sido assim magnetizada, há remédios que surtem efeito. Do mesmo modo, quando um homem foi infectado pela aranha da luxúria e da riqueza, antes de fazer qualquer progresso espiritual, deve saturar-se com o mágico magnetismo da renúncia. 554. Ao se colocar um agente purificador, por exemplo, um pedaço de pedra-ume em um recipiente que contenha água turva, esta se aclara e as impurezas se acumulam no fundo. O discernimento e o desapego são os agentes purificadores. É por meio deles que um homem do mundo deixa de ser mundano e se torna puro. 555. O bicho da seda fica aprisionado no casulo que ele mesmo fez. Assim também a alma mundana fica enredada nas malhas da rede, tecida com seus próprios desejos. Mas quando o bicho, ao transformar-se em uma bela mariposa, rompe o casulo, sai voando livremente e goza da luz e do ar. Assim o homem mundano pode desvencilhar-se das redes de maya, com a ajuda das asas do discernimento e do desapego. 556. Uma mudança total é a chave que abre a porta de acesso à câmara onde Deus mora. Para chegar a Ele, você tem que renunciar ao mundo e a tudo. 557. É inútil ler as sagradas escrituras, se a mente não está dotada de discernimento e desapego. Sem eles, nenhum progresso espiritual é possível. 558. Como Deus pode ser alcançado? Sacrificando o corpo, mente e riquezas. 559. Qual deve ser a condição mental de um homem ligado, antes de poder aspirar a sua libertação? Se pela graça de Deus adquirir um intenso espírito de renúncia, só então poderá livrar-se da atração de “mulher e ouro”. E em que consiste o intenso desapego e a veemente renúncia? “Com o tempo realizarei Deus”, esta é a atitude de quem possui um frágil desapego. Mas aquele, cuja renúncia é aguda e forte, deseja Deus com a mesma ansiedade abnegada do coração de uma mãe que quer ver seu filho. Nunca busca outra coisa que não seja Deus. O mundo é para ele como um poço, onde ele teme cair e se afogar. Seus parentes lhe parecem serpentes venenosas, das quais trata de fugir. E tal é a força de seu impulso e determinação, que nunca pensa em resolver primeiro suas questões domésticas, para então dedicar-se à busca do Senhor. 560. Por que um amante de Deus renuncia a tudo por amor a Ele? A traça, depois de ver a luz, não pensa em tornar à obscuridade. A formiga que se encontra em um monte de açúcar, morre ali, sem voltar. Assim, o amante de Deus sacrifica alegremente sua vida pelo alcance da Divina bem-aventurança, sem se importar com nenhuma outra coisa. 561. O homem se converte em um real gñani, um verdadeiro Paramahansa, só quando provou todas as condições possíveis de vida, da mais modesta de varredor, até o mais elevado papel de rei, seja pela observação, pelo relato dos demais ou pela experiência própria e que esteja convencido, com isso, da natureza trivial de todos os gozos humanos. 562. O gñani (Conhecimento) nunca chega sem a renúncia da luxúria e das posses. Quando a renúncia desponta, toda a ignorância (avidya) é destruída. Muitas coisas podem ser queimadas com uma lente colocada ao sol, mas não seria possível fazer isso na sombra. O mesmo acontece com a mente. Deve ser tirada da escura cela deste mundo e exposta ao sol da efulgente Divindade. Só então chegará a verdadeira renúncia e a roda a ignorância será destruída. 563. O Conhecimento (gñana) não pode ser comunicado de uma só vez. Seu alcance é uma questão de tempo. Suponha o caso de uma febre muito alta. O médico na dará quinina em tais circunstâncias, porque sabe que não surtiria efeito. Primeiro a febre deve ceder, o que depende do tempo e logo depois, a quinina pode ser administrada ou outro medicamento. Precisamente, o mesmo ocorre com o homem que busca o conhecimento. Os preceitos religiosos são, freqüentemente, inúteis, enquanto se esteja submerso na mundanidade. Deixe um homem desfrutar, por certo tempo, das coisas deste mundo. Quando seu apego ao mundo tiver diminuído, terá chegado o momento em que as instruções religiosas serão frutíferas para ele. Antes disto, qualquer preceito será estéril. 564. As crianças brincam com seus bonecos todo o tempo que querem, em uma casa, longe da mãe, e quando a mãe entra, deixam de lado suas brincadeiras e correm para ela, gritando: “Mamãe, mamãe”. Você também está brincando neste mundo, absorto com seus bonecos, que são a riqueza, as honras e a fama, sem pensar em outra coisa. Mas se alguma vez chegarem a ver a Divina Mãe dentro de si mesmos, então não encontrará mais prazer em todas essas coisas, como riquezas ou fama. Deixando-as de lado, correrá para Ela. 565. A renúncia é de várias espécies. Há a renúncia que surge do sofrimento agudo causado pelas misérias do mundo. Mas o maior é aquele que nasce da consciência de que todos os gozos mundanos, mesmo estando a nosso alcance, são transitórios e não vale a pena desfrutá-los. Assim é que, mesmo tendo tudo, não se possui nada. 566. Quantas espécies de renúncia existem? Geralmente a renúncia tem duas espécies: uma é intensa e a outra, moderada. A intensa renúncia é como cavar um grande poço numa só noite e deixá-lo que se encha de água. O desapego moderado é um processo lento em seu crescimento e com muitas interrupções e não se sabe quando chegará a ser completado. 567. Estando a banhar-se em um rio, um homem viu que um certo cavalheiro estava se preparando, durante alguns dias, para renunciar ao mundo e abraçar a vida de sannyasin. Isto causou em sua mente a convicção de que a vida de sannyasin é a mais elevada. Resolveu imediatamente tornar-se sannyasin e meio desnudo como estava, abandonou o mundo e se afastou, sem voltar mais ao lugar. Isto ilustra a renúncia intensa. 568. Mergulhe no oceano de Existência-Conhecimento-Felicidade Absoluta. Não tema os monstros marinhos da avareza e da ira. Unte seu corpo com uma capa grossa da cúrcuma do discernimento e o desapego (viveka e vairagya) e esses monstros não se aproximarão, pois o odor da cúrcuma os manterá afastados. Perseverança 569. Sabe como as pessoas do campo compram novilhos? Ah! Eles são espertos nesses assuntos e sabem distinguir os bons dos maus. Sabem escolher o animal mais cheio de vida. Simplesmente tocam a cauda e o efeito é milagroso. Os novilhos sem brio oferecem resistência e caem no chão sem se mover, como adormecidos. Mas os que têm muita vitalidade, saltam de um lado a outro, como se protestassem contra a liberdade que tiveram com eles. Os campesinos escolhem estes últimos. Se quiserem ter êxito na vida deve-se ter, no íntimo, o valor do verdadeiro homem. Mas há muitos que carecem deste valor. São como copos de arroz empapados no leite, brandos e pusilânimes! Sem força interior! Sem força de vontade! Incapazes de um esforço contínuo! São os fracassados da vida. 570. O pescador que deseja pescar um grande peixe, espera com calma horas inteiras, depois de lançar o anzol na água. Do mesmo modo, o devoto que pacientemente segue suas práticas devocionais, está seguro de encontrar Deus, no final. 571. Aquele que vem de família de lavradores, não deixa de cultivar a terra, mesmo que não chova por doze anos. Por outro lado, o comerciante que se dedica à agricultura há pouco tempo, se desencoraja na primeira seca. O verdadeiro crente não se desanima, mesmo que não consiga ver Deus, não obstante ter levado toda uma vida de devoção. 572. Aquele que deseja aprender a nadar, deve praticar por alguns dias. Ninguém, depois de um só dia de treinamento, pode aventurar-se a nadar no mar. Do mesmo modo, se você deseja nadar no oceano de Brahman, deve fazer muitas e infrutíferas tentativas, antes de ter êxito. 573. O terneiro recém-nascido cambaleia e cai dezenas de vezes, antes que aprenda a se manter de pé. Assim também é o caminho da devoção. São muitas e freqüentes as caídas, antes de se alcançar o êxito final. 574. Conta-se que duas pessoas começaram a invocar, juntas, a Deusa Kali, como terrível rito chamado shavasadhana (rito Tântrico que se faz em um crematório, na obscuridade da noite. O sádhaka [praticante] se senta sobre um cadáver). Um deles enlouqueceu de espanto, ante as terríveis cenas que apareceram ao anoitecer. O outro, ao terminar a noite, foi favorecido com uma visão da Divina Mãe. Este último disse à Deusa: “Mãe, por que meu companheiro se tornou louco?”. A Deusa respondeu: “Você também, filho meu, enlouqueceu muitas vezes em suas vidas anteriores, até que, no final Me viu”. 575. Pergunta: Raras vezes a paz vem ao nosso coração e quando vem, não dura muito. Por que isso acontece? Resposta: O fogo feito com as canas de bambu logo se extingue, a menos que seja avivado, soprando continuamente. Para manter vivo o fogo da espiritualidade é necessária a devoção ininterrupta. 576. Ao se encher com água uma vasilha de barro e se for deixada sobre uma estante, em poucos dias toda a água se evaporará. Mas se for mergulhada na água, ficará cheia todo o tempo que permanecer ali. O mesmo acontece com o amor a Deus. Se você cultivar o amor a Deus por um tempo e logo se ocupar de outros assuntos esquecendo de Deus, logo achará que seu coração foi esvaziado daquele precioso amor. Mas se mantiver seu bendito coração sempre submerso no santo amor e fé, seguramente ficará sempre cheio e transbordante de fervor Divino e sagrado amor. 577. Enquanto há fogo sob a panela, o leite levantará fervura, mas tire o fogo e o leite ficará parado. Assim também o coração do neófito borbulha de entusiasmo só quando prossegue seus exercícios espirituais. 578. Quanto tempo perdura a devoção de um homem? O ferro fica vermelho, enquanto arde o fogo. Mas se for tirado do fogo, se torna negro. Assim, o homem fica repleto de Deus enquanto estiver em comunhão com Ele. 579. A mente é como o cabelo eriçado de um negro. Você pode mantê-lo esticado o tempo que quiser, mas quando o soltar, voltará a tomar a forma encaracolada de antes. Enquanto você governar a mente com firmeza, ela trabalhará bem e vantajosamente, mas quando descuidar de sua vigilância, se desviará do caminho reto. 580. Tota Puri (monge errante que iniciou o Mestre na prática da Vedanta Advaita, ou monismo) costumava dizer: “Se um pote de bronze não for areado diariamente, perderá seu brilho. Do mesmo modo, se um homem não medita em Deus todos os dias, seu coração se tornará impuro”. Uma vez o Mestre lhe respondeu que se o pote for de ouro, não requer limpeza diária. O homem que alcançou Deus, não necessita mais da ajuda de penitências ou orações. A prática espiritual é necessária 581. Se você deseja beber água de um tanque pouco profundo, deve tirá-la suavemente da superfície, pois do contrário corre-se o risco de remover o sedimento e assim, turvar toda a água. Se deseja ser puro, tenha firme fé e siga suas práticas devocionais, sem gastar mal sua energia em inúteis discussões e argumentos sobre as escrituras. De outro modo, seu pequeno cérebro pode turvar-se. 582. Há muitas pessoas que fazem averiguações sobre as casas e as riquezas de Jadunath Mal-lick (rico cavalheiro de Calcutá), mas poucos são os que vão vê-lo pessoalmente e cultivam sua amizade. De forma semelhante, há muitos homens que estudam as escrituras e falam de religião, mas são poucos os que desejam ver Deus ou esforçar-se por aproximar-se dEle. 583. Adote os meios adequados para o fim a que se propõe alcançar. Não conseguirá manteiga, embora grite até ficar rouco, dizendo: “Há manteiga no leite”. Se você deseja manteiga, separe o creme do leite e bata bem, até que se converta em manteiga. Do mesmo modo, se deseja ver Deus, dedique-se às práticas espirituais (sádhanas). Que bem há no simples dizer: “Oh Deus! Oh, Deus!”. 584. Se um homem deseja ver o rei em seu trono, deve ir ao palácio real e atravessar todas as portas que existem. Mas se, ao atravessar somente a primeira porta, perguntar: “Onde está o rei?”, seguramente não o encontrará. Deve atravessar as sete portas e então poderá ver o rei. 585. Algum esforço é necessário para a realização. Um dia estava em bhava samadhi (absorção espiritual) e vi o haldarpukur (um grande tanque situado em frente à casa da família de Sri Ramakrishna, na aldeia de Kamarkupur) e vi um campesino que tomava água, separando o musgo da superfície e examinando a água de vez em quando, tomando-a em sua mão. Isso demonstrou a mim que, assim como a água não pode ser vista se não for separada do musgo, o amor a Deus e a realização tampouco podem ser alcançados, se não se trabalha para isso. A meditação, repetir o “nome” do Senhor, cantar Suas glórias, a caridade, fazer certas cerimônias – tudo isto é o santo trabalho que conduz a Deus. 586. Até Sri Krishna fez tremendas práticas espirituais relacionadas com o culto Radhayantra. O Yantra é Brahmayoni (Poder Criativo de Brahman) e a sádhana em sua adoraçao e meditação. Deste Brahmayoni nascem miríades de mundos! 587. Há três métodos para praticar: Como os pássaros, como os macacos e como as formigas. Os pássaros bicam a fruta, que talvez caia no chão, sem que possam comê-la. Há devotos que iniciam suas práticas com tanta violência que, certamente, o fim que perseguem fica frustrado. Os macacos saltam de ramo em ramo com a fruta na boca, mas enquanto estão assim saltando, a fruta cai no chão antes que possam degustá-la. Similarmente, às vezes, distraídos pelos mutantes eventos da vida, os aspirantes perdem de vista o caminho espiritual, se não sabem se agarrar firmemente a ela. A formiga avança suave e decididamente para o grão de comida e o leva ao formigueiro, onde desfruta dele comodamente. A espécie de sádhana que se parece com o modo de atuar da formiga é considerada a melhor – há segurança de alcançar e degustar saborosamente o fruto. 588. Aquele que é amante da pesca e deseja que seja indicado um bom lugar para pescar, se dirige às pessoas que tenham pescado em algum lugar e pergunta com interesse: “É verdade que aqui há grandes peixes? E qual é a melhor isca para atraí-los?”. Uma vez obtida a informação necessária, vai até a margem com sua vara de pescar, joga o anzol e espera pacientemente. Ao final, consegue pescar um formoso e grande peixe. Da mesma forma, confiando nas palavras dos santos, deve-se apegar a Deus e instalá-lo no próprio coração com a isca da devoção e a vara e o anzol da mente (concentrada). Com incessante paciência, deve-se esperar o momento propício. Somente então se poderá pescar o peixe divino. 589. O Mestre costumava dizer: “Vocês são capazes de seguir todos os mandamentos que lhes dou? Em verdade lhes digo que praticando uma décima sexta parte deles, sua salvação está assegurada”. 590. As práticas espirituais (sádhanas) são absolutamente necessárias para o Conhecimento do Ser, mas se você tiver perfeita fé, uma pequena prática é suficiente. 591. Se uma pessoa chega a ter fé no poder de Seu santo “nome” e se sente inclinada a repeti-Lo constantemente, para ela já não são mais necessários o discernimento e as práticas devocionais. Todas as dúvidas cessam, a mente se purifica e o Senhor Mesmo é realizado, mediante a força de Seu santo nome. 592. Os Vedas e os Puranas devem ser lidos e ouvidos, mas é bom agir segundo os preceitos dos Tantras. O “nome” de Hari (o Senhor) deve ser pronunciado e também ouvido. Na verdade, há certas enfermidades nas quais não só é necessário aplicar o medicamento exteriormente, mas que também deve ser administrado interiormente. 593. Há duas espécies de siddhas (homens perfeitos), sádhana-siddhas e kripasiddhas (aqueles que alcançaram a perfeição pela graça). Para obter uma boa colheita, algumas pessoas devem trabalhar duramente para regar seus campos, tirando água dos poços e abrindo canais. Outros, por outro lado, têm a sorte de que seus campos recebam chuvas abundantes e se tornem férteis. Quase todos precisam praticar assiduamente exercícios espirituais para se libertar dos grilhões de maya. Mas os kripasiddhas se poupam de todas essas práticas e obtêm a perfeição, mediante a graça de Deus. Seu número, certamente, é extremamente reduzido. Concentração e meditação 594. A concentração e meditação devem ser sempre praticadas. 595. Ao entardecer, deixando de lado todo o trabalho, você deve meditar em Deus. Quando escurecer, a lembrança de Deus surgirá espontaneamente na mente. Tudo era visível até um tempo, mas agora a obscuridade envolve todas as coisas! Quem fez isto? Tais pensamentos surgem na mente. Você não notou que os muçulmanos, ao entardecer, abandonam o trabalho e se sentam para orar? 596. É muito difícil juntar as sementes de mostarda que tenham caído de um pacote roto e tenham se esparramado em todas as direções. Do mesmo modo, não é fácil recolher e concentrar a mente que corre atrás dos objetos mundanos em diversas direções. 597. Medite em Deus, nem que seja em um lugar escuro ou na solidão dos bosques, ou no santuário silencioso de seu coração. 598. No princípio, o praticante deve concentrar sua mente em um lugar solitário. De outro modo há muitas coisas que podem distraí-lo. Se colocar água e leite juntos, seguramente se misturarão. Mas se o leite for batido e transformado em manteiga, se o colocar na água flutuará, sem se misturar com ela. Do mesmo modo, quando um homem conquistou o poder da concentração mental pela constante prática, onde quer que se encontre, sua mente se elevará sempre acima do ambiente e descansará em Deus. 599. Às vezes o Mestre costumava dar instruções a seus discípulos deste modo: “Antes de começar a meditar, pense durante certo tempo ‘neste’ (referindo-se a si mesmo). Sabe por que lhe digo isto? Porque tendo fé, se pensar ‘neste’, em seguida seus pensamentos se dirigirão para Deus. É como uma roupa de couro de vaca nos lembra o vaqueiro, o filho nos lembra o pai ou o advogado o palácio da justiça. A mente que está dispersa em mil objetos tornará a juntar-se, quando pensar ‘neste’. E uma vez que a mente esteja assim concentrada, se a dirigir para Deus, alcançará a verdadeira meditação”. 600. O modo mais fácil de concentrar a mente é fixá-la na chama de uma vela. A parte central da chama, que tem a cor azulada, corresponde ao corpo causal ou karana-sarira. Fixando a mente nela, logo se obterá o poder da concentração. A parte luminosa que envolve a chama azul representa o sukshma-sarira, ou corpo sutil e a parte externa da chama representa o corpo denso, ou sthula-sarira. 601. Referindo-se à época de seus sádhanas, o Mestre dizia, de vez em quando, aos seus discípulos: “Naqueles dias, antes de meditar em Deus, costumava imaginar que lavava minha mente e todas as impurezas (maus pensamentos, desejos, etc) e logo instalava nela a Deidade. Façam vocês o mesmo”. 602. Durante a meditação, você deve imaginar que prende sua mente aos “pés de loto” da Deidade com um fio de seda, para que não se distancie dali. Mas por que o fio deve ser de seda? Por que Seus pés de loto são tão delicados, que qualquer outro fio poderia lhe causar dano. 603. Durante a meditação o principiante, às vezes, cai numa espécie de sono chamado yoganidra (sono místico: esquece da própria pessoa e do ambiente). Nesses momentos, invariavelmente, tem uma espécie de visão Divina. 604. Sabe como medita um homem que tem natureza sátvica (pura)? Medita na quietude da noite, sentado em sua cama, dentro do mosteiro, para ninguém vê-lo. 605. Dilua-se no Senhor, como as drogas se diluem no álcool. 606. Quando todo o clamor da mente se apazigua, então tem lugar o estado de kumbhaka, ou suspensão do alento. O kumbhaka é obtido também por meio do bhakti yoga (caminho da devoção). O intenso amor a Deus faz com que o alento fique suspensão. 607. A meditação profunda revela a verdadeira natureza do Ideal Escolhido no qual se medita e é infundido na alma daquele que está meditando. 608. O Avadhuta (um grande yogui) viu, uma vez, o cortejo de uma boda que passava por uma pradaria, com grande pompa e com acompanhamento de tambores e trombetas. A pouca distância dali havia um caçador tão absorto em apontar para o pássaro, que nem sequer se seu conta do cortejo. Ao vê-lo, o Avadhuta o saudou, dizendo: “Senhor, é o meu guru. Que ao meditar eu possa concentrar minha mente no objeto da meditação, assim como a sua estava concentrada no pássaro”. 609. Um homem estava pescando num tanque. O Avadhuta se aproximou e lhe perguntou: “Irmão, qual é o caminho que conduz a Banaras?”. Nesse momento o pescador estava muito atento em seu caniço, porque a cortiça indicava que um peixe estava fisgando, de modo que não respondeu à pergunta. Mas quando pescou o peixe, se deu conta e disse: “Que você estava dizendo, Senhor?”. O Avadhuta o saudou e disse: “O senhor é meu guru. Quando me sentar para praticar a contemplação do Ser Supremo, que eu possa seguir seu exemplo e não atender a nenhuma outra coisa, antes que tenha terminado a meditação”. 610. Uma garça avançava lentamente para a margem de uma lagoa para pegar um peixe. Atrás dela estava um caçador apontando, mas a ave estava completamente alheia ao que acontecia. O Avadhuta saudou a garça, dizendo: “Quando eu me sentar para meditar, que possa seguir seu exemplo e nunca me virar para ver quem está atrás e mim”. 611. “Para aquele que é perfeito na meditação, a salvação está muito perto”, diz um velho adágio. Sabe quando um homem é perfeito na meditação? Quando, ao sentar-se para meditar, se sente imediatamente rodeado de uma divina atmosfera e sua alma comunga com Deus. 612. Na meditação profunda a concentração pode chegar a tal ponto, que nada se vê nem se ouve. Até as percepções e sensações desaparecem. Uma serpente pode deslizar pelo seu corpo sem que seja percebida por aquele que medita. Nem quem medita e nem a serpente sentem nada! 613. Aquele que, durante a contemplação, se torna tão inconsciente de todas as coisas exteriores que não nota nem os pássaros fazendo ninho no seu cabelo, tal pessoa alcançou, realmente, a perfeição do poder meditativo. 614. Na meditação profunda, as funções de todos os sentidos ficam detidas. O fluir da mente para o exterior se detém por completo, como se a porta de entrada de uma casa estivesse fechada. Os cinco objetos dos sentidos – luz, som, sabor, tato e odor – ficam fora, sem serem percebidos. No princípio, os objetos sensórios aparecem na mente durante a meditação, mas quando ela se aprofunda, eles absolutamente desaparecem. 615. O segredo consiste em que a união com Deus (yoga) nunca tem lugar, a menos que a mente esteja absolutamente calma, qualquer que seja o caminho que seja seguido para a realização de Deus. A mente está sempre sob o controle do yogui e não o yogui sob o controle da mente. CAPÍTULO XIII ANELO POR DEUS ENLOUQUEÇA DE DIVINO AMOR! NATUREZA DO VERDADEIRO ANELO. A ÚNICA CONDIÇÃO PARA A REALIZAÇÃO DE DEUS. Enlouqueça de divino amor! 616. Se você há de tornar-se louco, enlouqueça de amor por Deus e não pelas coisas deste mundo. 617. Há pessoas que vertem rios de lágrimas por não ter filhos. Outras, sofrem o indizível porque não conseguem riquezas. Mas quantos são os que sofrem e choram porque não viram Deus? Muito poucos, na verdade! Aquele que busca o Senhor e chora por Ele, certamente o encontrará. 618. Aquele que deseja ardentemente a Deus, não ocupa seus pensamentos com trivialidades, como comer e beber. 619. Quem está sedento não descarta a água de um rio, mesmo que esteja turva, nem começa a cavar um poço para encontrar água clara. Do mesmo modo, aquele que tem verdadeira sede espiritual não descarta a religião que tem à mão, seja o hinduísmo ou qualquer outra, nem cria para si uma nova religião. Um homem que tem sede premente não tem tempo para tais deliberações. 620. Que seu coração deseje o Senhor, como o avaro deseja o ouro. 621. Como aquele que está se afogando anseia desesperadamente por ar, assim seu coração deve anelar o Senhor, antes de encontrá-Lo. 622. Sabe que espécie de amor se requer para alcançar o Senhor? Assim como um cachorro com a cabeça ferida que corre daqui pra lá, sem ter descanso, deve-se sentir desespero por não ter encontrado o Senhor. 623. Oh! coração, faça um verdadeiro chamado à sua Mãe Todo-poderosa e verá como logo Ela virá correndo para você. Se invocar Deus com todo seu coração e alma, Ele não pode permanecer indiferente. 624. Sabe quao intenso deve ser nosso amor a Deus? O amor que uma devota esposa sente por seu marido, o apego de um avaro para com sua riqueza e o desejo com que o mundano está preso às coisas do mundo – quando seu amor pelo Senhor for tão intenso como esses três unidos, então O realizará. 625. Um dia Jesus Cristo caminhava pela beira do mar. Aproximou-se Dele um devoto e perguntou: “Senhor, como posso encontrar Deus?”. Jesus avançou no mar com o devoto e o mergulhou na água. Depois de um tempo o soltou e, levantando-o por um braço, lhe perguntou: “Como você se sentiu debaixo d’água?”. O devoto respondeu: “Senti como se meu último momento tivesse chegado. Minha condição era desesperadora”. Então Jesus disse: “Verá o Pai quando seu coração chegar a desejar Deus com a mesma intensidade com que desejou um pouco de ar, há um momento”. 1 1. Este relato não está nos Evangelhos. Sri Ramakrishna deve tê-lo ouvido de alguém chegado a Ele. 626. “Devo alcançar Deus nesta mesma vida. Sim, em três dias devo chamá-Lo. Mais ainda, ao pronunciar Seu nome uma só vez, O atrairei para mim”. Com tão violento Amor, o devoto pode atrair o Senhor e realizá-Lo rapidamente. Mas os devotos que são tépidos em seu amor, necessitam de séculos para encontrá-Lo, se é que chegam a realizá-Lo. 627. Por que essa atitude de folgazão, pensando que se a realização não é possível nessa vida, será na próxima? Não deve haver tal tepidez na devoção. A meta não pode ser alcançada até que não se fortaleça a mente e se tome a firme resolução de que se deve alcançar a realização nesta mesma vida, mais ainda, neste mesmo momento. Nas aldeias, quando os campesinos vão comprar novilhos, a primeira coisa que fazem é tocar-lhes a cauda. Alguns novilhos não reagem e até relaxam seus membros, ficam deitados no chão. E há os outros novilhos que reagem e começam a saltar, quando são tocados na cauda. Os compradores, imediatamente, se dão conta de que estes lhes serão úteis. Fazem, então, sua escolha entre estes tipos ativos. A tepidez não é desejável. Junte sua força, tenha firme fé e diga: “Devo realizar Deus neste mesmo momento”. Somente assim você terá êxito. A única condição para a realização de Deus 628. Que meios devemos adotar para nos livrar das garras de maya? Aquele que deseja realmente livrar-se de maya, Deus mesmo mostra o caminho. A única coisa necessária é ter incessante desejo. 629. Um devoto perguntou ao Mestre: “Por que meios se pode ver Deus?”. O Mestre respondeu: “Você pode chorar por Ele como todo o desejo de seu coração? Os homens choram mares pelos filhos, esposa, dinheiro, etc., mas quem chora por Deus? Enquanto o filho está entretido com suas brincadeiras, a mãe se ocupa da cozinha e outros trabalhos domésticos. Mas quando o menino não encontra mais prazer nas brincadeiras, os coloca de lado e começa a chorar chamando a mãe aos gritos. Ela não pode ficar por mais tempo na cozinha. Tira a panela do fogo e corre para onde está seu filhinho, tomando-lhe nos braços”. 630. Aquele cuja concentração e desejo são mais fortes, realiza Deus mais rapidamente. 631. Nesta idade de Koli (idade negra), três dias de intenso anelo por ver Deus são suficientes para alcançar a graça Divina. 632. “A tia lua” é a tia de todas as crianças. Assim também Deus é de todos. Todos têm o direito de invocá-Lo. Qualquer um que O invoque, recebe Sua graça e O realiza. Você também O realizará, se dirigir a Ele seu chamado. 633. Na verdade, na verdade lhe digo, aquele que sente desejo por Ele, O achará. Veja e verifique isto em sua própria vida. Prove durante três dias. Se esforce com genuíno anelo e tenha a segurança de que alcançarás seus propósitos. 634. Ore para a Divina Mãe, pedindo-Lhe que lhe dê o Amor que nunca falha e a fé diamantina que nada possa demover. 635. Em quê reside a força de um aspirante? Ele é um filho de Deus e as lágrimas são sua maior força. Como uma mãe satisfaz os desejos de um filho que chora e a importuna, assim o Senhor concede a Seu filho tudo o que lhe é pedido chorando. 636. Um homem disse ao Mestre: “Tenho agora cinqüenta e cinco anos. Há quatorze anos que estou buscando o Senhor. Segui os conselhos de meus mestres, visitei todos os lugares de peregrinação e vi muitos santos, mas nada ganhei com isto”. Ouvindo isto, o Mestre disse: “Na verdade, na verdade lhe digo. Quem tem profundo desejo por Ele, O encontrará. Se fixe em mim e recupere seu ânimo”. 637. Um menino disse à sua mãe: “Mãezinha querida, me desperte quando tiver que tomar banho”. A mãe responde: “Querido, sua necessidade o despertará”. 638. Como uma criança implora à sua mãe, com insistência, pedindo-lhe brinquedos ou doces e não deixa de importuná-la até conseguir seu propósito, aquele que sabe que Deus é o mais íntimo e querido e chora, em seu interior, com a ânsia de vê-Lo, como uma inocente criança, no fim será recompensada com a visão Divina. Deus não pode permanecer por muito tempo escondido de um buscador tão ardente e importuno. 639. Na yatra (drama religioso popular), que trata da vida de Krishna, o drama começa com o bater de tambores e um coro que diz: “Oh Krishna, vem! Vem, querido!”. Mas as pessoas que fazem o papel de Krishna não prestam atenção e seguem falando e fumando prazerosamente pela praça que está atrás do cenário. Mas quando cessa o rebuliço, ouve-se uma suave e doce música. Então entra o piedoso sábio Narada e como coração repleto de amor, implora a Krishna que apareça. Krishna não pode ficar por mais tempo indiferente e se apressa a entrar em cena. Do mesmo modo, enquanto um aspirante espiritual invoca o Senhor somente da boca para fora, dizendo: “Vem, oh Senhor!”, o Senhor não aparece. Quando o Senhor vem, o coração do devoto se derrete em divina emoção e suas invocações em voz alta cessam para sempre. O Senhor não pode demorar a vir, quando Seu devoto O chama do mais profundo do seu coração, transbordante de intenso Amor. LIVRO III O HOMEM E O DIVINO CAPÍTULO XIV O SENHOR E SEUS DEVOTOS POR QUE NÃO VEMOS O SENHOR? O SENHOR E SEUS DEVOTOS. A POSIÇÃO DO DEVOTO NO MUNDO. COMO SE REVELA O DIVINO. PARA O SENHOR AS RIQUEZAS NÃO IMPORTAM. A GRAÇA DIVINA E O ESFORÇO PESSOAL. Por que não vemos o Senhor? 640. O sol é muitas vezes maior do que a Terra, mas à distância, parece um pequeno disco. Assim também o Senhor é infinitamente grande, mas estando demasiado longe dEle, nós somos incapazes de compreender Sua verdadeira grandeza. 641. Os peixes que brincam num tanque, cuja superfície esteja coberta de musgos e espuma, não são visíveis de fora. Do mesmo modo Deus brinca sem ser visto no coração do homem, pois o véu de maya O esconde do olho humano. 642. Por que não vemos a Divina Mãe? Ela é como uma dessas senhoras de alta linhagem, que atende seus assuntos por detrás de uma cortina ou biombo rendado, vendo tudo, mas sem ser vista por ninguém. Somente Seus filhos devotos podem vê-La, indo onde Ela está, atrás da cortina de maya. 643. Um policial pode ver, com sua lanterna, tudo o que a luz enfoca, mas ninguém pode vê-lo, a menos que ele volte a luz para si mesmo. De igual modo Deus pode ver a todos, mas ninguém pode vê-Lo até que não se revele por Sua própria graça. O Senhor e seus devotos 644. Um proprietário de terras pode ser muito rico, contudo, quando um pobre arrendatário lhe leva, de todo coração, um humilde presente, ele o aceita com grande prazer. Assim também é o Senhor Todo-poderoso, não obstante Sua grandeza e poder aceita, com o maior prazer e satisfação, as humildes oferendas de um coração sincero. 645. Ficarei contente se realizar Deus. Que importa se não sei sânscrito? Ele concede por igual Sua misericórdia a todos os Seus filhos que desejam conhecê-Lo, sejam eles eruditos ou ignorantes. Suponha que um pai tenha cinco filhos. Alguns deles o chamam de “Papai”. Outros, talvez só possam dizer “Ba” ou “Pa”, não sabendo pronunciar a palavra inteira. Mas amará menos o pai, estes últimos? Ele sabe que são muito pequenos e não podem chamá-lo corretamente. O pai ama a todos por igual. 646. É próprio de uma criança sujar-se com barro e lixo, mas a mãe não o deixa andar sempre sujo. De vez em quando o lava. Assim também é da natureza do homem cometer pecados. Mas se é certo que ele peque, é duplamente certo que o Senhor crie os meios para sua redenção. 647. Assim como se pode fritar o peixe, prepará-lo ensopado ou guisado e cada um pode comê-lo da forma que mais lhe agradar, assim o Senhor do Universo, mesmo sendo um, se manifesta de diferentes modos, de acordo com o gosto de Seus adoradores e cada um vê Deus do ponto de vista que mais lhe agradar. Para alguns, Ele é um bondoso mestre, ou um amoroso pai. Para outros é como uma doce mãe ou um devoto amigo, ou também pode manifestar-se como um fiel marido, ou um filho obediente e cumpridor. 648. Ao se jogar na água uma isca doce e saborosa, os peixes se sentem atraídos e se aproximam rapidamente de todas as direções. Do mesmo modo, o Senhor se aproxima rapidamente do devoto, cujo coração está cheio da isca de devoção e da fé. 649. Os divinos sábios formam, por assim dizer, o círculo íntimo de Deus. Eles são como amigos, companheiros e parentes de Deus. Os homens comuns formam o círculo externo e são simplesmente criaturas de Deus. 650. A luz do sol é uma e a mesma em todas as partes, mas somente numa superfície clara como a água, em um espelho ou metais polidos, pode ser plenamente refletida. Assim acontece com a Luz Divina. Ela incide imparcialmente sobre todos os corações, mas somente os puros e devotos corações dos bondosos e santos sadhus recebem e refletem bem essa luz. 651. A natureza da lâmpada é dar a luz. Com sua ajuda, alguns podem cozinhar, outros falsificar documentos e outros, por outro lado, podem ler as sagradas escrituras. Assim, com a ajuda do “nome” do Senhor, alguns podem obter a salvação, enquanto que outros pretendem realizar seus maus propósitos. Seu “santo nome”, contudo, permanece sempre puro e imaculado. 652. Bhagavan (o Senhor), bhagavata (Sua palavra ou escritura) e bhakta (devoto) são uma só e mesma coisa. 653. Que relação tem um verdadeiro devoto com Deus? Ele O considera como o mais íntimo e querido parente, da mesma forma que as gopis (pastoras) de Briandavan viam em Krishna não a Yagannath (Senhor do universo), mas seu bem-amado Gopinatha (Senhor das gopis). 654. Por que o amante de Deus acha tão extático deleite em chamar a Deidade de Mãe? Porque um filho se sente mais à vontade com sua mãe do que com qualquer outra pessoa e, por conseqüência, é a ela que quer e mais ninguém. 655. Um paciente com febre alta, que tem excessiva sede, imagina que pode beber todo um mar de água. Mas quando a febre baixa e ele recobra a temperatura normal, pode beber somente um copo de água, que é o suficiente para aplacar sua sede. Do mesmo modo o homem, estando sob a febril excitação de maya ou esquecendo sua própria pequenez, imagina que pode receber em seu coração toda a Infinitude de Deus, mas quando passa a ilusão, um simples raio da luz Divina é suficiente para inundá-lo de eterna bem-aventurança. 656. Algumas pessoas ficam ébrias com somente um copo de vinho, enquanto que outras necessitam de duas ou três garrafas para embriagar-se. Mas ambos sentem igualmente o prazer da embriaguez. De igual modo, há devotos que se enchem de gozo extático com um só raio da Divina glória, enquanto que outros, para embriagar-se de Divina felicidade, precisam chegar à presença do Senhor. Mas ambos são igualmente afortunados, já que ficam submersos na felicidade de Deus. 657. Deus é como uma montanha de açúcar. Uma formiga pequena tira um pequeno grão de açúcar e uma formiga grande tira um grão maior. Mas apesar disso, a montanha fica praticamente tão grande como antes. O mesmo ocorre com Deus e Seus devotos. Eles caem em êxtase com um simples raio da Divina glória. Ninguém pode conter, em si mesmo, a realização de todas as glórias e maravilhas de Deus. 658. A brisa que vem do oceano de Brahman afeta todo o coração sobra o qual sopra. Os antigos sábios Sanaka, Sanatana e outros, desfrutaram dessa brisa. Narada, que vivia embriagado de Deus teve, sem dúvida, um vislumbre do oceano Divino e desde então, esquecendo-se de si mesmo, vagou pelo mundo como um louco, cantando sempre louvores ao senhor Hari. Sukadeva, asceta desde seu nascimento, somente tocou três vezes com a mão a água desse oceano, vivendo em seguida como uma criança na plenitude do êxtase. E o grande mestre do universo, Mahadeva (Shiva), bebeu três sorvos da mesma água e desde então jaz imóvel como um cadáver, embriagado de Divina felicidade. Quem pode sondar ou medir o poder misterioso deste oceano? 659. O Mestre disse a Keshab Chandra Sem: “Por que os membros do Brahmo Samaja louvam tanto as obras de Deus, dizendo: ‘Oh Senhor, você fez o sol, a lua e as estrelas’? São muitos os que ficam encantados com as belezas do jardim, as formosas flores e seus deliciosos perfumes. Mas muito poucos buscam o Senhor do jardim! Qual dos dois é maior, o jardim ou seu Senhor? Certamente o jardim é irreal, enquanto a morte ronda furtivamente entre nós, a única realidade é o Senhor do jardim”. “Quando um homem bebe alguns copos da amostra da taberna, que interesse pode ter em verificar qual é o conteúdo dos barris? Uma só garrafa serve”. “Quando veio Narendra, ficou embriagado de gozo. Nunca perguntou ‘quem é seu pai?’ ou ‘quantas casa você tem?’”. “Os homens valorizam suas posses, valorizam o dinheiro, as casas, os móveis. Daí que pensam que o Senhor considerará Suas próprias obras – o sol, a lua, as estrelas – justamente como eles fazem! Os homens pensam que Deus se alegrará, se eles falarem com admiração de Suas obras”. 660. Que doce é a simplicidade do menino! Prefere uma brincadeira a toda prosperidade e riqueza do mundo. Assim é o fiel devoto. Somente ele pode desprezar toda a opulência e riqueza e viver unicamente para Deus. 661. O homem verdadeiramente espiritual destina três quartas partes de sua mente a Deus; somente fica a quarta parte restante em contato com o mundo. Está mais alerta das coisas divinas, parecido com a serpente, que se enfurece quando pisam em sua cauda, como se sua sensibilidade estivesse prioritariamente colocada nessa parte do corpo. 662. Referindo-se ao Mestre, um conhecido pregador Brahmo, disse certa vez que o Paramahamsa era um louco e que sua demasiada concentração sobre um só e mesmo tema tinha desequilibrado sua mente, como tinha acontecido com muitos pensadores europeus. Algum tempo depois, o Mestre disse a esse pregador: “Você diz que também na Europa há pensadores que enlouqueceram por pensar continuamente em um só tema. Mas qual foi o objeto de seu pensamento, a matéria ou o espírito? Não há nada de raro em que um homem se torne louco pensando continuamente na matéria. Mas como pode perder sua inteligência pensando nessa Inteligência, cuja luz ilumina o universo inteiro? É isto o que suas escrituras ensinam?”. 663. Mergulhe profundamente no oceano do amor Divino. Não tema. É o mar da Imortalidade. Uma vez disse a Narendra: “Deus é como um mar de doçura. Não quer submergir nesse mar? Suponha que haja uma vasilha cheia de açúcar em calda e que você é uma mosca. Como se arranjaria para beber a calda?”. Narendra me disse que o faria da borda da vasilha, por temer cair e afogar-se. Então, respondi: “Lembre, filho meu, que se você cair no oceano Divino, não terá porque temer nenhum perigo ou morte. Lembre que o oceano de Satchidananda é o oceano da Imortalidade e suas águas dão vida eterna. Não tema, como as pessoas insensatas, que possa ‘exceder-se’ no seu amor a Deus”. A posição do devoto no mundo 664. Devaki (a mãe de Krishna), estando na prisão, foi abençoada com a visão da divina forma de Krishna. Contudo, isso não a livrou de sua prisão. 665. Certa vez, um cego banhou-se nas sagradas águas do rio Gangá e com este banho seus pecados foram expiados. Mas a cegueira física não lhe foi tirada. 666. Certa vez um lenhador devoto foi abençoado com a visão da Divina Mãe e se converteu em um receptáculo de Sua graça, mas seu trabalho como lenhador não parou. O pobre homem teve que continuar a ganhar seu escasso sustento com o rude trabalho de lenhador. 667. Quando Bhisma (tio-avô) de Arjuna jazia moribundo em seu leito, crivado de flechas, foi visto vertendo lágrimas. Perto dele estavam Sri Krishna e os Pandavas. Arjura exclamou: “Que estranho, irmão! Nosso tio-avô Bhisma, tão veraz e sábio, dono de si mesmo e um dos oito Vasus (que dirigem o universo temporal), está vencido por maya na hora de sua morte e verte lágrimas!”. Quando ouviu isso, Bhisma disse: “Oh Krishna! Você bem sabe que não é essa a causa de minhas lágrimas. Mas quando penso que até os Pandavas, a quem o Senhor mesmo serve como amigo, têm de passar por incessantes sofrimentos e tribulações, me sinto entristecido ao ver que os desígnios de Deus não podem ser minimamente compreendidos e não posso conter as lágrimas”. Como se revela o divino 668. Há um cômodo escuro onde entram alguns raios de luz através de uma pequena fenda. Agora, a idéia de luz que terá um homem que se encontra dentro do quarto, será proporcionada pelos raios que entram. Se há um maior número de fendas nas portas e janelas, o homem verá mais luz e se abrir as portas e janelas, verá mais luz ainda. Mas aquele que está em campo aberto é quem recebe a luz em toda sua plenitude. Do mesmo modo Senhor se revela a Seus devotos, de acordo com a capacidade e natureza de suas mentes. 669. Á medida em que alguém vai se aproximando do Ser Universal, novas e maiores são as revelações de Sua infinita natureza que, no final, se submerge nEle pela consumação do conhecimento. Para o Senhor as riquezas não importam 670. Importa ao Senhor toda a riqueza que alguém possa Lhe oferecer? Oh, não! Sua graça ilumina somente aquele que Lhe oferece amor e devoção. O que Ele aprecia é somente amor e devoção, discernimento e renúncia para alcançar Seu amor. 671. Sambhu Mal-lick me disse uma vez: “Bendiga-me para que, ao morrer, possa deixar todas as minhas riquezas aos sagrados pés da Divina Mãe”. Eu lhe respondi: “Que diz? É riqueza para você, mas para a Divina Mãe não vale mais do que o pó que você pisa!”. 672. Certa vez houve um roubo no templo de Rani (princesa) Rasmani, em Dakshineswar. Foram tiradas as jóias que adornavam as imagens do altar de Vishnú. Mathur (administrador do templo e genro da Rani) e o Mestre, foram ver o que tinha acontecido. Mathur exclamou, com desgosto: “Oh Senhor! Você é um incapaz! Lhe roubaram todas as jóias e Você não pode impedir!”. Em seguida o Mestre falou, de modo cortante: “Que insensatez falar dessa maneira! As jóias de que você fala são somente pedaços de argila, para o Senhor do universo, que você adora nessa imagem! Lembre que é dEle de quem a deusa Lakshmi, a Deusa da Fortuna, recebe todo o esplendor que Ela possui!”. 673. Não podemos dizer que Deus nos concede Sua graça porque nos dá o alimento, já que todo pai dá de comer a seus filhos. Mas quando Ele nos ajuda a seguir o caminho reto e nos protege para que não caiamos nas tentações, é quando verdadeiramente nos prodigaliza Sua graça. 674. Pergunta: Por meio de qual espécie de trabalho podemos alcançar Deus? Resposta: Não há diferença alguma entre um ou outro trabalho. Não pense que certo trabalho lhe conduzirá a Deus e outro não. Tudo depende de Sua graça. Para obter Sua graça, qualquer que seja o trabalho que faça, cumpra-o com sinceridade, mantendo um fervente desejo por Deus. Por Sua graça, o ambiente se tornará favorável e as condições, para a realização, serão perfeitas. Se você tem o desejo de renunciar ao mundo e sua família, depende de você. Talvez seu irmão assuma toda a responsabilidade em seu lugar. Talvez sua esposa não seja um obstáculo em sua vida espiritual e o ajude, ou talvez você não se case e fique absolutamente desligado do mundo. 675. Embora um lugar tenha permanecido às escuras durante séculos, a escuridão desaparecerá imediatamente ao acendermos a luz. Os pecados acumulados durante inumeráveis vidas se desvanecem, ante um simples olhar de Deus. 676. Há peixes que têm vários grupos de espinhas e outros que têm um só. Os que comem peixes, contudo, os tiram todos, sejam poucos ou muitos. Do mesmo modo, há homens que têm muitos pecados e outros que têm poucos, mas a seu devido tempo, a salvadora graça de Deus purifica a todos por igual. 677. Diz-se que quando sopra a brisa de Malaya, todas as árvores, cujas flores têm estames, se convertem em sândalo, enquanto que o bambu, o plátano e outras árvores que carecem deles, não sofrem nenhuma mudança. Do mesmo modo, quando a graça Divina desce sobre os homens, aqueles que têm em si germens de bondade e espiritualidade, se convertem em santos e são culminados de Divindade, enquanto que os homens comuns não sofrem nenhuma mudança. 678. Certo homem religioso tinha o costume de passar constantemente seu rosário e repetir em silêncio o “nome” Divino. O Mestre lhe disse: “Por que você fica sempre no mesmo lugar? Prossiga adiante”. O homem respondeu: “Isso não é possível sem a graça de Deus”. Então o Mestre acrescentou: “A brisa de Sua graça sopra dia e noite sobre sua cabeça. Desfralde as velas de seu barco (mente), se quiser cruzar rapidamente o oceano da vida”. 679. O vento da graça de Deus está incessantemente soprando. Os navegantes preguiçosos deste mar da vida, não o aproveitam. Em troca os ativos e fortes mantêm as velas de suas mentes sempre desfraldadas, para receberem o impulso da brisa salvadora e, assim, chegam depressa ao destino. 680. Pergunta: Algo chega de repente? Resposta: Em regra geral é necessário passar por uma longa preparação para alcançar a perfeição. Dwarka Nath Mitra não chegou a ser juiz da Suprema Corte em um só dia. Antes teve que estudar intensamente e passar muitos anos de árduo trabalho. Aqueles que não estão dispostos a trabalhar e sofrer incômodos, ficarão como insignificantes buscadores. Contudo, pela graça de Deus há casos de exaltação repentina, como aconteceu com Kalidasa, que sendo um rústico ignorante, pela graça da Mãe Saraswati (Deusa da sabedoria), se converteu rapidamente no maior poeta da Índia. 681. Um devoto chefe de família: “Ouvimos dizer que você viu Deus. Faça com que nós também O vejamos. Como poderemos chegar a conhecer o Senhor?”. O Mestre: “Tudo depende da vontade e Deus. É necessário trabalhar para alcançar Sua visão. Somente ao sentar-se à margem de um lago e dizer: ‘Há peixes neste lago’, você conseguirá algum pescado? Busque primeiro as coisas necessárias para pescar: uma vara, linha e um anzol; coloque a isca e atire-o na água. Verá como os peixes sobem das profundezas da água até a superfície e poderá pescar. Você quer que eu lhe mostre Deus, enquanto permanece tranqüilamente sentado, sem fazer o mínimo esforço! Você quer que eu bata o leite, prepare a manteiga e ponha na sua boca! Quer que eu tire o peixe da água e o ponha em suas mãos! Quão irracional é o seu pedido!”. 682. Um pássaro, que estava no topo do mastro de um navio, em meio ao oceano, se cansou de ficar pousado ali e começou a voar em diferentes direções buscando um novo lugar de descanso, mas não encontrando nenhum voltou, por fim, cansado e exausto, ao velho mastro. Do mesmo modo há aspirantes que, achando monótonas as disciplinas espirituais disseminadas por um guru carinhoso e pleno de experiências, perdem toda a esperança e, não tendo mais confiança nele, voltam ao mundo com a convicção de que alcançarão Deus por seu próprio esforço. Mas depois de infrutífera busca, voltam ao velho mestre, implorando sua graça e bênção. 683. Quando não há brisa, nos abanamos para nos aliviarmos do calor; mas quando começa a soprar, dando alívio por igual a todos os homens, ricos e pobres, deixamos de nos abanar. Enquanto não recebermos ajuda do Altíssimo devemos perseverar para alcançar a meta final. Mas quando, afortunadamente, essa ajuda chega, pode-se deixar o labor e a perseverança, nunca antes. 684. Os abanos não são úteis quando sopra a brisa fresca. As orações e austeridades podem ser abandonadas, quando desce a graça de Deus. 685. “Quando tiver recebido a graça de Deus, do guru e de um verdadeiro devoto, o jiva (ser individual) vai para sua destruição, se lhe faltar a graça de sua própria mente”. Pode-se ter a boa sorte de receber as três graças mencionadas, mas se o seu próprio coração não mostrar sua graça – se não deseja salvar-se – tudo se torna vão. 686. Por mais que você se esforce, nada poderá alcançar sem Sua graça! Sem essa graça, Deus não pode ser realizado. Mas a graça não desce tão facilmente. Você deve tirar por completo o ego do seu coração. Se tiver o sentimento egoísta do “Eu sou o fazedor”, nunca verá Deus. Se há alguém na despensa e você pede algo para comer ao dono da casa, ele lhe dirá: “Há alguém na despensa. Vá e peça-lhe o que quiser. Não é necessário que eu vá até lá”. Deus nunca aparece no coração de quem pensa que seu pequeno eu é o fazedor. 687. Deus se revela por Sua própria graça. Ele é o sol do Conhecimento. Um raio Seu esparge o poder de compreensão neste mundo. Por Ele temos o poder de conhecer uns aos outros e adquirir várias formas de conhecimento. Unicamente podemos ver Deus, se Ele dirigir Sua luz para Seu próprio rosto. CAPÍTULO XV O QUE NOS AJUDA NO CAMINHO ESPIRITUAL I. O GURU. QUE SE ENTENDE POR GURU. O GURU É NECESÁRIO. RELAÇÃO ENTRE GURU E DISCIPULO. II. A ENCARNAÇÃO DIVINA: QUE É UMA ENCARNAÇÃO DIVINA? DIFICULDADE DE RECONHECER AS ENCARNAÇÕES DIVINAS. A ENCARNAÇÃO DIVINA COMO REVELAÇÃO DE DEUS E SUA DIFERENÇA COM O HOMEM PERFEITO COMUM. I. O GURU Que se entende por guru 688. Quem é o guru de quem? (guru: guia e mestre espiritual). Deus é somente guia e guru do universo. 689. Que proveito pode tirar de sua devoção e práticas espirituais, aquele que considera seu guru como um simples mortal? Não devemos considerar nosso guru como um simples homem. Antes de ver a Deidade, o discípulo vê seu guru em sua primeira visão de iluminação Divina e é o guru que depois lhe mostra a Deidade, transformando-se ele mesmo, misteriosamente, na forma da Deidade. Logo o discípulo vê seu guru e a Deidade como uma só e mesma coisa. Qualquer que seja a graça pedida pelo discípulo, o deificado guru a concede. Sim, o guru pode levar o discípulo até a suprema felicidade do Nirvana (estado em que a individualidade se dilui em Deus). Ou, se assim desejar, o discípulo pode permanecer em um estado de consciência dualista, mantendo com Deus a relação do adorador e do adorado. Tudo o que ele pede, seu guru lhe concede. 690. O guru humano nos sopra ao ouvido a fórmula sagrada (mantran). O Guru Divino insufla o Espírito na alma. 691. O guru é um mediador. Ele arranja a união do homem com Deus, o mesmo que o casamento une dois jovens que desejam se casar. 692. O guru é como o majestoso rio Gangá. As pessoas tiram toda a espécie de sujeira e desperdícios no Gangá, mas isso não diminui a santidade do rio. Assim também o guru está acima de todo insulto mesquinho e da censura. 693. Há três classes de mestres religiosos, assim como há três classes de médicos. Há médicos que quando são chamados, olham o paciente, tomam seu pulso, prescrevem os medicamentos necessários e pedem que sejam ingeridos. Se o paciente decidir ingeri-los, vão embora sem se preocupar mais com o assunto. Do mesmo modo há mestres religiosos que não se preocupam se seus discípulos apreciam ou não seus ensinamentos e se os colocam ou não em prática. Os médicos do segundo tipo não só pedem ao paciente que tome o remédio, mas também o censura amigavelmente, no caso de mostrar pouca resistência a ingeri-lo. Pode-se dizer que pertencem à classe seguinte, os mestres religiosos que não deixam pedra sobre pedra, para que as pessoas marchem pela senda da retidão, da devoção e da verdade, usando toda espécie de persuasão. A terceira e mais alta classe de médicos usa a força com o paciente, se suas recomendações não surtirem efeito. Chegam ao extremo de pôr seus joelhos sobre o peito do enfermo, para obrigá-lo a tomar o medicamento. Do mesmo modo, há alguns mestres religiosos que, se necessário, usam a força com seus discípulos, para que eles trilhem o caminho do Senhor. Tais mestres pertencem à categoria mais elevada. O Guru é necessário 694. Que necessidade há de chamar de guru a um homem determinado e não designar, com esse nome, toda a pessoa que nos ensina alguma coisa? Quando nos dirigimos a um país desconhecido, devemos nos ater às indicações de um guia que nos conduza pelo caminho. Se seguirmos os conselhos de muitas pessoas, poderíamos cair na maior confusão. Assim mesmo, ao pretender alcançar Deus, deve-se seguir, sem reservas, o conselho de um só guru que conheça o caminho que leva a Deus. 695. No jogo de xadrez, o espectador pode ver qual é o movimento correto, melhor até que os próprios jogadores. Os homens mundanos se acreditam muito destros, contudo, estão presos às coisas deste mundo: dinheiro, honras, prazeres sensórios, etc. Estando muito absortos no jogo, é muito difícil acertarem os movimentos corretos. Os santos que renunciaram ao mundo não têm apego aos objetos mundanos. São como os observadores em uma partida de xadrez. Vêem as coisas em sua verdadeira luz e podem julgar melhor os homens mundanos. Assim, se alguém deseja viver uma vida santa, deve pôr fé nas palavras daqueles que meditam exclusivamente em Deus e O viram. Se você busca um conselho legal, acaso não consultaria um advogado, que é quem conhece as leis? Seguramente não buscaria o conselho de um homem da rua. 696. Se é grande seu desejo de conhecer os mistérios de Deus, Ele o enviará o sadguru, o verdadeiro mestre. Você não terá necessidade de se preocupar em buscar um guru. 697. Aquele que é capaz de aproximar-se de Deus com sinceridade, fervente oração e intenso desejo, não tem necessidade de um guru. Mas uma aspiração tão profunda da alma é muito rara; daí a necessidade de um guru. O guru é um só, mas os upagurus (mestres subsidiados) podem ser muitos. É um upaguru aquele de quem se aprende qualquer coisa. O grande Avadutha (asceta de ordem elevada) teve vinte e quatro upagurues. Relação entre Guru e discípulo 698. A ostra da fábula, deixa seu leito no fundo do mar e sobe à superfície para receber água da chuva, quando a estrela Svati está subindo. Flutua na superfície do mar, com suas valvas abertas de par em par, até que consegue uma gota da maravilhosa chuva de Svati. Em seguida mergulha, voltando ao seu profundo leito e ali fica até transformar a gota de chuva em uma formosa pérola. Do mesmo modo, há aspirantes ansiosos que vão de um a outro lugar, buscando um santo e perfeito preceptor (sadguru), de quem possam receber o mantram, a palavra salvadora que abre as portas da eterna bem-aventurança. E se entre eles há alguém que, em sua diligente busca, tem a sorte de encontrar o guru e receber o tão ansiado mantram, cujo poder rompe todas as ligações, então se afasta da sociedade, entra no profundo refúgio de seu próprio coração e ali fica até alcançar a paz eterna. 699. Não tema se um mestre tal (isto é, um guru iluminado espiritualmente) não parece instruído e bem versado nas escrituras e outros livros. A um Mestre iluminado nunca faltará a sabedoria da vida. Ele recebe incessantemente o inesgotável fluir do manancial da sabedoria Divina – de verdades indiretamente reveladas e superiores a todos os conhecimentos contidos nos livros. 700. A um homem que estava discutindo sobre o caráter de seu guru, o Mestre disse: “Por que gasta mal seu tempo com fúteis discussões? Pegue a pérola e tire-a da concha. Medite no mantram que lhe foi dado pelo guru e não leve em consideração as fraquezas humanas do mestre”. 701. Não escute ninguém que censure seu guru. Ele é maior que seu pai ou sua mãe. Você poderia permanecer indiferente se seu pai e sua mãe fossem insultados na sua presença? Trabalhe, se for necessário e mantenha a honra de seu guru. 702. O discípulo não deve criticar nunca seu guru. Deve obedecer sem reserva tudo o que o guru lhe diga. Há um verso, em bengali, que diz: “Embora meu guru visite a taberna é sempre o santo Rai Nityananda (companheiro de Chaitanya, a Encarnação Divina) e embora meu guru possa ir aos lugares freqüentados por bêbados e pecadores, para mim ele é sempre meu irrepreensível e puro guru”. 703. Quando a devoção é genuína, até as coisas mais comuns fazem o devoto lembrar de Deus e mergulhar nEle. Você não ouviu como Chaitanya entrou em samadhi só ao escutar: “Esta é a terra onde se fazem os tambores?”. Aconteceu isto, certa vez quando, passando por uma aldeia, Sri Chaitanya se inteirou de que os habitantes do lugar ganhavam a vida fazendo tambores. Então Ele pensou que os ditos tambores eram usados nas congregações religiosas e a música, por sua vez, era louvor a Deus, que é a Alma de nossas almas e a Beleza de todas as belezas. Assim, muitas idéias surgiram como relâmpagos e Sua mente voou imediatamente para Deus. Do mesmo modo, quando alguém tem verdadeira devoção para com o guru, seguramente recordará dele ao ver seus parentes. Não somente isso. Só ao encontrar pessoas da mesma aldeia do seu guru, seus pensamentos voam para seu mestre. Prosterna-se ante eles, toca o pó de seus pés, lhes oferece deliciosas comidas e lhes presta toda espécie de serviços. Quando o discípulo chega a este estado é incapaz de ver defeito algum em seu guru. É então quando pode dizer: “Embora meu guru freqüente lojas de bebidas, ele é o mesmo que o Senhor e a Felicidade Eterna”. De outro modo, um ser humano não é senão uma mistura de virtudes e vícios. Mas o discípulo, por sua devoção, não vê mais o homem como homem, mas como Deus mesmo, assim como o que sofre de icterícia vê todas as coisas amarelas. Sua devoção lhe revela, então, que Deus é tudo, é Ele que se converteu no mestre, pai, mãe, homem e animal e cada objeto animado e inanimado. II. A ENCARNAÇÃO DIVINA Que é uma encarnação divina? 704. Um Avatara (Encarnação Divina) é um mensageiro humano de Deus. É como o vice-rei de um poderoso monarca. Assim como quando há distúrbios em alguma província distante, o soberano envia o vice-rei para acabar com eles, assim quando a religião declina em alguma parte do mundo, Deus envia Seu Avatara para preservar a virtude e estimular seu crescimento. 705. Não pense que Rama e Sita, Krishna e Radha são simples alegorias e não personagens históricos, ou que as escrituras são certas somente no sentido mais profundo e esotérico. Não, eles foram seres humanos de carne e osso, do mesmo modo que você, mas como foram encarnações da Divindade, suas vidas foram interpretadas de ambos os modos, histórico e alegoricamente. Os Avataras são, com respeito a Brahman, o mesmo que as ondas com relação ao oceano. 706. O Avatara é sempre um e o mesmo. Tendo mergulhado no oceano da vida, o Deus Único surge em um ponto e é conhecido como Krishna e quando, depois de outra imersão aparece em outro ponto, Ele é conhecido como Cristo. 707. Da árvore de Satchidananda (Existência-Conhecimento-Felicidade Absoluta) pendem inumeráveis ramos de Ramas, Krishnas, Budas, Cristos, etc. Destes, um ou dois, de tempo em tempo, descem ao mundo e produzem enormes mudanças e revoluções. 708. Os Avataras nascem com poderes Divinos e qualidades Divinas. Eles podem entrar e ficar em qualquer estado de realização, do mais alto ao mais baixo. Em um palácio real, um estranho só pode visitar lugares permitidos, mas o filho do rei é livre para ir a todos os cantos do palácio. 709. O ego que as Encarnações possuem é transparente. Através desse ego, Deus é sempre visível. Tomemos o exemplo de um homem que se encontra diante de uma parede que separa imensas extensões de terra. Se há uma abertura na parede, é possível ver as pradarias que existem por detrás dela e se a abertura for suficientemente grande, pode passar através dela. O ego das Encarnações pode ser comparado a essa parede com a abertura. Mesmo quando estão deste lado da parede, as Encarnações podem ver as imensas pradarias que existem do outro lado. Isso significa que, não obstante ter tomado o corpo humano, estão sempre em um estado de yoga (comunhão com Deus) e podem, se o desejarem, entrar em samadhi no outro lado da abertura. Além do mais, se esta é suficientemente grande, podem passar através dela, ou seja, podem descer a um plano inferior de consciência, mesmo depois do samadhi. Dificuldade de reconhecer as encarnações divinas 710. É difícil compreender a Encarnação Divina. É o jogo do Infinito no finito. 711. Quando Bhagavan Ramachandra veio a este mundo, somente doze sábios reconheceram que Ele era uma Encarnação de Deus. Assim, quando Deus se encarna neste mundo, somente uns poucos reconhecem Sua natureza Divina. 712. Qual é a razão pela qual um profeta não seja honrado por seus próprios parentes? Os parentes de um jogral não se amontoam ao seu redor para ver suas representações. Em troca, os estranhos ficam com a boca aberta ao ver seus maravilhosos jogos de prestidigitação. 713. As sementes da planta de vayrabantula (eufórbio) não caem ao pé da árvore. O vento as leva a lugares longínquos e ali se enraízam. De igual modo o espírito de um profeta se manifesta e é apreciado longe do seu lugar natal. 714. Há sempre uma sombra debaixo da lâmpada, embora sua luz ilumine os objetos que estão ao seu redor. As pessoas que vivem muito perto de um profeta, não o compreendem. Mas os que estão longe ficam embevecidos com seu esplendor espiritual e extraordinário poder. 715. Assim como os elefantes têm duas fileiras de dentes, as presas externas e os dentes internos, assim os Homens Divinos, como Sri Krishna, têm uma manifestação externa e se comportam como os homens comuns à vista dos demais, enquanto suas almas descansam na paz transcendental, mais além da esfera do karma. A Encarnação Divina como revelação de Deus e sua diferença com o homem perfeito comum 716. Deus é realmente infinito. Mas Ele é onipotente. Por isso pode dispor que Sua divindade, como amor, se manifeste na carne e viva entre nós como Deus encarnado. De Deus encarnado, o amor flui para nós. A Encarnação Divina é um fato. Mas não é possível explicar perfeitamente com palavras. É um fato que deve ser visto e realizado por meio do olho espiritual. Para ficar convencido disto é preciso ver Deus. Mediante analogias, o que pode ser alcançado é somente uma pálida idéia do assunto. Suponha que você toca os chifres, as pernas, a cauda ou o úbere de uma vaca. Não é o mesmo que tocar a vaca inteira? Para nós, seres humanos, o mais importante da vaca é o leite, o qual vem de seu úbere. Bem, é de Deus Encarnado que o leite do amor Divino flui para nós. 717. Quem pode conhecer Deus plenamente? Não está em nosso poder, nem ninguém nos exige que O conheçamos plenamente. É suficiente se pudermos vê-Lo e sentir que Ele é nossa única realidade. Suponha que uma pessoa vá ao sagrado rio Gangá e toque sua água. Ela dirá: “Fui abençoado com a visão e o toque do sagrado rio, de Gomukhi a Gangasagar, da sua origem até seu estuário!”. 718. Está em busca de Deus? Então O busque no homem. A Divindade se manifesta mais entre os homens, do que em qualquer outro objeto. Busque um homem, cujo coração transborde de amor por Deus, um homem que viva, se mova e tenha seu ser em Deus. Em um homem assim, embriagado de amor Divino, Deus manifesta a Si Mesmo. 719. Deus é o Absoluto e também é Sua a Lila (existência relativa concebida como um jogo da Divindade). Esta Lila é de quatro classes – Isvara Lila, Deva Lila, Yagat Lila e Nara Lila 1. Na Nara Lila, sua encarnação se torna possível. Sabe qual é a natureza desta Nara Lila? Poderíamos dizer que é como a água de um vasto terraço fluindo torrencialmente por sobre um amplo canal. É o poder do Absoluto, o Satchidananda que se manifesta e corre, por assim dizer, através de um canal. Nem todos podem reconhecer os Avataras. Somente sete Rishis, entre eles Bharadwaya, puderam reconhecer Sri Rama como Avatara. Ele tomou a forma humana para ensinar aos homens o gñana e bhakti verdadeiros. 1. Deus se manifesta em quatro aspectos distintos. Um aspecto Seu é Isvara, o Supremo Senhor do Universo. Os Devas, outro aspecto Seu, são os agentes sobre-humanos, que mantêm as funções do universo sob controle do Senhor. O terceiro aspecto de Sua manifestação é o universo e o quarto aspecto, o homem. 720. Um Siddha (homem comum que alcançou a perfeição) é como um arqueólogo que, removendo terra e escombros, destapa um velho poço abandonado. O Avatara é como um grande engenheiro que cava um novo poço, mesmo no lugar onde antes não havia água. Enquanto o primeiro pode salvar somente aqueles homens que têm a seu alcance as águas da salvação, o Avatara salva também aqueles cujo coração está vazio de amor e é seco como um deserto. 721. Quando a maré sobre, faz transbordar por igual os rios e os arroios e inunda a terra, e toda a área adjacente apresenta o aspecto de uma vasta superfície de água. Em troca, a água da chuva somente flui por causas naturais. Quando aparece um Salvador, todos são salvos por Sua graça. Mas os siddhas só podem salvar a si mesmos mediante grande esforço e penitências. 722. Quando um grande tronco flutua em um rio, pode levar sobre ele centenas de pássaros, sem afundar. Em troca, uma cana se afundaria com o peso de um só corvo. Do mesmo modo, quando aparece um Salvador são inumeráveis os homens que se salvam, se refugiando nEle. O siddha só pode salvar a si mesmo depois de árduas práticas. 723. Assim como um grande e poderoso barco desliza rapidamente sobre as águas rebocando balsas e lanchas, assim é quando o Salvador chega. Ele leva facilmente milhares de seres ao porto seguro, atravessando o oceano de maya. 724. Uma locomotiva não somente avança até chegar ao seu destino, mas leva também muitos vagões. Do mesmo modo, as Encarnações levam multidões de homens carregados de pecados, à presença do Todo-poderoso. 725. Nas estações comuns é necessário extrair as águas dos poços a uma grande profundidade e com grande dificuldade. Mas durante a estação das chuvas os campos ficam inundados e pode-se tirar água de todas as partes com muita facilidade. Assim também, comumente se pode alcançar Deus com grande dificuldade, por meio de orações e austeridades, mas quando o dilúvio da Encarnação desce sobre a terra, vê-se Deus em todas as partes. 726. Havia um lugar circundado por altos muros. As pessoas não sabiam que espécie de lugar era aquele. Uma vez, quatro pessoas decidiram escalar o muro com uma escada, para descobrir o que havia além. Quando o primeiro homem chegou ao topo da parede, lançou uma gargalhada: “Ah! Ah! Ah!” e pulou dentro do recinto. O segundo homem também, e quando havia escalado o muro, rompeu em sonora gargalhada e saltou, como havia feito o primeiro. A mesma coisa fez o terceiro. Quando o quarto e último homem subiu em cima do muro, viu que ante sua vista se estendia um vasto e formoso jardim, com agradáveis bosquezinhos e árvores carregadas de deliciosas frutas. Ficou tentado a pular para dentro e desfrutar de tanta maravilha, mas resistiu à tentação e descendo, falou às pessoas de fora da glória do jardim. Brahman é como aquele jardim, circundado por altos muros. Quem quiser vê-Lo, esquece de sua própria existência e se atira nEle para ser absorvido em Sua essência. Tais são os homens puros e os santos liberados. Mas os Salvadores da humanidade são aqueles que vêm Deus, mas estando ansiosos por compartilhar a felicidade da visão Divina com os demais, recusam a oportunidade de entrar no Nirvana (estado em que a individualidade se extingue) e, voluntariamente, aceitam as atribulações de renascer no mundo, para ensinar e conduzir a esforçada humanidade para sua meta. 727. Nos fogos de artifício há um tipo de floreios que esparramam uma espécie de flores luminosas durante um tempo, depois outra espécie e, mais tarde outra, como se tivesse uma infinita variedade de flores. Assim são os Avataras. Há outra espécie de floreios que se acendem, brilham um pouco e quase em seguida, se apagam. De modo similar, os jivas comuns, depois de uma longa prática de exercícios devocionais, mergulham em samadhi e não retornam. 728. Pergunta: Por que Deus se encarna em formas humanas? Resposta: Para manifestar a perfeição da Divindade ao homem. Através dessas manifestações, o homem pode falar com Deus e ver Seu jogo. Na Encarnação, Deus goza plenamente, por assim dizer, de Sua própria doçura transcendental. Nos santos, Deus se manifesta somente em parte, como o mel em uma flor. Se sugar a flor, conseguirá um pouco de mel. Mas nas Encarnações, tudo é “mel”, tudo é doçura e bem-aventurança. 729. Nada é problemático para a Encarnação. Resolve os mais difíceis e intrincados problemas da vida como se fossem as coisas mais simples deste mundo e seu modo de se expressar é tal, que até uma criança pode compreender. É o sol do conhecimento Divino, cuja luz dissipa a ignorância acumulada durante séculos. 730. Algumas vezes aparece essa singular combinação de luz, que poderia ser chamada de luz lunisolar e essa luz poderia ser comparada às singulares Encarnações, como Chaitanya Deva, que foram eminentes exemplos, por sua culminação em bhakti (amor) e gñana (Conhecimento). É como se ambos, o sol e a lua, aparecessem no firmamento ao mesmo tempo. A manifestação de gñana e bhakti em uma mesma pessoa é tão excepcional como aquele fenômeno. 731. O Senhor se encarna no corpo humano por amor àquelas almas puras que amam Deus. 732. Aqueles que vêm com os Avataras são almas eternamente livres, ou que nascem neste mundo pela última vez. CAPÍTULO XVI CAMINHOS DO CONHECIMENTO, AMOR E AÇÃO (GÑANA, BHAKTI E KARMA) I. CAMINHO DO CONHECIMENTO. QUE É A GÑANA YOGA? MÉTODO DO GÑANA YOGA. DIFICULDADES DO GÑANA YOGA. II. CAMINHO DO AMOR, BHAKTI E AS CONDIÇÕES PARA SEU DESENVOLVIMENTO. BHAKTI E O AMOR MUNDANO. EFEITOS DE BHAKTI. ETAPAS E ASPECTOS DE BHAKTI. PREMA OU PARA-BHAKTI (AMOR EXTÁTICO). O AMOR DAS GOPIS. VIRAHA E MAHABHAVA. III. BHAKTI E GÑANA. BHAKTI E GÑANA SÃO O MESMO, NO FINAL. COMO BHAKTI CONDUZ AO GÑANA. DIFERENÇA DE TEMPERAMENTO ENTRE O GÑANI E O BHAKTA. IV. CAMINHO DA AÇÃO. QUE É O KARMA YOGA? A DEVOÇÃO COMO SALVAGUARDA NO CAMINHO DA AÇÃO. A AÇÃO COMO SERVIÇO É IGUAL AO CULTO. O TRABALHO É UM MEIO, NO FIM. AÇÃO E ABSTENÇÃO DA AÇÃO. I. CAMINHO DO CONHECIMENTO. Que é a gñana yoga? 733. Gñana yoga é a comunhão com Deus por meio do Conhecimento. O objeto do gñani é realizar Brahman, o Absoluto. Ele disse: “Isto não”, “Isto não” e assim, descarta todas as coisas irreais, uma após a outra, até chegar a ponto de que todo vichara (discernimento) entre o Real e o irreal cessa e Brahman é realizado no samadhi. 734. Um ladrão entra em um quarto escuro e apalpa os objetos que estão lá dentro. Coloca sua mão sobre uma mesa e exclama: “Isto não”. Depois toca em algum outro objeto, talvez uma cadeira e também diz: “Isto não”. E assim continua sua busca,deixando de lado um objeto atrás do outro, até que toca a caixa de jóias. Então exclama: “Aqui está”, e sua busca termina. O mesmo acontece com quem busca Brahman. 735. Vi que o conhecimento que deriva da racionalização é bem diferente do que é obtido pela meditação, mas muito diferente deste último é o Conhecimento que aparece pela revelação de Deus. 736. O Conhecimento (gñana) varia de grau e qualidade. Existe o conhecimento dos homens do mundo, ou mortais comuns. Este conhecimento não é suficientemente poderoso. Pode ser comparado à chama de uma lâmpada que ilumina somente o interior de uma casa. O gñana de um bhakta (devoto) é uma luz mais forte e pode ser comparada à luz da lua, que ilumina os objetos dentro e fora de uma casa. Mas o gñana do Avatara é ainda mais poderoso e se assemelha ao sol. O Avatara é o sol do Conhecimento Divino que dissipa a ignorância acumulada durante séculos. Método da gñana yoga 737. Se um homem conhece a si mesmo, então conhece os outros seres e a Deus. Que é o meu ego? É minha mão, ou meu pé, minha carne ou meu sangue, meus músculos ou meus tendões? Reflita profundamente e se dará conta que não há tal coisa como “eu”. Se você descascar uma cebola, notará que ela é formada de várias camadas e não contém nenhuma semente. Do mesmo modo, analisando o ego, verá que não existe nenhuma entidade que você possa chamar “eu”. Essa análise lhe convencerá de que a substância última é Deus. Quando o egoísmo desaparece, a Divindade se manifesta. 738. Enquanto Deus parecer estar fora e longe, há ignorância. Mas quando Deus for realizado intimamente, haverá o verdadeiro Conhecimento. 739. Apontando Seu coração, o Mestre costumava dizer: “Aquele que tem Deus aqui, O tem também ali (apontando o mundo externo). Aquele que não encontra Deus dentro de si mesmo, tampouco O encontrará fora. Mas aquele que O vê no templo de sua própria alma, também O vê no templo do universo”. 740. Um homem despertou a meia-noite com o desejo de fumar. Como não tinha fogo, foi pedir em uma casa vizinha. Bateu na porta e alguém veio abri-la e lhe perguntou se precisava de alguma coisa. O homem disse: “Tenho desejo de fumar. Pode me dar fogo?”. O vizinho respondeu: “Vá! Que acontece com o senhor? Veio até aqui me incomodar e me despertar a essa hora, mas não vê que tem em sua mão um farol aceso?”. O que o homem deseja, o tem dentro de si mesmo. Contudo, fica buscando aqui e lá. 741. A racionalização é de dois tipos: anuloma e viloma. Pelo processo de anuloma, o homem se remonta da contemplação da natureza à contemplação do Criador; em outras palavras, do efeito à primeira causa. Logo começa o processo de racionalização chamado viloma. Assim que alcança Deus, o homem aprende a ver Sua manifestação em cada parte da criação. O primeiro processo é analítico, o segundo sintético. O primeiro é como tirar, uma após a outra, as sucessivas camadas de um tronco de plátano até chegar ao miolo central. Este último, por outro lado, é como tornar a colocar essas capas, uma após a outra. 742. O Conhecimento conduz à unidade, a ignorância leva à diversidade. 743. O Mestre disse, um dia, a um jovem discípulo que estava muito preocupado com o estudo de livros sobre a Vedanta: Tenho notado, filho, que agora você está muito empenhado em explorar os mistérios da Vedanta. Muito bem. “Brahman é real e o mundo é irreal”, não é este o único ensinamento que forma o conteúdo de todos os estudos vedânticos? Ou há algo mais?. O jovem admitiu que isto era tudo. Para ele, as palavras do Mestre derramaram uma luz completamente nova sobre as verdades da Vedanta. O discípulo ficou surpreso e maravilhado. Pensou que se alguém chegasse a ter firme convicção do significado daquelas palavras, poderia compreender tudo o que encerra a Vedanta. O Mestre prosseguiu com sua exposição: Ouvir, refletir e meditar. Que Brahman é real e o mundo irreal, primeiro deve ser ouvido. Depois vem a reflexão, pois a verdade disto é firmemente estabelecida pela racionalização. O próximo passo é a meditação, quer dizer, afastar da mente o mundo relativo e concentrá-la sobre Brahman, o Real. Esta é a ordem que deve ser seguida na disciplina vedântica. Por outro lado, se a Verdade é ouvida e compreendida intelectualmente e não há nenhuma intenção de renunciar ao irreal, de que serve esse conhecimento? Tal conhecimento é como o que possui o homem mundano, não ajuda a alcançar a Verdade. A firme convicção e a renúncia são indispensáveis. Somente por meio disto é possível alcançar a Verdade. Do contrário um homem pode declarar, com suas meras palavras, que o mundo é irreal e que somente Brahman existe, mas quando os objetos sensórios, como as formas, as cores, os gostos e o resto aparecem diante dele, os toma por coisas reais e fica enredado, a mesma coisa que uma pessoa que proclama verbalmente que os espinhos não existem, mas grita quando se fere com um deles. Uma vez um sadhu (monge) veio a Panchavati (lugar arborizado onde o Mestre meditava). Costumava falar muito de Vedanta diante dos outros. Um dia soube que ele tinha relações ilícitas com uma mulher. Nesse mesmo dia encontrei o sadhu sentado no Panchavati e lhe disse: O senhor fala com muita fluidez sobre Vedanta, mas o que é tudo isso que as pessoas dizem do senhor?. Que você tem com isso? – me respondeu. Vou lhe demonstrar que não há nenhum mal nisso. Se o mundo é irreal em todos os tempos, como é possível que somente minha falta seja real? Certamente minha falta também é irreal. Totalmente desgostoso, lhe disse: Cuspo sobre semelhante conhecimento da Vedanta! O Conhecimento não é real, senão uma mera simulação de fé falsamente professada pelas mentes mundanas, pelos que se presumem sábios, estando apegados grosseiramente às coisas do mundo. 744. Gñana Yoga é extremamente difícil nesta idade, Koli Yuga. Em primeiro lugar, nossa vida, nesta idade, depende inteiramente da comida (annagata-prana). Segundo, o término da vida humana é agora demasiado curto para este propósito. Terceiro, é quase impossível, nesta época, livrar-se da persistente ilusão de que o Ser e o corpo são uma só e mesma coisa. Agora, a conclusão a que o gñani deve chegar é esta: “Eu não sou o corpo, eu sou um com a Alma Universal, o Ser Absoluto e Incondicionado. Como não sou o corpo, não estou sujeito às necessidades corporais tais como a fome, a sede, o nascimento, a morte, a enfermidade e demais coisas”. Um homem que está sujeito a estas necessidades e, contudo, se acredita um gñani, é como uma pessoa que tem um espinho cravado em uma mão, o qual produz intensa dor, e não obstante afirma: “Minha mão não tem nenhum ferimento, está muito bem”. De nada serve falar deste modo. Antes de mais nada, o “espinho” da consciência corpórea deve ser reduzido a cinzas pelo fogo de gñana (Conhecimento direto). 745. Muito poucas são as pessoas aptas para obter o gñana. Declara o Guita: “Um entre milhares deseja conhecer Deus e entre milhares deles que tem desejo de conhecê-Lo, talvez um chegue realmente até Ele”. Quanto menor seja o apego ao mundo, vale dizer, “a luxúria e o ouro”, tanto maior será o gñana (Conhecimento de Deus). 746. O gñana yogui diz: “Eu sou Ele”. Mas enquanto persistir a idéia do Ser como corpo, este egotismo é danoso. Não ajuda ninguém em seu progresso e ainda causa a ruína. Tal pessoa engana a si mesma e engana aos demais. 747. Certo brahmachari (aspirante religioso) que se chamava Ramachandra, um dia visitou Sri Ramakrishna no templo de Dakshineswar. Tinha deixado crescer o cabelo e tinha-o trançado ao modo dos ascetas. Tinha ainda o costume de sentar-se e exclamar de tempo em tempo: “Shivoham! Shivoham!” (sou o Senhor Shiva!), sem dizer nenhuma outra palavra. Sri Ramakrishna observou-o em silêncio por algum tempo e depois disse: “De que serve a mera repetição da palavra ‘shivoham’? Somente quando, pela perfeita meditação no Senhor, dentro do templo do coração, se perde toda idéia de ego e se realiza o Senhor Shiva, é quando se tem o direito de repetir essa palavra sagrada. Que bem pode fazer a mera repetição da fórmula sem a realização? Até não se ter alcançado este estado de realização é melhor considerar o Senhor como Amo e a si mesmo como seu humilde servidor”. O aspirante se deu conta de seu erro e por este e outros conselhos, adquiriu maior conhecimento. Antes de deixar o lugar, escreveu em uma parede da residência de Sri Ramakrishna: “Ensinado pelo Swami, de hoje em diante o brahmachari Ramachandra considera o Senhor como seu Amo e a si mesmo como Seu humilde servidor”. II. CAMINHO DO AMOR Bhakti e as condições para seu desenvolvimento 748. Não se pode imprimir nada no vidro polido, mas quando a superfície está coberta com substâncias químicas apropriadas, pode ser impressa imagens sobre ele, como acontece com as placas fotográficas. Do mesmo modo, a imagem da Divindade se imprime facilmente no coração recoberto com a substancia de bhakti (devoção). 749. O amor a Deus é uma coisa rara. Bhakti somente surge quando existe uma fervorosa devoção a Deus, como a que uma fiel esposa tem por seu marido. O bhakti puro é muito difícil de alcançar. No bhakti, a mente e a alma devem estar absortas em Deus. Logo vem o bhava (a forma mais elevada do bhakti). No bhava, o homem emudece, sua respiração cessa e tem lugar o kumbhaka (suspensão do alento no estado de yoga), assim como quando uma arma pronta para disparar é apontada e suspendemos a fala e contemos a respiração. 750. A devoção a Deus aumenta na mesma proporção que o apego aos objetos dos sentidos diminui. 751. Na verdade, estes paroquianos (homens mundanos) ficam satisfeitos com um cozido (punhado de feijão), (vale dizer, comodidades e prazeres sensórios). Somente as almas puras, não contaminadas pelo mundo, amam a Deus e não têm outro objetivo senão o de manter sua mente totalmente fixa no Senhor. 752. A menos que os cavalos xucros tenham os olhos tapados, não avançarão um só passo. É possível realizar Deus sem antes ter aprendido a controlar as paixões? Em um sentido não. Mas isso é certo somente na gñana yoga, o caminho do Conhecimento. O gñani diz: “Deve-se primeiro se purificar e depois será possível ver Deus. Antes de mais nada deve-se aprender a dominar suas paixões. Primeiro, auto-disciplina, depois o conhecimento de Deus”. Há, contudo, outro caminho que conduz a Deus – o caminho da devoção (bhakti yoga). Uma vez que o devoto sinta amor por Deus, uma vez que ao cantar Seu santo “nome” estremeça de gozo, já não necessitará fazer esforço para dominar as paixões. O domínio vem por si mesmo. Se um homem tem um pesar muito intenso, como poderá sentir-se inclinado a tomar parte em uma disputa, ir a uma festa ou pensar em prazeres sensórios? Do mesmo modo, aquele que está absorvido no amor a Deus, não pode entregar sua mente aos prazeres dos sentidos. 753. À medida que Srimati (Radha) se aproximava de Sri Krishna, sentia aumentar a fragrância de Sua sagrada pessoa. Quanto mais um homem avança para Deus, tanto mais cresce seu amor por Ele, da mesma forma que um rio se acha mais sujeito às influências das marés, na medida em que se aproxima o mar. 754. Em uma ocasião o Mestre disse a Keshab e seus seguidores, com respeito ao culto: “Por que vocês louvam tanto a glória e os poderes de Deus? Por acaso um filho que está sentado frente a seu pai pensa ‘Meu pai tem tantas casas, tantos cavalos, tantas vacas e tantos jardins’? Não é mais certo é que se entretenha carinhosamente pensando quão querida lhe é a pessoa de seu pai e quão grande é o amor de seu pai por ele? Por acaso é estranho que um pai alimente e vista seus filhos e trate de fazê-los felizes? Nós somos todos filhos de Deus e Sua proteção nos dá segurança. Que há de tão surpreendente nisso? Portanto, um verdadeiro devoto do Senhor, ao invés de entregar-se a tais pensamentos, entra em muito íntimas relações com Ele, O trata como algo muito seu, O importuna, se orgulha dEle e O pressiona com suas súplicas. Lhe diz: ‘O Senhor deve cumprir meus rogos e revelar-se diante de mim’. Se vocês refletirem demasiadamente sobre a glória e a majestade de Deus, não poderão senti-Lo como algo muito próximo e seu. Lhes será, então, impossível insistir e compeli-Lo a ouvir suas orações. Oh! Quão grande Ele é! Quão longe está de nós – tais pensamentos lhes impedirão de aproximar-se dEle. Considerem-nO o mais íntimo que puderem e Ele se revelará”. 755. Se você quer estabelecer intimidade com Deus, deve aderir-se firmemente a uma atitude particular. Só então Ele se verá compelido a ceder às suas súplicas. Quando duas pessoas têm entre si um tratamento superficial observam, em suas conversas, todas as regras da formalidade. Mas com o crescimento da intimidade, todos os termos formais de respeito desaparecem por completo e utilizam a linguagem familiar. Devemos ter com Deus a mais estreita relação. Uma mulher desonesta, no início de suas relações amorosas, se sente tímida, procede com grande apreensão e mantém sua aventura no mais estrito segredo. Mas quando seu amor amadurece, tais sentimentos desaparecem. Ela se torna ousada, abandona seu lar e família e aparece em público acompanhada de seu amante. E se depois o amante perde o interesse por ela e a abandona, ela o pega pelo pescoço e diz, em tom peremptório: “Deixei meu teto por amor a você. Quero saber agora se vai me manter ou não”. Bhakti e o amor mundano 756. Uma senhora anciã pensou que já tinha chegado a hora de se retirar do mundo e passar o ocaso de sua vida tranqüilamente em Brindavan. Expressou sua intenção a Sri Ramakrishna. Mas o Mestre, que a conhecia muito bem, em lugar de apoiar sua decisão, lhe disse o seguinte: “A senhora está muito apegada a sua neta. Onde quer que vá, a lembrança da menina a perseguirá e lhe tirará a paz. Pode viver em Briandavan, se assim deseja, mas sua mente sempre rondará ao redor de seu longínquo lar. Por outro lado, todo o mérito de viver em Briandavan será obtido automaticamente se cultivar o doce afeto que tem pela sua neta, com a idéia de que ela é Sri Radhika mesma. Mime-a com o que quiser, alimente-a e vista-a como faz agora. Mas pense sempre, em seu interior, que todos esses atos são oferecidos à deusa de Brindavan”. 757. Encontrando certo devoto que tinha dificuldade em fixar sua mente por causa do desordenado apego que tinha por um de seus parentes, o Mestre lhe aconselhou considerar o objeto de seu amor como uma imagem de Deus e servi-la com esse espírito. Ao explicar essa opinião, o Mestre costumava referir-se ao ensinamento de Vaishnavacharan deste modo: “Vaishnavacharan sustenta que ‘se alguém considera a pessoa amada como sua Deidade Escolhida, sua mente se volta para Deus mais facilmente’”. Efeitos do bhakti 758. Um devoto: É necessário que a primeira coisa que consigamos é o controle dos sentidos, por meio do reto conhecimento (vichara)? O Mestre: Bem, esse é um caminho, o caminho do reto discernimento. No caminho de bhakti, o autocontrole vem por si só e vem muito facilmente. Quanto mais aumenta o amor por Deus, mais insípidos se tornam os prazeres dos sentidos, como acontece com os pais que não podem pensar em prazer físico no dia em que perderam um filho. 759. As práticas devocionais são necessárias até quando fluir lágrimas de êxtase, ao se ouvir o santo “nome” de Hari. Aquele, cujo coração o leva às lágrimas em somente se mencionar o “nome” de Deus, já não necessita de nenhuma prática devocional. 760. Um poeta comparou a devoção (a Deus) a um tigre. Assim como o tigre devora outros animais, a devoção devora os “arquiinimigos” do homem, tais como a luxúria, a cobiça e as demais paixões. Uma vez que a devoção a Deus desperta plenamente, as más paixões, como a luxúria e a ira são destruídas por completo. As gopis de Brindavan alcançaram esse estado por sua potente devoção a Krishna. 761. A devoção se compara também ao colírio. Srimati (Radha) declarou, uma vez: “Minhas amigas, vejo meu Krishna em todas as partes!”. A isto, as outras Gopis responderam: “Você colocou colírio de Amor em seus olhos, é por isso que vê Krishna em todas as partes!”. 762. Pergunta: Por que o bhakta (devoto) abandona tudo por amor a Deus? Resposta: A traça foge da obscuridade quando vê uma luz; a formiga perde sua vida na calda de açúcar, sem abandoná-la. Do mesmo modo, o devoto se aferra a Deus para sempre e deixa tudo o mais. 763. O Mestre: Por acaso a traça busca a obscuridade, uma vez que tenha visto a luz? O médico (sorrindo): Oh! não, melhor dizer que ela se precipita para a chama e ali perece. O Mestre: Mas não acontece com o verdadeiro adorador de Deus. A Luz Divina para a qual ele se sente atraído, não queima e nem causa a morte. É como a luz de uma gema, brilhante mas suave, fresca e sedante. Não queima, mas ilumina o coração com paz e gozo. 764. Pode ser que alguém não saiba qual é o reto caminho e ter, contudo, bhakti por Deus e intenso desejo de conhecê-Lo. Um grande devoto partiu para ver Jagannath (Senhor do universo), mas não conhecendo o caminho para Puri (onde está situado o templo de Jagannath) se afastava, ao invés de aproximar-se da cidade. Com ansiedade em seu coração, perguntava a cada pessoa que encontrava, qual era o caminho. Cada um lhe dava indicações, dizendo: “Não vá por aqui, tome aquele outro caminho”. Por fim, o devoto chegou a Puri e pode satisfazer o desejo de seu coração. De igual modo, alguém pode ignorar o caminho que conduz a Deus, mas se tem a ânsia de encontrá-lo, é seguro que alguém o indicará. Pode-se errar, no princípio, mas no final, se encontra o caminho correto. 765. Da devoção brota o reto discernimento, renúncia, amor a todas as criaturas, serviço aos homens espirituais, o desejo de se manter em companhia dos devotos, cantar preces ao Senhor, veracidade e outras virtudes. 766. Há sinais da realização de Deus. Sabe que não demorará muito em realizar Deus, aquele em que se nota muito fervor e devoção. 767. A rocha magnética, estando no fundo do mar, atrai o navio que navega na superfície, arranca todos os cravos, separa as tábuas uma por uma e faz afundar o barco. Do mesmo modo, quando a alma humana é atraída pelo grande ímã (Deus), ficam destruídos o egoísmo e o sentido da individualidade e a alma mergulha no oceano de Infinito amor de Deus. Etapas e aspectos de bhakti 768. O amor possui três variedades: o inegoísta (samartha), o mútuo (samanyasa) e o ordinário egoísta (sadharana). O amor inegoísta pertence a mais elevada categoria. Quem ama assim, busca somente o bem da pessoa amada, sem se preocupar se isso lhe causa pesares e dificuldades. A segunda categoria é o amor mútuo, no qual o amante não somente deseja a felicidade de sua amada, mas também a sua própria. O amor egoísta é o mais baixo. Faz com que o homem busque sua própria felicidade, sem levar em conta o prazer ou a dor da pessoa amada. 769. Como há traços de sattva, rajas e tamas nas coisas mundanas, assim também o bhakti tem três aspectos. Há bhakti que participa da humildade de sattva, há bhakti que se caracteriza pela ostentação de rajas e há um terceiro tipo de bhakti, que tem algo da força bruta de tamas. O devoto sáttvico pratica sua devoção em segredo. Medita durante a noite, sentado sobre sua cama e dentro de um mosquiteiro. Por tal causa, se levanta tarde pela manhã, o que seus amigos atribuem ao fato de não ter dormido bem. O cuidado que dispensa ao corpo termina com ingestão de comida simples, talvez um pouco de arroz e verduras. Não tem nada supérfluo, quanto à comida e roupa. Não há ostentação nos utensílios ou móveis em sua casa e nunca busca alcançar uma posição social por meio da adulação. O devoto rajásico tem, talvez, as marcas distintas da seita a que pertence em seu corpo e leva no pescoço um rosário com as poucas contas douradas intercaladas. Segue minuciosamente as observações externas, como a de colocar roupa de seda durante a adoraçao e celebrar o culto à Deidade com pompa e esplendor. O devoto tamásico é muito fogoso em sua fé. Usa a força com Deus, como um ladrão que se apodera das coisas por assalto. “Que!” – diz “Pronunciei o Seu ‘nome’ e no entanto sou um pecador! Eu sou Seu filho! Sou o verdadeiro herdeiro de Sua riqueza!”. Tal é seu ardor e veemência. 770. Pergunta: Qual é a forma violenta de devoção? Resposta: É enlouquecer com a constante e terrífica exclamação de “Jai Kali!” (Glória à Divina Mãe), ou dançar como um maníaco, com os braços para cima, gritando: “Haríbol” (Louvor a Hari). Nesta idade de ferro (Koli Yuga) a devoção impetuosa é a mais apropriada e traz mais rápida fruição que a contemplação em Seus aspectos mais suaves e moderados. A cidadela de Deus deve ser tomada de assalto. 771. A sádhana (prática devocional) para a purificação da alma humana, tem os seguintes graus: 1. Sadhu-sanga, ou estar em companhia dos homens santos. 2. Shraddha, ou fé e devoção nas coisas relativas ao Espírito. 3. Nishta, ou devoção constante para o próprio ideal. 4. Bhakti, ou intenso amor a Deus. 5. Bhava, ou estado de silenciosa absorção no pensamento de Deus. 6. Mahabhava. Quando bhava se intensifica, é chamada de mahabhava. O devoto ora ri, ora chora, como um homem que perdeu o juízo. Tendo vencido completamente a carne, não tem mais consciência de seu corpo. Este estado não é alcançado, geralmente, pelos jivas ou homens comuns, mas somente pelos Mahapurushas (grandes almas) ou Encarnações de Deus. 7. Prema, ou o mais intenso amor por Deus. Prema automaticamente é obtido com o mahabhava. Os dois sinais deste estado são: primeiro, esquecimento deste mundo; segundo, esquecimento do eu, inclusive do próprio corpo. Isto coloca o devoto cara a cara com Deus e, assim, alcança a meta da vida. 772. “Tais e tais atos piedosos têm sido prescritos pela escrituras e é meu dever cumpri-los”. A esta espécie de atitude se chama vaidhi-bhakti. Há outra espécie de devoção conhecida como raga-bhakti, que vem pelo extremo amor a Deus, como foi o caso de Prahlada. Quando aparece raga-bhakti, não há mais necessidade de fazer os “atos prescritos” (vaidhi-karma). 773. Há uma espécie de bhakti que se chama vaidhi-bhakti (a devoção tal como está prescrita nas escrituras). Repetir o “nome” de Deus um certo número de vezes, jejuar em certas ocasiões, peregrinar nos lugares sagrados, fazer o culto com certos objetos – estas e outras observações, constituem o vaidhi-bhakti. A prática de vaidhi-bhakti conduz ao aspecto mais elevado da devoção, conhecido como raga-bhakti. O amor é a coisa essencial. As idéias mundanas devem desaparecer por completo e a mente deve ser dirigida totalmente a Deus. Somente assim é possível alcançá-Lo. Sem raga-bhakti ninguém pode realizar Deus. 774. O amor por Deus é de duas espécies: primeiro, o bhakti segundo é prescrito nas escrituras. Devemos fazer a adoração de certa maneira, repetir tantas vezes o “nome” do Senhor e outras coisas deste estilo. Tudo isto pertence ao que se chama vaidhi-bhakti (isto é, de acordo com a Lei). Por meio de vaidhi-bhakti se chega à devoção e conhecimento do Absoluto em samadhi. O ser individual mergulha na Alma Universal para não mais retornar. Este é o caso dos devotos comuns. Mas completamente diferente é o caso das Encarnações Divinas e daqueles que são os “íntimos” do Senhor. Seu amor a Deus não é feito de simples fórmulas, senão que brota de dentro. Surge da alma. As Encarnações Divinas (como Sri Chaitanya) e os “íntimos” do Senhor, têm a seu alcance o Conhecimento do Absoluto que se alcança no samadhi e, ao mesmo tempo, podem descer dessa altura retendo seu “eu” e amando o Senhor como Pai, Mãe e outros aspectos. Dizendo: “Isto não, isto não”, deixam para trás os degraus um após o outro, até chegar ao teto. Quando chegam ali, dizem: “Isto é”. Mas logo descobrem que a escada é feita com os mesmos materiais que o teto, ou seja, com ladrilhos, cal, areia e pó de ladrilho. Por isso podem subir e descer a seu desejo, descansando algumas vezes no teto e outras nos degraus da escada. O teto simboliza o Absoluto realizado no samadhi. Neste estado, o eu que responde ao mundo sensório é apagado por completo. A escada é o mundo de nomes e formas, o mundo fenomenal. Quando se chega ao teto de samadhi é realizado que o mundo é como uma manifestação do Absoluto para os sentidos humanos. Prema ou para-bhakti (amor extático) 775. Prema ou amor extático não vem antes da realização de Deus. 776. Nos livros persas está escrito que dentro da carne estão os ossos, dentro dos ossos está a medula, etc., e mais dentro está o prema. 777. Prema é como uma corda nas mãos do devoto, a qual está atada a Satchidananda (Deus). O devoto mantém o Senhor, por assim dizer, sob seu governo. Deus vem toda vez que é chamado. 778. O estado de devoção chamado bhava (silenciosa absorção em Deus) é como uma manga verde. Prema ou Amor extático é como uma fruta madura. 779. A adoração por temor ao fogo do inferno é para principiantes. Há pessoas que crêem que toda a religião consiste no sentido do pecado. Esquecem que isto acontece no estado inicial e mais abaixo da espiritualidade. Existe um ideal maior, mais elevado de espiritualidade, ou seja, o amor a Deus, considerando-O como nosso Pai ou Mãe. 780. Que é para-bhakti ou supremo amor a Deus? No estado de Amor extático, o adorador contempla Deus como seu mais íntimo e querido parente. É como o amor das gopis por Krishna. Elas sempre O tratavam como Senhor das gopis e não como Senhor do universo. 781. É possível chegar a amar a Deus sem saber porque. Se alguém alcança isso, não tem nada mais a desejar. Quem está dotado de tal bhakti diz: “Oh! Senhor, não desejo riquezas, fama, saúde, felicidade, nem nenhuma outra coisa. Conceda-me ter devoção pura a Teus pés de loto!”. 782. As duas características de prema são, primeiro esquecer do mundo externo e segundo, esquecer do próprio corpo. 783. “Eu sou o devoto e meu Deus é todo meu” – assim sente quem alcança o prema-bhakti. Yashoda costumava pensar que, exceto ela, ninguém poderia cuidar de seu Gopala. Que a não ser por sua solicitude, Gopala cairia doente. Yashoda não gostava de ver Krishna como Senhor do Universo. “Ele é meu, muito meu, Ele é meu Gopala!”, tal é o sentir de um premabhakta. Udhava disse a Yashoda: “Mãe, seu Krishna é o Senhor Mesmo. Ele é o Chintámani (o talismã que satisfaz todos os desejos) do Universo inteiro. Ele não é uma pessoa comum”. Yashoda respondeu: “Não, não, não estou perguntando de seu Chintámani, o que quero saber é como está meu Gopala. Não me interessa Chintámani, mas meu Gopala!”. 784. O prema ou Amor extático só é obtido por poucos. Eles são homens de poderes extraordinários, que vêm com uma missão Divina. Sendo herdeiros dos poderes e da glória Divina, formam uma classe, por si só. A esta classe pertencem as Encarnações de Deus como Chaitanya Deva e Seus devotos da mais elevada ordem, que são partes do Senhor. 785. Há uns poucos que possuem naturalmente este Amor extático, talvez desde sua infância. Como Prahkada, eles choram e sentem grande desejo por Deus, mesmo sendo crianças. Pertencem à classe dos nityasiddhas, ou seja, homens perfeitos desde seu nascimento. O amor das gopis 786. Não tem importância que alguém creia ou não que Radha e Krishna eram encarnações de Deus. Alguém pode crer (como os hindus ou os cristãos) nas Encarnações de Deus, ou pode crer (como os modernos brahmos) que Deus tome alguma forma, seja ou não humana. Mas todos devem desejar intensamente obter o anuraga, ou supremo amor ao Senhor. Este amor intenso é o essencial. 787. Falando de amor das gopis por Deus, o Mestre disse a M., um de seus discípulos: “Quão maravilhosa foi a intensidade de seu amor! Ante a simples vista da árvore tamal, enlouqueciam de amor (premonmada)! (A cor escura do tamal lhes lembrava Sri Krishna). Tal era também o caso de Gouranga (Sri Chaitanya). Olhando um bosque que se estendia ante Seus olhos, pensava que era Brindavan! Oh! Se alguém for favorecido com uma só partícula deste amor extático! Que devoção! Desta devoção eles não somente estavam plenos, mas também transbordantes em sua superabundância!”. 788. A inalterável devoção (nishtha) das gopis era maravilhosa. Quando elas foram ver Krishna em Mathura, conseguiram ser admitidas na sala de audiência, depois de ter rogado por longo tempo à sentinela que estava na porta. Mas quando viram Krishna com um turbante, baixaram a cabeça e comentaram entre si: “Quem é esse homem com turbante? Não vamos falar com ele, do contrário nos tornaremos culpadas de infidelidade a nosso Krishna. Oh! Onde está nosso Senhor, o supremamente Amado, que usa traje amarelo e um penacho de plumas de pavão real?”. Ah! Notem a pura e singela devoção das gopis. 789. A devoção das gopis é prema-bhakti (amor extático). Também se chama devoção absolutamente constante (avyabhicharini-bhakti), ou devoção apaixonada (nishtha-bhakti). E que é a devoção inconstante (vyabhicharini-bhakti)? É a devoção misturada com o conhecimento, por exemplo, o conhecimento de que Krishna se converteu em todas as coisas, que Ele é o supremo Brahman, que Ele é Rama, Shiva e Shakti, que Ele é a Energia Divina, etc. Mas essa mistura de conhecimento e devoção não existe no amor extático. Quando Hanuman foi a Dwaraka, declarou que somente desejava ver Sita e Rama. Por essa razão, Krishna disse a Rukmini que assumisse a forma de Sita. Do contrário, Hanuman não se reconciliaria. Quando os Pandavas celebraram o grande sacrifício chamado rajasuja, Yudhisthira estava sentado no trono e todos os reais presentes se prostraram ante ele. Mas Vibhishana não fez isto e ele declarou que não se prostraria ante ninguém, exceto Narayana. Então o Senhor Mesmo (Krishna) se prostrou ante Yudhisthira, de modo que Vibhishana também se prostrou com todo seu corpo, tocando o solo com a cabeça e coroa real. Viraha e mahabhava 790. Oh! Imenso é o sofrimento que surge de viraha, ou sentimento de separação de Deus! Conta-se que quando Rupa e Sanatana (dois grandes discípulos de Chaitanya) estavam sentados debaixo de uma árvore em tal estado, as folhas da árvore ficaram chamuscadas! Eu fiquei quase inconsciente durante três dias, quando estava neste estado! Quando recobrei algo da consciência ordinária, Brahmani (a mulher brahmin que havia iniciado Sri Ramakrishna nas práticas tântricas) tratou de me levantar e me banhar; mas não pode tocar minha pele. Antes foi necessários cobrir todo meu corpo com um grosso tecido. A argila com a qual meu corpo foi esfregado ficou cozida! Eu sentia como se minha espinha dorsal tivesse sido atravessada por uma lança e às vezes gritava como se fosse morrer. Mas a tudo isto seguia sempre um intenso sentimento beatífico. 791. Mahabhava é a consciência suprema de Deus. Produz uma terrível comoção, tanto no corpo como na mente, como se um enorme elefante entrasse numa pequena choça e a sacudisse até reduzi-la a escombros. Depois desse estado há tanta felicidade, como intenso foi o sofrimento anterior. III. BHAKTI E GÑANA Bhakti e gñana são o mesmo, no final 792. O Conhecimento puro e o Amor puro são um e o mesmo. 793. O mesmo Ser, a quem os vedantistas chamam de Brahman, é chamado Atman pelos yoguis e Bhagavan pelos bhaktas. Um brahmin também é chamado de “sacerdote”, quando faz o culto e “cozinheiro” quando atua na cozinha. 794. Que é o gñana (Conhecimento) no sentido mais elevado? O gñani diz: “Oh Senhor, você só atua em todo o universo! Eu sou tão somente um pequeno instrumento em Suas mãos. Nada é meu, tudo é Seu. Eu, minha família, meus bens, minhas virtudes, tudo é Seu”. 795. Um devoto: Como alguém pode saber que alcançou o gñana, mesmo levando uma vida de família? O Mestre: Pelas lágrimas e a tremenda emoção que lhe causa o nome de Hari. Quando somente a menção do doce “nome” do Senhor faz alguém derramar lágrimas e faz seu cabelo se eriçar, então pode se dizer que obteve o gñana. 796. Nos Puranas há um relato que concilia o gñana com bhakti. Uma vez Ramachandra, Deus Encarnado, disse a Seu grande devoto Hanuman: “Filho meu, diga-me como você Me considera e qual é o modo em que você medita em Mim”. Hanuman respondeu: “Oh Rama! Às vezes Lhe adoro como Purna (o Pleno), o Um Indiviso. Então me considero como amsa, uma parte, um fragmento dessa Divindade. Outras vezes, medito no Senhor, oh! Rama, como meu Divino Dono e me considero Seu servidor. Mas quando me sinto abençoado com tattva-gñana, o verdadeiro Conhecimento, vejo e realizo que eu sou o Senhor e o Senhor é eu”. 797. Se um musgo que cresce na superfície de um taque é empurrado para o lado, depois de um tempo se verá que o musgo volta a se estender e recobrir a água. Mas se o mantiver afastado com uma cerca de bambu, não poderá voltar a cobrir a água. Do mesmo modo, se somente tratarmos de empurrar a maya para trás, ela torna a nos incomodar; mas se o coração é protegido por uma cerca de bhakti e gñana, maya não poderá se aproximar. É assim que o homem obtém a visão de Deus. Como bhakti conduz ao gñana 798. O conhecimento de advaita (UM sem segundo) é o mais elevado, mas primeiro deve-se adorar a eu como o servidor venera seu senhor, ou como aquele que faz o culto ao objeto de sua adoraçao. Este é o caminho mais fácil e conduz logo ao mais alto conhecimento da unidade. 799. Embora o conhecimento de advaita seja o mais elevado, primeiro, em nossa devoção, devemos proceder com a idéia do adorador e o adorado (vale dizer, com o sentimento de que Deus é o objeto da adoração e eu sou Seu adorador) e logo alcançaremos facilmente o Conhecimento. 800. “Brahman Mesmo chora quando cai na armadilha dos cinco elementos”. (Dito popular). Você pode fechar os olhos e convencer a si mesmo dizendo, uma ou outra vez: “Não há espinhos, não há espinhos”. Mas quando tocar em um e sentir a picada, logo retirará sua mão ferida. Do mesmo modo, por mais que você trate de racionalizar dentro de si mesmo que está além do nascimento e morte, virtude e vício, prazer e dor, fome e sede, que você é o Atman imutável, Existência, Conhecimento e Felicidade Absoluta, contudo, no momento em que seu corpo for atacado pelas doenças, ou sua mente se enfrentar com as tentações do mundo e for atraída pelos efêmeros prazeres do sexo e da riqueza, e por conseqüência cometer algum ato pecaminoso, cairá sob o domínio da ilusão, do pesar e da miséria, se privará do discernimento e da virtude, e a perplexidade o esmagará por completo. Portanto, é bom que saiba que ninguém pode alcançar a realização do Atman e liberar-se de todas as misérias, a menos que Deus lhe mostre Sua misericórdia e maya abra suas portas ante Ele. Ouviu que no Chandi está escrito: “Esta mesma Deusa, a concedente de toda graça, quando é propiciada, redime os seres humanos do cativeiro”. Nada pode ser alcançado, a menos que a Divina Mãe tire todos os obstáculos do caminho. O aspirante não pode realizar Deus, a menos que Maya se apiede dele e deixe seu caminho livre. No momento em que Ela lhe conceder Sua graça, o aspirante é bendito com a visão de Deus e escapa de todas as misérias. Do contrário, por mais que prossiga com seu discernimento e práticas espirituais, de pouco lhe servirão. Dizem que um grão de ayowan ajuda a digerir cem grãos de arroz. Mas quando o aparelho digestivo não funciona devidamente, até cem grãos de ayowam não auxiliariam na digestão de nem mesmo um grão de arroz. 801. O gñana yogui aspira a realização de Brahman, Deus Impessoal, o Absoluto e Incondicional. Mas como regra geral, mesmo para um gñana yogui seria melhor, na época atual, amar, orar e entregar-se por completo a Deus. O Senhor salva Seu devoto e lhe concede até o Brahma-gñana (supremo conhecimento), se o devoto tem fome e sede dele. Assim o gñana yogui obtém o gñana tanto quanto o bhakti. Pode realizar Brahman e, com a graça do Senhor, também pode realizar a Deus Pessoal, o Saguna Brahman (o Supremo com atributos) dos Upanishads. Contudo o Senhor o faz herdeiro de Sua infinita glória, lhe concede bhakti e gñana ao mesmo tempo e lhe concede a realização de Deus Pessoal e Impessoal. Pois se uma pessoa chega à cidade de Calcutá, lhe será fácil ir logo a Maidan (a grande pradaria), ao Monumento Ochterlony, ao Museu, ou ver coisas interessantes. 802. Pergunta: É possível para um devoto chegar ao estado de absoluta união com Deus? Resposta: Sim, a alma humana pode alcançar o estado de absoluta união com Deus. Somente então ele pode sentir e dizer: “Ele é o mesmo que eu”. Um velho serviçal de uma casa pode chegar, com o passar do tempo, a ser considerado como um membro da família e se o dono estiver muito satisfeito com o seu trabalho, pode ceder-lhe seu próprio lugar de honra, dando a entender que o desse momento em diante, não há mais diferença entre ele e seu serviçal. Pode dizer diante de toda a família: “Ele e eu somos uma só coisa. Obedeçam suas ordens como as minhas próprias. Quem quer que seja que se recuse a fazê-lo, será castigado”. Embora o servidor se sinta incomodado ao se ver assim honrado, o dono, à força, o fará sentar-se no lugar de honra. Tal é a condição daquelas almas que realizaram a unidade com Deus, servindo-O por longo tempo. Ele as dota com toda Sua glória e atributos e as eleva a Seu trono de soberania universal. 803. O bhakta geralmente não aspira o Brahmagñana (supremo conhecimento), mas se contenta em realizar o Deus Pessoal, minha Divina Mãe, ou qualquer de Suas infinitas formas de glória, como as Encarnações Divinas, que são visíveis revelações de Deus. Ele não deseja que seu ego se dilua por completo em samadhi, mas quer ansiosamente reter suficiente individualidade para gozar da visão da Divindade como uma Pessoa. Seu desejo é saborear o açúcar e não se converter em açúcar!. 804. Minha Divina Mãe (aspecto pessoal de Brahman) declarou que Ela é o Brahman da Vedanta. Está em Seu poder dar o Brahma-gñana, o qual Ela concede fazendo desvanecer o eu inferior. Dessa forma, em primeiro lugar você pode alcançar Brahman por meio do reto discernimento (vichara), se assim é a vontade de Minha Mãe e também pode fazê-lo por meio de bhakti. Rogar incessantemente por luz e amor e entregar a Ela, constitui a essência de bhakti. Primeiro aproxime-se de minha Divina Mãe (Deus Pessoal) por meio dessa oração. Tome minha palavra como certa, de que se sua oração sai do coração, minha Mãe lhe responderá, espere por isso. Também dirija a Ela suas súplicas, se deseja realizar Seu ser Impessoal. E se Ela se dignar a responder as suas orações, sendo onipotente, você se encontrará em posição de realizar Seu ser Impessoal em samadhi. Isto, é, precisamente, o mesmo que o Brahma-gñana. Diferença de temperamento entre o gñani e o bhakta 805. Há dois tipos de aspirantes espirituais. Um tipo se parece com os macacos quando pequenos e a outra com os gatinhos. Um macaco de pouca idade se agarra com força a sua mãe. Em troca, um gatinho não pode fazer o mesmo, senão miar lamentavelmente, ficando em qualquer lugar que sua mãe o deixe. Se o macaco se solta de sua mãe, cai no chão e se machuca. Isto acontece porque ele depende de sua própria força. O gatinho, por outro lado, não corre tal risco, porque é a mãe quem o leva de um a outro lugar. Similarmente, o aspirante que segue o caminho do Conhecimento ou do Trabalho inegoísta, depende de seu próprio esforço para obter a salvação. Em troca, o aspirante que segue o caminho do Amor, sabe que o Senhor é quem dispõe de todas as coisas. Assim, com absoluta confiança, se resigna inteiramente à Sua misericórdia. O primeiro pode ser comparado a um macaco de tenra idade, e o segundo, a um gatinho. 806. O gñani disse: “Eu sou Ele, eu sou o Atman puro”, mas o bhakta declara: “Todas as coisas são Sua glória!”. 807. O homem alcança Deus quando se estabelece em uma, outra, ou todas essas atitudes: “Tudo isto sou Eu”, “tudo isso é o Você”, “Você é o Amo e eu sou Seu servo”. 808. Quando um homem nasce do espírito de Shiva, se torna gñani. Tem uma constante tendência para a consciência de que Brahman só é real e o mundo é falso. Mas se nasce do espírito de Vishnú, nele a fé e a devoção nunca faltam. Se por momentos sofrem diminuição sob a influência de raciocínio e conhecimento dialético, com o passar do tempo aumentam imensamente, tal como a músala (a maça) que causou a destruição da dinastia dos Yadava. 809. O Gangá (Ganges) do Conhecimento, que flui no coração do gñani, corre em uma só direção. Para o gñani o universo inteiro é um sonho. Ele vive sempre em seu próprio Ser. Mas o Gangá do Amor no coração do devoto, nem sempre corre em uma mesma direção. Tem sua alta e baixa maré (seu fluxo e refluxo). O devoto ora ri, ora chora, ora dança, ora canta. Ele ama viver e gozar da presença de Deus. Nesse oceano de felicidade, aprecia precipitar-se, nadar, flutuar ou mergulhar como um bloco de gelo dançando na água, indo para cima e para baixo, movido pelas ondas. 810. Segundo os Puranas, o devoto está separado de Deus. O homem é uma entidade e Deus outra. Este corpo é como uma vasilha. A mente, o intelecto e o ego são, por assim dizer, como a água contida na vasilha e Brahman é como o sol que se reflete na água. Assim, o devoto é o espectador das variadas manifestações Divinas. Mas, de acordo com a Vedanta, só Brahman é a realidade, a substância e tudo o mais é maya, irreal como o sonho. A vara do “ego” flutua sobre a superfície do oceano de Brahman. Se a vara é tirada, o mar parece como uma indivisa extensão de água. Mas quando a vara está ali, a água parece dividida em duas partes, uma a cada lado da vara. Quando alguém entra em samadhi, surge o conhecimento de Brahman. Então o ego se desvanece. Segundo a Vedanta, o estado de vigília não é real. 811. Nárada e outros mestres, mesmo depois de ter alcançado o Conhecimento, viveram como bhaktas para o bem do mundo. 812. O Mestre: Bhakti é a lua, gñana é o sol. Ouvi que no extremo norte e no extremo sul há oceanos, cujas águas, por causa do frio, se congelam parcialmente, formando grandes massas de gelo, entre as que os barcos ficam aprisionados. Um devoto: Os homens ficam assim também aprisionados na metade do caminho, na senda de bhakti? O Mestre: Sim, é verdade, acontece assim. Mas isso não importa, pois o gelo que retém o bhakta é a água solidificada do oceano do Conhecimento-Existência-Felicidade Absoluta. Raciocine: “Só Brahman é real, o universo é falso”, o gelo se derrete sob o sol de gñana e o que fica? Somente a água sem forma do oceano da Existência-Conhecimento-Felicidade. 813. Gñana é como um homem, bhakti é como uma mulher. O Conhecimento só pode entrar até a sala de visitas de Deus, mas o Amor pode entrar em Seus cômodos privados. 814. Um gñani e um bhakta atravessavam um bosque. No caminho virem um tigre. O gñani disse: “Não há motivo para fugir; o Todo Poderoso Deus certamente nos protegerá”. O bhakta respondeu: ‘Não, não irmão, melhor é que fujamos. Para que incomodar o Senhor, quando podemos fazer algo por nosso próprio esforço?”. IV. O CAMINHO DA AÇÃO Que é o karma-yoga? 815. Karma yoga é a comunhão com Deus por meio do Trabalho. Ashtanga yoga, ou raja yoga é karma yoga, se praticado sem apego. Conduz à comunhão pela meditação e concentração. É karma yoga o cumprimento dos deveres do chefe de família, como obras altruístas, sociais e políticas, quando são realizadas desapegadamente e com somente o fim de glorificar a Deus. Fazer o culto de acordo com as escrituras, repetir em silêncio o “nome” de Deus e praticar outros atos piedosos dessa natureza, também são karma yoga, quando realizadas sem apego e para a glorificação de Deus. O fim do karma yoga é o mesmo que o das demais yogas, ou seja: a realização de Deus, Impessoal, Pessoal ou ambos. 816. No caso de uma pessoa dotada de sattva (pureza), os deveres tendem a desaparecer. Mesmo tentando cumpri-los, não pode ocupar-se de nenhum trabalho. Deus não o deixa trabalhar. Por exemplo, se uma nora está próxima a dar a luz, pouco a pouco deixa de fazer todo o trabalho doméstico e quando acontece o nascimento, a mãe é deixada sem nenhuma outra ocupação, para que possa atender a criança. Aqueles que não estão dotados de da qualidade e sattva, têm que cumprir seus deveres no mundo. Com completa dedicação ao Senhor, eles devem se portar como os servidores das casas dos ricos. Isto é o que se chama karma yoga. Seu segredo consiste em repetir o nome do Senhor e meditar nEle tanto quanto seja possível e, ao mesmo tempo, cumprir os próprios deveres, com o espírito de dedicação a Deus. 817. Tudo o que você oferece a Deus retorna a você mil vezes aumentado. Por isso, no final de todo karma (culto) se deve verter um pouco de água com a concha na mão, dedicando os frutos do karma a Krishna (Deus). 818. Quando Ydhisthira estava por oferecer até seus pecados a Krishna, Bhima o advertiu: “Não, não faça isso, pois tudo o que oferecer a Krishna retornará a você mil vezes aumentado”. (Yudhisthira era o irmão mais velho de Arjuna, do Bhagavad Guita e Bhima, o segundo irmão). A devoção como salvaguarda no caminho da ação 819. O trabalho sem apego é extremamente difícil, especialmente nesta idade. Por isso é que a comunhão por meio da oração e devoção a Deus foi prescrita como mais adequada para esta época, mais do que a comunhão por meio do Conhecimento e da filosofia. Ninguém, contudo, pode ser impedido de atuar. Toda operação mental implica em ato. A consciência de “Eu sinto”, “Eu penso”, implica em ação. Significa que o caminho da devoção, em relação ao Trabalho (karma) é simplificado mediante a devoção e o amor a Deus. Em primeiro lugar, a devoção leva a mente a Deus reduzindo, assim, a quantidade de trabalho. Em segundo lugar, ajuda a trabalhar desapegadamente, pois não se pode amar a Deus e, ao mesmo tempo, amar as riquezas, os prazeres, a fama ou o poder. Quem provou uma bebida preparada com açúcar cande, não tem interesse por beber algo preparado com melado. 820. Nesta idade, o trabalho sem devoção a Deus não tem pernas para se manter parado. É como o cimento sem areia. Cultive primeiro a devoção. As demais coisas, escolas, enfermarias, etc., você terá como acréscimo, se quiser. Primeiro a devoção, depois o trabalho. O trabalho, afastado da devoção e amor a Deus, não tem base e não pode se sustentar. 821. Para esta Koli Yuga (idade negra), se recomenda o Naradija, Bhakti ou comunhão com Deus por meio do amor, da devoção e da entrega de si mesmo, tal como foi praticada e pregada pelo rishi Nárada. Há escasso tempo para o karma yoga, ou seja, cumprir os vários deveres que prescreve o ritual das escrituras. A conhecida cocção das dez raízes medicinais, chamada de dashamula pachana, não é um remédio que sirva para passar a febre, hoje em dia. O paciente corre o risco de morrer antes que o medicamento surta efeito. Portanto, o que está na ordem do dia é “fever mixture” (especifico contra a febre). 822. Um discípulo: A pressão do trabalho obstaculiza a entrega da mente a Deus, não é assim? O Mestre: Oh, sim! Não há dúvida de que é assim, mas um gñani pode trabalhar sem apego e então o trabalho não o prejudicará. Se você deseja sinceramente, o Senhor o ajudará, de modo que as ligações do trabalho irão se desfazendo. 823. Sri Ramakrishna disse uma vez a Iswar Chandra Vidyasagar, um grande filantropo da Índia: “Sua natureza é feita do elemento sattva, que conduz à iluminação e ao verdadeiro Conhecimento. Mas seu sattva está na fase em que o impulsiona a ser ativo e dedicar-se a fazer boas obras. A caridade, a compaixão, a bondade para com os demais, etc., são boas coisas, quando praticadas sem apego. Se forem praticadas assim e forem acompanhadas pelo bhakti (devoção ao Supremo), conduzem a Deus”. 824. Deve-se pensar em Deus somente durante a meditação e logo esquecê-Lo durante o resto do tempo? Você notou que durante o Durja Puja se mantém uma lâmpada constantemente acesa perto da imagem? Nunca deve ser permitido que se apague, pois se isso acontecer, o dono da casa pode sofrer uma desgraça. Do mesmo modo, depois de instalar a Deidade no loto de seu coração, você deve manter a lâmpada de Sua lembrança sempre acesa. Enquanto se ocupa dos assuntos do mundo deve, de tempos em tempos, voltar seus olhos para seu interior, para ver se a lâmpada está acesa ou não. A ação como serviço é igual ao culto 825. Um dia Sri Ramakrishna expôs a substância do culto que se rende a Sri Gouraga (Chaitanya) da seguinte forma: “Esta fé insiste em que o homem deve cultivar sempre três coisas: deleitar-se no ‘nome’ do Senhor, ter amante simpatia para com todos os seres vivos e servir aos devotos. Deus e Seu ‘nome’ são idênticos. Sabendo disso, se deve tomar o ‘nome’ do Senhor com grande fervor e amor. Os devotos de Deus devem ser respeitados e adorados, com a convicção de que não há diferença entre o Senhor e Seus adoradores, entre Krishna e os vaishnavas. Com o conhecimento de que o universo inteiro constitui a família do Senhor, se deve ter compaixão por todas as criaturas...”. Pronunciando as palavras “compaixão por todas as criaturas”, bruscamente o Mestre entrou em samadhi. Depois de um tempo, ao estar em estado semiconsciente, o Mestre exclamou: Compaixão pelas criaturas! Compaixão pelas criaturas! Miserável! Você que é mais inferior que um verme, como se atreve a falar de piedade pelas criaturas! Quem você é para sentir piedade por elas? Não, não. Não tem que ter compaixão pelas criaturas, mas servir-lhes com a convicção de que elas são Deus Mesmo! O trabalho é um meio, não o fim 826. Dirigindo-se a um grupo de entusiastas reformadores sociais, o Mestre lhes disse: Vocês falam de fazer bem ao mundo com muita desenvoltura. Mas acreditam, por acaso, que o mundo ao qual desejam fazer o bem é algo tão pequeno? Logo, quem vocês são para fazer bem ao mundo? Primeiro, pratiquem exercícios espirituais e vejam Deus. Depois, quando receberem do Altíssimo as inspirações e o poder, poderão falar de fazer bem. Mas não antes disso. Um devoto: O senhor quer dizer que devemos abandonar todo o trabalho até vermos Deus? O Mestre: Não, meu querido senhor. Por que devem abandonar todo o trabalho? A meditação, cantar os hinos sagrados, repetir Seu santo “nome” e outros exercícios devocionais, tudo é o que devem fazer. O devoto: Me refiro ao trabalho relacionado com o mundo. Devemos deixar toda a ocupação mundana? O Mestre: Vocês podem atendê-lo também, mas somente quanto ao que seja indispensável para viver neste mundo. Mas ao mesmo tempo devem orar ao Senhor, com lágrimas nos olhos, para que os conceda Sua graça e lhes dê força para cumprir seus deveres, sem esperar recompensa e sem temer nenhum castigo, tanto neste mundo como no outro. 827. Vocês não podem deixar de trabalhar porque a natureza o impele a isso. Sendo assim, vocês devem trabalhar com desapego. O trabalho feito com desapego conduz a Deus. Trabalhar sem apego significa trabalhar sem esperar recompensa e sem temer nenhum castigo neste mundo e nem no outro. O trabalho feito assim é um meio para o fim e Deus é este fim. 828. O trabalho é um meio, se feito com desapego, sendo o fim da vida ver Deus. Devo repetir que os meios não devem ser confundidos com o fim, que a primeira etapa do caminho não deve ser considerada como a meta. Não, não veja o trabalho como fim e ideal da existência humana. Ore para ter devoção a Deus. Suponha que teve a boa sorte de ver Deus. Que Lhe pediria? Lhe pediria hospitais e enfermarias, tanques e fontes, ruas e casas de caridade? Não, estas coisas são reais enquanto não virmos Deus. Mas uma vez que estamos cara a cara com a visão Divina, veremos que todas essas coisas são irreais e transitórias, como os sonhos. Então pediremos mais luz, mais conhecimento e amor Divino, o amor que nos eleva do estado humano ao Divino, o amor que nos faz realizar que somos realmente filhos do Ser Supremo, de quem nada se pode dizer, a não ser que Ele existe, que Ele é o Conhecimento mesmo, no mais elevado sentido e que Ele é a eterna fonte de amor e a felicidade. 829. Referindo-se a um de Seus devotos, o Mestre disse uma vez: “Sambhu Mal-lick fala de fundar hospitais e enfermarias, escolas e colégios, de abrir estradas e tanques, para o bem de todos. Eu lhe disse: Tudo isso é bom, mas você deve ser desapegado enquanto o faz. Ademais tenha cuidado de ter a seu cargo somente os trabalhos que se apresentam em seu caminho e que sejam de premente necessidade. Você não deve ir em busca de trabalho. Não deve buscar mais trabalho além dos que possam fazer o bem, pois do contrário perderá o Senhor de vista”. Ação e abstenção da ação 830. O homem no qual surgiu o sattva puro, só medita em Deus e não encontra prazer em nenhum outro ato. Alguns nascem com este sattva puro por causa de suas ações passadas. Mas é possível desenvolver essa qualidade pura, se persistir em executar trabalhos inegoístas com espírito de devoção e dedicação a Deus. Quando sattva tem a mistura de rajas, a mente se distrai em várias direções e nasce nela o sentimento egoísta que lhe faz dizer: “Eu farei bem ao mundo”. É muito arriscado, para os jivas comuns, querer fazer bem ao mundo. Mas é bom, se um homem trabalha sem motivos ulteriores, para o beneficio dos demais. Não há perigo nisso. Essa espécie de trabalho se chama nishkama karma. É realmente de se desejar o trabalho deste modo. Mas nem todos podem fazê-lo! É muito difícil! 831. Todos têm que trabalhar. Somente uns poucos podem renunciar ao trabalho. Essa espécie de sattva puro se encontra em muitas poucas pessoas. Se uma pessoa continua fazendo seu trabalho com devoção e desapego, o sattva se purga do elemento rajásico. Quando o homem alcança o estado puramente sáttvico, realiza Deus. Uma pessoa comum não pode compreender o estado de sattva puro. 832. A renúncia ao trabalho vem por si mesma, quando o intenso amor a Deus inunda o coração. Que trabalhem aqueles que são induzidos por Deus a trabalhar. Chegado o momento, deve-se renunciar a tudo e dizer: “Vem, oh mente minha! Contemplemos, juntos, a Divindade que está no altar do coração!”. 833. Sandhya (pregações e ritos) termina no gayatri (meditação no maior mantra dos Vedas); o gayatri termina no Pranava (Om, símbolo de Brahman) e o Pranava mergulha em samadhi (êxtase, realização de Deus). Assim, todo karma (sandhya e os demais) termina no samadhi. 834. Enquanto a mente não se absorver em Satchidananda, o homem deve fazer ambas as coisas: orar ao Senhor e atender o trabalho no mundo. Mas quando a mente se absorver em Deus, não há mais necessidade de nenhum trabalho. Por exemplo, tomemos como ilustração o kirtan. Um homem canta: “Nitai amar mata hati (Meu Nityananda é como um elefante no cio)”. No princípio, o cantor coloca atenção nos detalhes: o tom, o tempo, a melodia, etc. mas quando vai absorvendo-se no canto, só diz: “Mata hati”, “Mata hati”. Quando entra em um estado de maior absorção, diz simplesmente: “Mata, hati”. E quando está mais absorvido ainda, apenas pode dizer: “ha, ha”. 835. Por isso digo que, a princípio, se dá muita importância ao karma (rezas e rituais). Mas a medida em que você avança para Deus, o karma diminui. Finalmente, chega a renúncia a todo trabalho e a absorção em samadhi. Mas em alguns, o corpo fica para cumprir a missão de ensinar ao mundo. Sábios como Narada e Encarnações Divinas como Sri Chaitanya, são exemplos disso. Depois de cavar um poço, alguns jogam fora as pás e as cestas. Em troca, outros as guardam, com a idéia de que possam servir a alguns de seus vizinhos. Essas grandes almas sentem compaixão pelo sofrimento do mundo e não são tão egoístas como para ocupar-se de obter o gñana (Conhecimento) somente para eles. CAPÍTULO XVII O DIVINO BRAHMAN – ABSOLUTO IMPESSOAL OU SUPERPESSOAL. BRAHMAN E A REALIDADE DA EXPERIÊNCIA RELATIVA. A DEIDADE PESSOAL, TAMBÉM CONHECIDA COMO ISVARA, MAYA E SHAKTI. DEUS EM TUDO. O DIVINO COM FORMA E SEM FORMA. ALGUMAS FORMAS DIVINAS. DIVINA IMANÊNCIA. O DIVINO E A RESPONSABILIDADE MORAL DO HOMEM. Brahman – absoluto impessoal ou superpessoal 836. Que idéia se pode ter de Brahman? Brahman não pode ser explicado com palavras. Se ao pedir a um homem que descreva o oceano a outro que nunca o viu, a única coisa que poderá dizer é : “Se parece com uma vasta planície de água, é uma imensa extensão de água. Há água, água por todos os lados”. 837. Os Vedas, Tantras, Puranas e todas as escrituras sagradas do mundo, se tornaram uchchhista (contaminadas, como o alimento expelido pela boca), por assim dizer, porque saem da boca humana e são repetidas tantas vezes pelos homens. Mas Brahman, o Absoluto, nunca foi contaminado, pois ninguém ainda foi capaz de expressá-Lo com palavras. 838. Qual é a natureza de Brahman? Brahman é sem atributos, sem movimento, imutável, firme como o monte Meru. 839. Brahman não está ligado ao bem, nem ao mal. É como a chama de uma lâmpada. Com a ajuda de sua luz pode-se ler o Bhagavatam (livro sagrado da Índia) e também se pode falsificar um documento. Brahman pode ser comparado, também, com uma serpente. A serpente tem veneno em suas presas, mas que isso importa? O veneno não a afeta. Por outro lado, causa a morte das criaturas que morde. Do mesmo modo, a miséria, o pecado e todos os males que vemos no mundo, somente existem com relação a nós. Brahman está acima e mais além dessas coisas. O bem e o mal que há na criação, não o são para Brahman. Não se pode julgá-Lo de acordo com a regra humana de bem e de mal. 840. Brahman está acima e mais além do conhecimento e da ignorância, do bem e do mal, do dharma e adharma (religiosidade e irreligiosidade), está mais além de toda dualidade. 841. Brahman está mais além da mente e da palavra, mais além da concentração e da meditação (dhárana e dhyana), mais além do conhecedor, do objeto conhecido e do conhecimento, mais além da concepção do real e do irreal. Em suma, está mais além de toda relatividade. 842. O Absoluto é como o ar que leva os odores, sejam bons ou maus, mas jamais é contaminado por eles. 843. O Absoluto está mais além de todos os atributos, mais além de tudo o que se relaciona com maya. Brahman e a realidade da experiência relativa 844. Só Deus é real. Suas manifestações como seres viventes e o mundo (jivas e jagat) são aparentes, ou seja, não são eternas. 845. É fácil dizer que o mundo é uma ilusão, mas quem sabe realmente o que significa isso? É como queimar cânfora, que não deixa nenhum resíduo. Nem sequer pode se dizer que é como queimar madeira, a qual deixa cinzas. Somente quando termina o discernimento e se alcança o mais elevado samadhi, se desvanece todo o conceito de “eu”, “você” e o universo. 846. Enquanto instruía um discípulo, o guru levantou dois dedos, indicando a dualidade de Brahman e maya. Logo, baixando um dedo, ensinou ao discípulo que quando maya se desvanece, nada fica do universo. Somente o Absoluto Brahman é. 847. Brahman, o Absoluto e Incondicionado, só pode ser realizado no samadhi. Então, tudo é silêncio – todo esse falar de realidade e irrealidade, jiva e jagat, conhecimento e ignorância, cessa. Somente fica a Existência (Ser) e nada mais. Porque realmente a boneca de sal não nos conta mais nada, quando se dilui no oceano infinito. Isto é Brahmagñana. 848. Pergunta: Como surgiu a ilusão no Atman indiferenciado, ao diferenciar-se na alma individual? Resposta: O dialeto advaitista (monista), enquanto se apóia no reduzido poder de sua razão, responde a essa pergunta dizendo: “Não sei”. Somente a resposta dada pela realização é conclusiva. Enquanto você diz “sei” ou “não sei”, você considera a si mesmo como uma pessoa e como tal, deve tomar tais diferenciadores como fatos e não como ilusão. Quando a personalidade é apagada por completo, então se realiza o conhecimento do Absoluto em samadhi. Somente então essas perguntas sobre ilusão e não ilusão, real e ficção, se calam para sempre. 849. Enquanto você for uma pessoa, seu Absoluto deve, por força, implicar em algo “relativo”, seu nitya (o Imutável) deve implicar em uma lila (mutável); sua Substância, qualidades; seu Impessoal, um “ser pessoal”; seu Uno, o “múltiplo”. 850. Enquanto você estiver no plano da relatividade, deve admitir a manteiga e o soro, deve admitir Deus Pessoal e o universo. Para explicar a analogia, pode-se dizer que o leite original é Brahman, que realiza no samadhi, a “manteiga” é Deus Pessoal-Impessoal e o “soro” é o universo constituído de vinte e quatro categorias. 851. O advaitista (monista) não deve dizer: “Minha posição é a única correta, racional e sustentável e aqueles que crêem no Deus Pessoal estão equivocados”. As manifestações pessoais de Deus não são, de modo algum, menos reais, mas infinitamente mais reais que o corpo, a mente e o mundo externo. 852. Enquanto você fala de advaita (monismo), deve admitir a dvaita (pluralismo). Falando do Absoluto, supõe o “relativo”. Pois seu absoluto, enquanto não realizar no samadhi, será quando muito o correlativo de “relativo”, se não for, realmente, uma mera palavra oca. Não poderá, talvez, estabelecer que é, pois quando tratar de fazê-lo, o colorirá com um elemento estranho, isto é, com sua própria personalidade. 853. Enquanto existir o “eu” em mim, também haverá ante mim o Deus Pessoal, que se revela em várias formas de glória, como o mundo e os seres viventes. A deidade pessoal conhecida também como Isvara, maya e shakti 854. Quando o Ser Supremo é concebido como inativo, que não cria, nem preserva, nem destrói, eu O chamo com o nome de Brahman ou Purusha. Mas quando penso nEle como ativo, que cria, preserva e destrói, O chamo de Shakti, maya, ou prakriti. 855. Falando da teoria Samkhya, a qual sustenta que o mundo procede de Purusha e de prakriti, um dia o Mestre disse: “A filosofia Samkhya diz que Purusha é inativo e prakriti é a que atua. O Purusha é tão somente uma testemunha das atividades de prakriti. A prakriti, por sua vez, não pode fazer nenhum trabalho sem a presença de Purusha. Notou o que acontece em uma casa durante uma boda? O dono da casa está sentado em um lugar e sem mover-se, dá ordens, enquanto fuma em um narguilé. Em troca, a dona da casa se move daqui pra lá, observando-se em seu vestido salpicos de cúrcuma (especiaria de cor amarela, muito usada na cozinha hindu). Ela fica muito ocupada, dirigindo e inspecionando, fazendo os arranjos necessários e recebendo, com cordialidade, as mulheres e crianças. De tempos em tempos, ela vai para onde está o marido e lhe presta conta de tudo pedindo, ao mesmo tempo, seu conselho, por meio de gestos e movimentos dos lábios. Compreendendo tudo o que ela está lhe manifestando, o dono da casa se limita a expressar seu consentimento, movendo sua cabeça. Igual a este caso é a prakriti e o Purusha”. 856. O inativo Brahman e a ativa Shakti são, na realidade, uma só e mesma coisa. Aquele que é a Existência-Inteligência-Felicidade Absoluta é, também, a Onisciente, Toda-inteligente e Toda-Felicidade Mãe do Universo. A pedra preciosa e seu brilho são uma só e mesma coisa, pois você não pode imaginar a pedra preciosa sem seu brilho e vice-versa. 857. Deus, o Absoluto e Deus pessoal, são um e o mesmo. Crer em um, implica em crer no outro. O fogo não pode ser concebido sem seu poder de queimar, nem o poder de queimar fica separado do fogo. Os raios do sol não podem ser concebidos sem o sol, nem o sol separado de seus raios. Você não pode pensar na brancura do leite separando o leite, nem o leite sem sua brancura. Do mesmo modo Deus, como o absoluto, não pode ser concebido separado da idéia de Deus com atributos, ou seja, Deus Pessoal, e vice-versa. 858. Na realidade, a distinção entre Brahman e Shakti é só aparente. Brahman e Shakti são um, indivisível (Abheda), o mesmo que o fogo e seu poder de queimar. Brahman e Shakti são um, o mesmo que o leite e sua brancura. Brahman e Shakti são um, como a jóia e seu brilho. Você não pode conceber um sem o outro, ou estabelecer diferença entre eles. 859. Onde quer que haja ação – criação, preservação e destruição – ali está Shakti. A água é água, estando em descanso ou agitada. Esse único Absoluto, Existência-Inteligência-Felicidade, é a eterna Energia inteligente que cria, preserva e destrói. O “Capitão” (Viswanath Upadhyaya, agente do governo do Nepal ante o governo da Índia) é o mesmo, esteja inativo ou ocupado em várias atividades, tais como fazer o culto ou ir visitar o Governador Geral. É o mesmo “Capitão” e suas atividades representam seus diferentes upadhis ou estados. 860. Assim como às vezes estou vestido e outras vezes desnudo, assim também Brahman algumas vezes tem atributos e outras não. Saguna Brahman (Deus com atributos) é Brahman, em combinação com a Energia (Shakti). Então é chamado Iswara ou Deus Pessoal. 861. Saiba que minha Divina Mãe é uma e múltipla e também que está mais além do um e do múltiplo. 862. Minha Divina Mãe é a única existência que se manifesta em múltiplas formas. Tendo infinito poder é Ela Mesma quem se manifesta como jiva e jagat (os seres viventes e o universo) com seus múltiplos poderes – físico, intelectual, moral e espiritual. Minha Divina Mãe não é outra que o Brahman da Vedanta. Ela é o aspecto pessoal de Brahman impessoal. Deus em tudo 863. O reto discernimento é de dois tipos, analítico e sintético. O primeiro, partindo do fenômeno, conduz a Brahman, o Absoluto, enquanto que, mediante o segundo, leva a saber que Brahman, o Absoluto, aparece como o universo. 864. Mesmo aqueles que realizaram o Absoluto em samadhi descem ao plano inferior da consciência sensória e conservam suficiente ego, como para ter comunhão com Deus Pessoal. É muito difícil elevar a voz constantemente até o “ni” (si), que é a nota mais alta da escala musical. Daí a necessidade da devoção ao Deus Pessoal. 865. Aquele que desce do samadhi ao plano sensório, fica com um ego delgado como uma linha (rekha), uma longitude sem largura, ou seja, suficiente individualidade somente para receber a visão espiritual (divya-chakshus). Isto permite ver que o jiva e jagat, incluindo seu próprio ser, são manifestações do Um. Esta gloriosa visão se abre para o vigñani (conhecedor espiritual) que tenha realizado o Nirakara Nirguna Brahman (Brahman sem forma e atributos) em jada ou nirvikalpa samadhi (êxtase sem conteúdo objetivo) e também realizou a Sákara Saguna Brahman (Brahman com forma e atributos) em chetana ou savikalpa samadhi (êxtase com conteúdo objetivo). Enquanto você for uma pessoa com um ego próprio, não lhe será possível conceber e perceber Deus de outro modo que não seja como uma pessoa. O Incondicionado só lhe será revelado, tanto interna como externamente, como um ser condicionado, ou seja, como Deus Pessoal. As manifestações pessoais da Divindade não são, de nenhum modo, menos reais que o corpo, a mente e o mundo externo. São, antes, mais infinitamente reais que estes. 866. Há involução e evolução. Você retorna ao Ser Supremo e sua personalidade se perde nEle – isto é samadhi. Logo, com uma personalidade mais elevada, desanda a caminhada e volta ao ponto de partida, para ver que o universo e seu ego têm sua origem no mesmo Ser Supremo e que Deus, o homem e a Natureza são idênticos, de modo que, ao seguir a um deles, realizará o outro. 867. Aquele a quem pertence a lila (este universo de mudanças, cuja manifestação pode ser chamada um jogo de Deus) também pertence a nitya (o estado absoluto). Ele mesmo é nitya e lila ao mesmo tempo. É através da lila você chega a nitya. Logo, nitya pode voltar à lila – a qual você já não verá como algo irreal, mas como manifestação de nitya no plano sensório. 868. Da mesma forma como a casca, a polpa e o caroço e um fruto são produzidos pela mesma semente, Deus procede com a criação inteira, animada e inanimada, espiritual e material. 869. O Mestre costumava dizer: “Eu aceito tudo, o estado supraconsciente, o estado de vigília, o estado de sono e sono profundo, Brahman, jiva, a criação. Eu aceito tudo isto (diferentes estados ou manifestações de Ser). De outro modo, o peso total sofreria diminuição. Assim eu aceito ambas as coisas, o Absoluto e a manifestação”. 870. Se somente Deus existe, como teve lugar este mundo, com suas diversidades e desigualdades, causadas pelos egos individuais? Referindo-se a este mistério, o Mestre costumava dizer: “É Seu jogo, Sua lila! Um rei tem quatro filhos. Todos eles são príncipes, mas quando jogam, um se faz de ministro, outro de policial e assim por diante. Um príncipe desempenhando, contudo, o papel de policial!”. O Divino com forma e sem forma 871. “Qual dos aspectos de Deus é mais elevado: o aspecto com forma ou o sem forma?”. A esta pergunta o Mestre respondeu: “O aspecto sem forma é de duas classes: maduro e imaturo. O aspecto sem forma maduro certamente é muito elevado. Este estado é alcançado através de Deus com forma. Mas o aspecto imaturo sem forma, tal como foi professado pelos ‘brahmos’, é parecido com a obscuridade percebida com o fechar dos olhos”. 872. Deus é sem forma e também tem forma. Além do mais, Ele transcende a forma e o sem forma. Somente Ele sabe tudo o que é. 873. Você sabe com o que se parece o aspecto com forma da Divindade? É como as bolhas que se levantam sobre a superfície da água. Pode-se ver claramente as diferentes formas que surgem de chidakasa (céu da consciência pura). A Encarnação Divina é uma dessas formas. 874. A menos que alguém veja Deus, não é possível realizar tudo isso. Por amor aos que amam a Deus, o Senhor se manifesta de vários modos e em várias formas. O tintureiro tem seu próprio método de tingir os tecidos. Ele pergunta ao cliente: “De que cor quer que eu tinja o tecido?”. Se o cliente diz vermelho, o tintureiro mergulha o tecido em uma tina e ao tirá-lo, diz: “Aqui está seu tecido tingido de vermelho”. Se outro cliente quiser sua vestimenta de cor amarela, o tintureiro a mergulha na mesma tina e a tira tingido de cor amarela. Do mesmo modo, quando alguma outra cor é requerida, azul, laranja, violeta ou verde, o tintureiro usa a mesma tina com idêntico resultado. Um cliente que havia observado o seu trabalho, se adiantou e lhe disse: “Meu amigo, eu não gosto de nenhuma cor. Desejaria consultar seu próprio gosto e tingir meu traje como lhe satisfaz. Quero a cor com a qual você mesmo tenha se tingido”. O Senhor se manifesta com forma ou sem forma, de acordo com a necessidade do devoto. A visão das manifestações Divinas é relativamente real, isto é, é real com relação às diferentes pessoas colocadas em diferentes condições e ambientes. Somente o Divino Tintureiro sabe de que cor tingiu a Si Mesmo. Na verdade, Ele não está ligado por nenhuma limitação quanto às formas de manifestação ou a ausência delas. 875. Um monge foi visitar o templo de Jagannath, em Puri. Ele tinha dúvidas sobre se Deus é com forma ou sem forma. Quando viu a sagrada imagem, quis examiná-la para tirar a dúvida. Moveu seu bastão da esquerda para a direita, para ver se tocava a imagem. Por um instante não pode ver nada, nem tocou em nada com seu bastão. Pensou, então, que Deus não tem forma. Mas quando moveu o bastão da direita para a esquerda, tocou a imagem. O monge chegou à conclusão de que Deus é sem forma e também tem forma. 876. Quando se toca um sino, os repetidos ding-dongs podem ser distinguidos uns dos outros, como se cada som tivesse uma forma própria. Mas quando se pára de tocar, o som indefinido que é audível por um instante, gradualmente se apaga, parecendo não ter forma. Parecido com os sons do sino, Deus é com e sem forma. 877. Deus com forma é visível. Sim, podemos tocá-Lo e falar com Ele cara a cara, como com o nosso mais querido amigo. 878. Pensar em Deus como um Ser sem forma é perfeitamente correto. Mas nem por isso você deve ter a idéia de que só seu ponto de vista é verdadeiro e tudo o mais é falso. Meditar em Deus como um Ser com forma é igualmente justo. Contudo, você deve seguir seu próprio ponto de vista, até que realize Deus. Depois tudo se aclarará. 879. Deus é Brahman, o Absoluto e eterno e também o Pai do universo. Mas Brahman, o indivisível, que é Existência-Inteligência-Felicidade pura é incompreensível como um vasto oceano sem limites e sem margens, no qual só lutamos e nos afundamos. Mas quando nos unimos ao espírito brincalhão de Deus Pessoal, obtemos facilmente a paz, como o náufrago que é levado suavemente até a margem. 880. Em certa etapa do caminho da devoção, o devoto encontra satisfação em Deus como possuindo forma e em outra etapa, em Deus sem forma alguma. 881. Ao bhakta (devoto), o Senhor se manifesta de várias formas. Mas quando o devoto alcança as alturas de Brahma-gñana (conhecimento supremo) em samadhi, o Senhor é novamente Brahman incondicionado, sem forma e sem atributos. Aqui há a conciliação entre gñana e bhakti. 882. Como o gelo não é outra coisa senão água congelada, assim a forma visível do Todo-Poderoso é a manifestação materializada do onipresente Brahman sem forma. Com efeito, pode ser chamado de Satchidananda solidificado. Como o gelo, que se forma e faz parte da água, fica na água e logo derrete e converte-se em água. Assim o Deus Pessoal, que é parte e manifestação do Impessoal, surge do Impessoal, fica no Impessoal e, finalmente, mergulha e desaparece nAquele. 883. O fogo em si não tem nenhuma forma definida, mas como brasas ardentes assume diferentes formas. E assim, ao fogo que não tem forma, o vemos dotado de formas. De modo similar, Deus sem forma cobre a Si Mesmo, às vezes, com formas definidas. Algumas formas divinas 884. Deus se manifesta de várias maneiras, algumas vezes em forma humana, outras como uma expressão espiritual (chinmaya-rupa). Mas devemos crer nas formas Divinas. 885. Ninguém pode dizer como é Satchidananda. É por isso que Ele tomou primeiro a forma de ardhanarisvara (metade homem e metade mulher). Sabe por que assim fez? Para demonstrar que a prakriti e o Purusha são Ele Mesmo. Em um degrau mais baixo, Satchidananda tomou a forma de vários purushas e prakritis. 886. A água do mar, vista de longe parece azul escuro, mas se você pegar um pouco dessa mesma água em sua mão, verá que é pura e límpida. Da mesma forma Krishna aparece azul de longe, mas na realidade não é assim. Ele é o Absoluto, impoluto e incolor. 887. Sri Krishna é chamado Tribhanga (inclinado em três direções diferentes). Somente o que é brando pode ser curvado. Assim, essa forma de Sri Krishna implica que Ele foi abrandado pelo prema ou amor extático. 888. Um devoto: Por que a Divina Mãe é chamada de Yogamaya? O Mestre: Yogamaya significa união de Purusha e prakriti. Você não viu a imagem de Kali Shiva, Kali parada sobre Shiva? Shiva jaz estendido como um cadáver, Kali está de pé com os olhos fixos em Shiva. Tudo isto indica a união de Purusha e prakriti. O Purusha é inativo, daí que Shiva jaz inerte como um cadáver. Mas em virtude da união com Ele, a prakriti faz tudo: cria, preserva e destrói. O mesmo significado tem a imagem de Radha e Krishna juntos. 889. Deus perde Seus atributos de grandeza na medida em que você avança para Ele. Talvez a primeira visão que o aspirante tem é a de Durga com dez mãos (forma da Ama Suprema do Universo). Nessa forma, há uma grande expressão de poder e de grandeza. Logo a Deidade aparece com duas mãos. Já não há dez braços com suas respectivas armas. Em seguida segue a visão de Gopala. Não há aqui nenhuma expressão de poder e grandeza, é simplesmente a forma de um terno menino. Há uma visão superior a isso, a visão da efulgente Luz. Divina imanência 890. Deus está em todos os homens, mas todos os homens não estão em Deus. É por isso que sofrem. 891. Cada objeto é Narayana (Deus). O homem é Narayana, o animal é Narayana, o sábio é Narayana e o patife também é Narayana. A Deidade (Narayana) joga de vários modos. Todas as coisas são Suas diferentes formas e as manifestações de Sua glória. 892. Deus disse: “Eu sou a serpente que morde e o encantador que cura a ferida. Eu sou o juiz que condena e o carrasco que infringe o castigo”. 893. A manifestação de Shakti (o Divino poder) varia segundo os diversos centros de Sua atividade, pois a variedade é a lei, não a semelhança. Deus é imanente em todas as criaturas, ele está até na formiga. A diferença está somente na manifestação. 894. O Divino poder é maior naqueles que são honrados, respeitados e obedecidos por um grande número de pessoas, do que naqueles que não têm tal influência. 895. Pergunta: Como mora o senhor no corpo físico? Resposta: Ele mora no corpo da mesma maneira que o êmbolo em uma seringa. Está no corpo e, no entanto, está separado do corpo. O divino e a responsabilidade moral do homem 896. Pergunta: Se Deus se converteu em tudo, então não existem o pecado e a virtude? Resposta: Existem e não existem, ao mesmo tempo. Enquanto Deus preserva o ego em nós, Ele também retém em nós a percepção da dualidade e a consciência do pecado e da virtude. Mas às vezes, em algumas pessoas, Ele apaga completamente o ego. Então eles vão além do bem e do mal. Enquanto não se realizar Deus, a percepção da dualidade e a idéia de bem e de mal, seguramente existirão. Você pode dizer com palavras, que o bem e o mal são iguais para você e que você faz o que Deus lhe impulsiona a fazer. Mas no fundo do seu coração, você sabe que essas são meras palavras, pois no momento em que você cometer alguma má ação, a consciência começa a lhe remoer. 897. Pergunta: Se é Deus quem me faz atuar, então eu não sou responsável pelos meus pecados, não é assim? Resposta: Duryodhana também se expressou da mesma maneira. Ele disse: “Oh Senhor! O Senhor habita em meu coração e eu faço o que o Senhor me faz fazer”. Mas quem realmente crê que Deus é o único fazedor e que sendo só um instrumento não pode cometer nenhum pecado. Um perfeito bailarino nunca dá um passo em falso. Na verdade, até que o coração não se purifique, nem sequer será possível acreditar na existência de Deus. 898. Um devoto: Eu tenho uma dúvida. Dizem que nossa vontade é livre e que podemos fazer tudo o que queremos, seja bom ou mau, isto é certo? É certo que nossa vontade é livre? O Mestre: “Tudo depende da vontade do Senhor! Tudo isto é Seu jogo. Ele nos faz várias coisas e de variadas maneiras, boas e más, grandes e pequenas, frágeis e fortes. Todas estas coisas procedem, em última instância, dEle. Os homens bons, os homens maus, todos são Sua maya, Seu jogo. Como, por exemplo, as árvores de um jardim não são iguais em sua altura e beleza”. “Enquanto não realizamos Deus, pensamos que nossa vontade é livre. Mas é Ele que mantém o homem nessa ilusão. De outro modo haveria um grande número de pecados. As pessoas não temeriam fazer o mal, nem haveria castigo para o crime e o pecado”. “Mas você sabe qual é a atitude de quem realizou Deus? Ele sente e diz: ‘Eu sou a máquina, o Senhor é o maquinista, eu sou a casa, o Senhor é quem a habita, eu sou o carro, o Senhor é o Condutor; eu me movimento como o Senhor me faz movimentar, eu falo como o Senhor me faz falar!’”. 899. Deus impele o ladrão a roubar e, ao mesmo tempo, previne o dono da casa contra o ladrão. É Ele quem faz tudo. CAPÍTULO XVIII REALIZAÇÃO DO DIVINO PSICOLOGIA HUMANA COM RESPEITO À REALIZAÇÃO DE DEUS. A KUNDALINI E O DESPERTAR ESPIRITUAL. FALSOS ÊXTASES. PERCEPÇÃO DE FORMAS E SONS DIVINOS. O SAMADHI E A REALIZAÇÃO DE BRAHMAN. A PSICOLOGIA DO SAMADHI. VIGÑANA QUE VEM DEPOIS DO SAMADHI. Psicologia humana com respeito à realização de Deus 900. Este corpo, que se compõe dos “cinco elementos” é chamado corpo denso. O corpo sutil consiste de manas, buddhi, chitta e ahamkara (mente, intelecto, impressões e ego). O corpo no qual se realiza a felicidade e a visão de Deus e continua desfrutando de Sua união, é o corpo causal. Nos Tantras é chamado de Bhagavati-tanu (corpo divino). Mais além de tudo está o Mahakarana – a Causa Primária. 901. Quando a mente está apegada à consciência do mundo externo vê os objetos densos e habita em annamaya-kosha, o envoltório físico da alma, que provém da comida. Quando a mente é dirigida para dentro é como fechar a porta de uma casa e entrar nos cômodos privados, ou seja, a mente passa do denso para o sutil, do sutil para o causal, até que a mente mergulhe no Absoluto e já nada possa ser dito sobre isto. 902. Sri Chaitanya costumava experimentar três espécies de “estados”: 1. O estado consciente, no qual Sua mente morava nos corpos denso e sutil. 2. O estado semiconsciente, no qual Sua mente se remontava ao corpo causal e desfrutava da “felicidade causal”. 3. O estado supraconsciente, no qual Sua mente mergulhava completamente no Mahakárana, a grande Causa Primária. Há uma grande semelhança entre isto e os “cinco envoltórios” ou koshas, da Vedanta: annamaya e pranamaya koshas formam juntos o corpo denso. Manomaya e vigñanamaya koshas formam o corpo sutil e anandamaya-kosha forma o corpo causal. A Causa Primária está mais além de todas estas koshas. Quando Sua mente mergulhava na Causa Primária, Sri Chaitanya entrava em samadhi. Este estado é conhecido pelo nome de nirvikalpa samadhi ou yada samadhi. A kundalini e o despertar espiritual 903. A menos que a Kundalini 1 (Energia Divina) seja despertada, não acontecerá o despertar espiritual. A kundalini dorme no muladhara. Quando é despertada, Ela entra no sushumna, passa através do svadhishthana, manipura e outros centros até que, finalmente, chega ao centro cerebral. Então acontece o samadhi. Eu vi claramente todos estes centros. 1. Às vezes a kundalini é traduzida como “poder serpentino”. É a potencialidade espiritual adormecida, que está localizada nos centros nervosos, como o svadhishthana e manipura, até que alcança, no cérebro, o sahasrara. Esse poder é a Divina Shakti (Energia Divina) existente no homem. O progresso espiritual é descrito, algumas vezes, como o despertar desta energia latente e sua ascensão ao longo da corrente nervosa da espinha dorsal (sushumna), através de seus seis diferentes centros como o svadhishthana e o manipura, etc., até chegar ao centro supremo situado no cérebro. À medida que a energia espiritual ascende, o homem tem experiências espirituais mais e mais elevadas. 904. Um dos signos da realização de Deus é que a Grande Energia (Maha-vary) desperta subitamente e sobe à cabeça. Então a pessoa entra em samadhi e tem a visão de Deus. 905. Referindo-se ao despertar da kundalini, o Mestre descreveu Sua própria experiência deste modo: “Quando Ela desperta experimento, às vezes, uma sensação de formigamento dos pés à cabeça. Enquanto não chega até o cérebro, conservo a consciência, mas quando ali chega, permaneço morto para o mundo exterior. As funções de ver e ouvir cessam. E quem vai falar, então? A distinção entre “eu” e “você”, de desvanece. Algumas vezes trato de dizer o que vejo e sinto, quando esse poder misterioso sobe até aqui, ou até aqui (apontando o coração e a garganta). Neste estado é possível falar, o que eu faço. Mas quando a kundalini sobe mais além daqui (apontando a garganta), alguém tapa minha boca, por assim dizer, e solto as amarras. Mais de uma vez me proponho a relatar tudo o que sinto, quando a kundalini sobe mais acima da garganta, mas quando penso nisso, a mente sobe rapidamente e o assunto fica terminado!”. Muitas vezes o Mestre tentou descrever este estado mas foi impossível fazê-lo. Certa vez ele estava muito decidido a relatar aos presentes Suas experiências e prosseguiu com a descrição do estado em que a energia se acha ao nível da garganta. Logo, apontando para o sexto centro, que está entre as sobrancelhas, disse: “Quando a mente chega a este ponto, obtém-se a visão do Paramatman e entra em se samadhi. Somente um véu fino e transparente separa a jiva do Paramatman. Então se vê...”. Ao tentar explicar os detalhes, o Mestre entrou em samadhi! Quando sua mente desceu um pouco, tentou outra vez, mas novamente submergiu em samadhi! Depois de várias tentativas infrutíferas, disse com lágrimas nos olhos: “Bem, eu desejo sinceramente contar tudo, sem ocultar nada de vocês, mas a Mãe não me deixa! Ela me amordaça!”. 906. Em outra ocasião, referindo-se aos diferentes modos de como a kundalini sobe ao cérebro, o Mestre disse: “A kundalini, ao subir ao cérebro, não segue sempre a mesma espécie de movimento. As escrituras falam de cinco espécies de movimento. Primeiro, o movimento como o de uma formiga: tem-se uma sensação de formigamento dos pés até a cabeça, como se uma fileira de formigas estivesse subindo, levando o alimento em suas bocas. Quando chega ao cérebro, o sádhaka (aspirante espiritual) entra em samadhi. Segundo, o movimento parecido com o de uma rã: do mesmo modo que as rãs dão dois ou três pulos em rápida sucessão e logo param um instante para prosseguir de novo, assim se sente que algo avança das pernas ao cérebro. Quando ali chega, o homem obtém o samadhi. Terceiro, o movimento serpenteante: como as cobras, que ficam enroscadas ou estendidas sem mover-se, mas quando vêem uma vítima ou se assustam, começam a correr em zigue-zague, assim o poder “serpentino” corre para a cabeça e isto produz o samadhi. Quarto, o movimento do pássaro: como os pássaros, que ao ir de um lugar para outro voam às vezes mais alto e às vezes mais baixo, sem parar, até chegarem ao seu destino, assim a energia espiritual avança até chegar ao cérebro e a isto se segue o samadhi. Quinto e último, o movimento parecido com o do macaco: como os macacos, quando querem passar de uma árvore a outra, saltando de galho em galho e cruzam a distância com dois ou três saltos, assim o yogui sente que a kundalini chega ao cérebro e produz o samadhi”. 907. Outras vezes o Mestre costumava relatar estas experiências, do ponto de vista Vedântico, da seguinte forma: “A Vedanta fala de sete planos e, em cada um deles, o sádhaka tem uma particular espécie de visão. A mente humana tem uma tendência natural de limitar suas atividades nos três centro inferiores, sendo o mais alto destes, o que se encontra na altura do umbigo e, portanto, se contenta com a satisfação dos apetites físicos comuns, tais como comer, etc. Mas quando a mente chega ao quarto centro, que está na altura do coração, o homem vê uma fulgência Divina. Neste estado, contudo, pode tornar a cair nos três centros inferiores. Quando a mente chega ao quinto centro, na altura da garganta, o sádhaka não pode falar de nenhuma outra coisa que não seja Deus. Enquanto eu me encontrava neste estado, se alguém falava de assuntos mundanos na minha presença, sentia um violento golpe na minha cabeça. Para evitar isso, me escondia no Panchavati (lugar afastado). Fugia das pessoas mundanas e os parentes me pareciam um abismo, no qual temia cair e perecer. Me sentia sufocado em sua presença, quase ao ponto de morrer e só me sentia aliviado quando me afastava eles. Mesmo neste estado, o homem pode se resvalar e cair nos três centros inferiores. Portanto deve-se ficar sempre em guarda. Mas fica livre de todo temor assim que sua mente chega ao sexto centro, que está entre as sobrancelhas. Se obtém, então, a visão do Paramatman (o Supremo) e fica sempre em samadhi. Há somente um fino e transparente véu entre esse lugar e o sahasrara, que é o centro mais elevado. Encontra-se, então, tão perto do Paramatman, que se imagina ter mergulhado nEle. Mas na realidade não é assim. Neste estado, a mente pode baixar ao quinto ou até o quarto centro, mas não mais abaixo. Os sádhakas comuns, classificados como “jivas”, não podem descer deste estado. Depois e permanecer em samadhi, constantemente, por vinte dias, rompem esse tênue véu e se unem com o Senhor para sempre. Esta eterna união do jiva com o paramatman no sahasrara, é o que significa alcançar o sétimo plano”. Falso êxtase 908. Referindo-se a um homem que costumava experimentar uma espécie de excitação emotiva que externamente se parecia com o samadhi, o Mestre disse: “No verdadeiro êxtase, a pessoa mergulha nas regiões mais profundas de seu próprio ser e fica absolutamente imóvel. Mas o que vemos aqui! Você sabe a que se pode comparar esta espécie de êxtase? É como ferver uma colherada de leite em uma grande panela. A panela parece estar cheia de leite, mas ao tirá-la do fogo, não verá uma só gota. Pois mesmo a pequena quantidade que havia, fica aderida a panela”. Percepção de formas e sons divinos 909. A realização de Deus é de dois tipos: um consiste na união do jivatman com o Paramatman (ser individual com o Ser Supremo) e a outra, em ver Deus em Sua manifestação pessoal. A primeira é chamada gñana e a segunda, bhakti. 910. Filhos meus, realmente Deus pode ser visto. Assim como estamos sentados juntos e conversamos, de igual modo podemos ver Deus e conversar com Ele, eu lhes juro!. 911. A manifestação de Deus Pessoal é, geralmente, uma Forma Espiritual que pode ser vista somente pela alma humana purificada. Em outras palavras, estas formas de Deus são realizadas mediante os órgãos da visão espiritual pertencentes ao corpo espiritual (bhagavatitanu), cuja origem é o Senhor. Assim, o homem perfeito é o único que pode ver estas Formas Divinas. 912. Quando se perguntou se aqueles que vêem Deus, vêem com os olhos físicos, o Mestre respondeu: “Não, Deus não pode ser visto com os olhos físicos. No curso da sádhana, se forma no aspirante um “Corpo de Amor”, com os olhos e ouvidos de Amor e com esses vê e ouve Deus”. 913. O som anahata é produzido por si mesmo e continua incessantemente. É o som do pranava (OM). Procede de Brahman, o Supremo e é audível para o yogui. Os homens mundanos não podem ouvi-lo. O yogui sabe que esse som surge, por um lado, do centro psíquico que corresponde ao umbigo e, por outro, de Brahman, o Supremo. 914. Qual é o estado da mente no samadhi? É como o estado de felicidade que experimenta um peixe vivo quando, depois de ter estado fora da água por certo tempo, volta a seu elemento. 915. Misterioso é o sagrado estado no qual não se reconhece nem mestre, nem discípulo. O Brahma-gñana (realização de Brahman) é tão misterioso, que quando é alcançado, já não há mais diferença entre guru e discípulo. 916. Assim como a lâmpada levada a um cômodo que esteja às escuras durante séculos o ilumina imediatamente, a luz de gñana ilumina o jiva e dissipa sua ignorância de milênios. 917. Ao perguntar ao Mestre se no estado de samadhi ele era consciente do mundo objetivo, respondeu: “Há colinas e montanhas, vales e planícies no fundo do mar, mas não são visíveis da superfície. Do mesmo modo, no samadhi só se vê a vasta extensão de Satchidananda e a consciência individual permanece neste estado latente”. 918. No verdadeiro gñana não há o mínimo vestígio de egotismo. Sem samadhi, o gñana não aparece. O gñana é como o sol do meio-dia, sob o qual, ao olhar ao nosso redor, não vemos nem sequer a própria sombra. Do mesmo modo, quando o homem alcança o gñana ou samadhi, não pode ter nenhuma sombra de egotismo. E embora fique algo do ego, tem por certo que este está, agora, composto de vidya (elementos puramente divinos) e não de ignorância ou avidya. 919. Ao perguntar ao Mestre se Buda era ateu, Ele respondeu: “Não era ateu. O que aconteceu é que não podia expressar suas realizações (porque eram de natureza subjetiva). Vocês sabem que significa Buda? Chega a ser uma só coisa com ‘Bodha’, a Suprema Inteligência. Significa converter-se, por meio da profunda meditação, na Inteligência Mesma. O estado que se experimenta na realização do Ser é algo entre asti e nasti, ‘existir’ e ‘não existir’. O ‘existir’ e o ‘não existir’ são modificações de prakriti (natureza). A Realidade está além de ambos os estados.” 920. Transcenda o conhecimento e a ignorância. Ignorância é a consciência da multiplicidade, isto é, o conhecimento da diversidade sem o conhecimento da Unidade, sem o conhecimento do único Deus. O egotismo causado pela erudição, provém da ignorância. A convicção de que Deus está em todos os objetos, que há unidade na diversidade, se chama conhecimento da Unidade. Conhecer a Ele intimamente é realização (vigñana). Suponha que você tem um espinho encravado no pé. Para tirá-lo, necessita de outro espinho. Uma vez tirado o primeiro espinho, jogue fora os dois. Da mesma forma, para livrar-se do espinho da ignorância, use o espinho do conhecimento (relativo). Depois livre-se de ambos, conhecimento e ignorância, com a convicção de alcançar a completa realização do Absoluto. Porque o Absoluto está além do conhecimento e da ignorância. Lakshmana disse uma vez ao seu Divino irmão Rama: “Oh Rama! Não é estranho que um homem como Vasishtha Deva, que possuía o conhecimento Divino, chorou quando perdeu seus filhos e ninguém pode confortá-lo?”. Então Rama lhe respondeu: “Irmão, lembre que quem possui conhecimento relativo sobre a Unidade (Deus) deve, ao mesmo tempo, ter ignorância relativa também”. O conhecimento e a ignorância, nesse caso, são correlativos, pois o conhecimento e a Unidade no universo pressupõem o conhecimento da diversidade. Quem sente a existência da luz, também nota a existência da escuridão. O Absoluto está além do conhecimento e da ignorância (relativos), além do vício e da virtude, das boas e más ações, da limpeza e da sujeira, tal como estas coisas são compreendidas pelas limitadas faculdades do homem. Alguém perguntou: “O que é que fica depois de tirar os espinhos, como o Senhor chama o conhecimento e a ignorância?”. O Mestre: “Bem, o que fica é a eternamente pura e absoluta Consciência (nitya-suddha-buddha-rupam). Mas como posso lhe explicar? Suponha que alguém lhe perguntasse que gosto tem a manteiga fresca. Poderá explicar? O melhor que poderá dizer é: ‘O sabor que a manteiga tem é, precisamente o sabor da manteiga’. Uma moça solteira perguntou a uma amiga: ‘Você já tem marido. Diga-me, que espécie de satisfação você tem quando está com ele’. A amiga respondeu: ‘Minha querida, como posso lhe explicar? Você saberá quando também tiver marido’”. A psicologia do samadhi 921. Quando o ninho é destruído, o pássaro retorna ao espaço azul. De forma similar, quando a consciência do corpo e do mundo externo é apagada da mente, o jivatman (alma individual) sobe ao céu de Paramatman (supremo Espírito) e mergulha em samadhi. 922. O humano deve morrer antes que a Divindade se manifeste. Mas por sua vez, o divino (estado de nobres qualidades) deve morrer, antes que tenha lugar a suprema manifestação da Bendita Mãe (Brahmamaji). É sobre o peito da divindade (que aparece como) morta (Shiva), onde a Bem-aventurada Mãe dança Sua dança celestial. 923. Quando se queima cânfora, não fica resíduo. Quando o discernimento termina e se alcança o mais elevado samadhi, não fica o “eu”, nem o “você”, nem o universo, pois a mente e o ego mergulham em Brahman, o Absoluto. 924. Quando o ego se desvanece, o jiva morre (desaparece seu conceito individual) e a isto se segue a realização de Brahman em samadhi. Então é Brahman, e não o jiva, quem realiza Brahman. 925. Ao sustentar um devoto que Deus está além do alcance das palavras, dos pensamentos e dos sentidos e que a mente não pode alcançá-Lo, observou o Mestre: “Isso não é exatamente assim. É certo que a mente limitada não pode realizar Deus. Mas Ele pode ser realizado pela mente pura (suddha manas), a qual é a mesma coisa que o espírito puro e incondicionado. Na verdade, Deus não pode ser realizado pela razão finita, ou pela mente relativa e condicionada, que tem a natureza sensória, devido ao seu apego à ‘luxúria e o ouro’. Se a mente se educa pode, entretanto, desfazer-se de sua adesão ao sensório e purificar-se. Uma vez libertado de todos os apegos, desejos e tendências mundanas, se unifica com o espírito incondicionado. Não foi assim como os antigos sábios viram Deus? Eles viram Deus, o Espírito incondicionado, por meio da mente purificada, descobrindo que esta é uma só e mesma coisa com o Atman, o espírito incondicionado que mora no íntimo de cada um”. 926. Deus está mais além da mente e do intelecto, enquanto estes se encontram limitados pelo relativo, mas quando se purificam, Deus se manifesta. A luxúria e a cobiça tornam a mente impura. Enquanto a avidya (ignorância) reinar no coração, a mente e o intelecto não poderão purificar-se. Ordinariamente, a mente e o intelecto são conhecidos como diferentes um do outro, mas no estado puro, se tornam um e resultam em Chaitanya (Consciência Pura). Então Deus, Chaitanya, se manifesta a Chaitanya. Vigñana que vem depois do Samadhi 927. Gñana é a realização do Atman pela eliminação de todo o fenômeno. Eliminado o fenômeno pelo processo do discernimento (entre o Real e o relativo), o homem obtém o samadhi e realiza o Atman. E vigñana significa “conhecer com maior plenitude”. Alguns ouviram falar do leite, outros o viram, enquanto que outros o provaram. Aquele que só ouviu falar do leite é um ignorante. Aquele que o viu, é um gñani. Mas aquele que o provou, alcançou o estado de um vigñani, isto é, o conheceu em sua totalidade. Ao ver Deus e ter relações íntimas com Ele, como se fosse um parente muito próximo, é o que se chama vigñana. Primeiro você deve seguir o processo de neti, neti, “isto não”, “isto não”. Deus não é os cinco elementos. Não são os sentidos, não é a mente, não é a inteligência, nem é o ego. Ele existe mais além de todas as categorias. Para subir ao terraço, você deve deixar para trás todos os degraus da escada, um por um. Certamente os degraus não são o terraço. Mas quando chega a ele, você vê que foi feita da mesma forma que a escada: de ladrilhos, cal, areia e cimento. É o mesmo Brahman Supremo que se tornou jiva-jagat (as vinte e quatro categorias dos filósofos). Aquele que é o Atman é o mesmo que se converteu nos cinco elementos. Você pode perguntar por que é tão dura a terra, se procede de Atman. Por Sua vontade, tudo é possível. A carne e os ossos não são feitos de sangue e sêmen? Não se torna dura a espuma do mar? Depois de obter o vigñana, o homem pode continuar a viver no mundo. Então percebe claramente que Deus mesmo é também o mundo das substâncias animadas e inanimadas e que Ele não está fora do mundo. Quando Ramachandra obteve o gñana e se recusou a ficar no mundo, Dasaratha O enviou a Vasishtha para que fosse instruído. Vasishtha disse a Ramachandra: “Rama, se o mundo está fora de Deus, pode abandoná-lo”. Ramachandra ficou silencioso, pois Ele bem sabia que nada existe fora de Deus. 928. Como na música as notas sobem gradualmente do tom mais baixo ao mais alto e logo volta a descer em ordem inversa, assim o homem, depois de experimentar a não-dualidade no samadhi, pode descer a um plano inferior e viver com a consciência do ego. Para descobrir o miolo de uma bananeira, deve-se tirar as várias camadas que a recobre. Ms logo se dará conta de que as várias camadas pertencem a mesma planta e são necessárias, do mesmo modo que o miolo, para que o tronco seja um todo completo. 929. Quando analisamos uma fruta de bel, encontramos as várias partes que a constituem: a casca, a semente e a polpa. Agora, qual destas partes é a fruta? Primeiro desprezamos a casca como algo não essencial, depois fazemos o mesmo com as sementes, até que, no final, separamos a polpa e a consideramos a fruta real. Mas depois surge o pensamento de que a mesma fruta que tem a polpa, também tem a casca e a semente. Tudo isto junto forma a fruta inteira. De modo similar, depois de ter a percepção direta de Deus em Seu aspecto sem atributos, o homem realiza que é a mesma Deidade, cuja existência é eterna, que assumiu, como um jogo, a forma do mundo. 930. Uma vez Sri Ramakrishna perguntou a Narendra (Swami Vivekananda) qual era o ideal de sua vida. “Ficar absorto em samadhi”, respondeu Narendra. “Como você pode ter uma mente tão limitada?”, lhe disse o Mestre. “Vá além do samadhi. O samadhi é pouca coisa para você!”. O Mestre disse a outra pessoa: “Bhava (êxtase divino) e bhakti, estes não são o fim”. 931. Em outra ocasião, Sri Ramakrishna fez a Narendra a mesma pergunta e recebeu a mesma resposta. Então o Mestre falou: “Acreditei que você tinha mais fibra! Como pode ficar satisfeito com um ideal unilateral? Minha força consiste em que vejo o ideal de todos os ângulos. Gosto, por exemplo, de comer o peixe de muitas maneiras: frito, fervido, na sopa, guisado, ou de outra forma. Eu gozo no Senhor não somente em Seu estado incondicionado de Unidade, ou seja, como Brahman sem qualidades, em samadhi, mas também em Suas várias benditas manifestações, estabelecendo com Ele doces relações humanas. Faça você o mesmo. Seja gñani e bhakta ao mesmo tempo”. CAPÍTULO XIX O HOMEM DE REALIZAÇÃO DIVINA VARIEDADE DE HOMENS PERFEITOS. O ADVENTO DO DIVINO NO CORAÇÃO. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA PERFEIÇÃO ESPIRITUAL. DESAPEGO DO HOMEM PERFEITO. O HOMEM PERFEITO TRANSCENDE O BEM E O MAL, MAS NUNCA FAZ O MAL. O HOMEM PERFEITO E O TRABALHO. Variedade de homens perfeitos 932. As pessoas não se dão conta de que a ciência de ocupa somente do conhecimento condicionado e não trazem nenhuma mensagem da terra do Incondicionado. Tal mensagem tem sido trazida pelos homens santos que vieram e realizaram Deus, como os antigos rishis. São eles que são competentes para dizer: “Deus tem esta natureza”. 933. Há neste mundo cinco classes de siddhas (homens perfeitos), a seguir: 1. Os svapna-siddhas, ou aqueles que alcançam a perfeição por meio da inspiração alcançada em sonhos; 2. Os mantra-siddhas, ou quem alcança a perfeição por meio de um mantra, ou sagrado nome de Deus; 3. Os hathat-siddhas, ou aqueles que alcançam a perfeição repentinamente, como um homem pobre que subitamente se torna rico, encontrando um tesouro oculto ou casando-se com uma mulher rica. De modo similar, há pecadores que repentinamente se purificam e entram no reino dos Céus; 4. Os kripa-siddhas; são os que obtêm a perfeição pela graça de Deus. Como um homem, ao penetrar em um bosque, descobre um tanque ou uma antiga casa e não necessita se incomodar em construí-los. Assim, algumas pessoas afortunadas obtêm a perfeição com muito pouco esforço de sua parte. 5. Os nitya-siddhas, ou sempre perfeitos. Assim como as abóboras primeiro dão o fruto e em seguida a flor, as almas sempre perfeitas nascem siddhas e todos os seus aparentes esforços para obter a perfeição, são para servir simplesmente de exemplo para a humanidade. 934. O homem perfeito entre os shaktas é chamado de koula, entre os vedantistas é chamado de paramahansa e entre os vaishnavas da seita baul, se chama sñai. 935. Há pessoas que depois de comer uma manga, limpam os lábios para que os outros não percebam. Mas também há quem, quando consegue uma manga, chamam os outros para compartilhar com ele. Do mesmo modo há alguns que, uma vez que tenham realizado a Divina Felicidade, não têm descanso, ajudando aos demais a realizá-la. O advento do Divino no coração 936. Aquele que viu Deus é um homem transformado. 937. Há algumas pessoas que já estão despertos. Eles têm certas características. Não lhes interessa ouvir ou falar de coisa alguma que não se relacione com Deus. São como o pássaro chataka que só anseia pela água da chuva, mesmo que os sete mares, o Gangá, o Yamina e todos os demais rios estejam cheios de água. Embora sua garganta esteja abrasada pela sede, o chataka não bebe outra água que não seja a da chuva. 938. Quais são os indícios do advento de Deus no coração humano? Como a luz da aurora é o arauto que anuncia a saída do sol, assim o inegoísmo, a pureza e a retidão precedem o advento do Senhor. 939. Antes de visitar a casa de um de seus súditos, para que lhe dar hospitalidade o rei manda para o local, tirando dos armazéns reais, assentos, ornamentos, comida e tudo o que seja necessário, para que o súdito possa receber devidamente a seu amo e render-lhe homenagem. De igual modo, o Senhor manda ao devoto amor, reverência e fé, antes de aparecer em seu anelante coração. 940. Ananda, ou perfeita felicidade interna é um dos sinais da visão de Deus. As ondas se agitam na superfície do oceano, mas a imensa extensão de água nas profundidades está calma. 941. Quando uma pessoa alcança a Felicidade Divina fica completamente embriagada e mesmo sem provar o vinho, se parece com um ébrio. Quando vejo os pés de minha Divina Mãe, me sinto embriagado, como se tivesse bebido cinco garrafas de vinho. Em tal estado não se pode ingerir alimentos sem discriminação. 942. Qual é o estado que um siddha (homem perfeito) alcança? Assim como uma batata ou uma berinjela amolece depois de siddha 1 (cozida) assim, quando se chega ao estado de siddha, se torna terno e humilde. 1. Há aqui um jogo de palavras, pois siddha, em bengali, tem dois significados: “homem perfeito” e “bem cozido”. Algumas características da perfeição espiritual 943. É um verdadeiro Atma-gñani, conhecedor do Ser, aquele que está morto mesmo em vida, ou seja, aquele cujas paixões e desejos tenham sido destruídos como em um cadáver. 944. Uma vez Sri Ramakrishna disse a Keshab Chandra Sem: “Se avançar um pouco mais e pregar doutrinas cada vez mais elevadas, sua ‘seita’ se fará em pedaços. No estado de gñana, a formação de seitas não tem sentido e é algo tão enganoso como o sonho”. 945. Quando um homem obtém o verdadeiro gñana não percebe Deus como um ser longínquo. Não O sente como “aquele”, mas como “isto”, “aqui dentro”, ou seja, O percebe dentro de sua própria alma. Deus está em todos. Quem quer que O busque, O encontra dentro de sua própria alma. 946. Uma jarra submergida na água parece cheia de água dentro e fora. Do mesmo modo, a alma que está submersa em Deus vê o onipresente Espírito dentro e fora (de si mesmo). 947. Depois de obter a realização Divina, o homem vê Deus em todas as partes e em todas as coisas. Mas no homem está Sua maior manifestação, sendo ainda maior nos devotos cheios de sattvaguna, que não tem a mínima paixão por “mulher e ouro”. 948. É certo que quando o devoto realiza Deus deseja contemplar Seu “jogo” (lila). Quando Ramachandra entrou na cidade dos rakshasas (demônios), depois da destruição de Rávana, a anciã Nikasha (mãe de Rávana) quis fugir. Lakshmana disse: “Que é isto, Rama? Nikasha é tão velha e sofreu tanto pela morte de seus filhos, no entanto teme perder a vida e foge!”. Rama tratou de tranqüilizar Nikasha e lhe perguntou o porquê de sua fuga. Ela respondeu: “Oh! Rama! Porque eu vivi muitos anos, pude ver muitos de Seu ‘jogo’. Portanto, quero viver mais tempo e, assim, poder mais de Seu ‘jogo’”. 949. Pode haver maya em uma alma emancipada? As jóias não podem ser feitas com ouro puro. É necessário ligá-lo com outro metal. Enquanto o homem tiver corpo deve ter também algo de maya, pelo menos o suficiente para permitir que o corpo continue desempenhando suas funções. Um homem completamente desprovido de maya não pode sobreviver mais do que vinte e um dias. 950. Quando uma cabra é decapitada seu corpo se move por certo tempo, dando sinal de vida. De modo semelhante, quando o homem perfeito perde o ahamkara (egotismo), decai o suficiente para poder cumprir com as funções da vida física. Mas não é suficiente para atá-lo novamente ao mundo. 951. O corpo nasce e deve morrer. Mas não há morte para a alma. Quando a noz de betel está madura, o caroço se separa da casca, mas é muito difícil separá-la quando está verde. Quando se realiza Deus, alvorece a consciência de que a alma está separada do corpo. 952. Quando Jesus foi crucificado pelos judeus como pode pedir, apesar de Seu sofrimento, que eles fossem perdoados? Se uma casca de coco comum é perfurada por um cravo, este penetra na polpa da fruta. Mas no caso de uma noz ou amêndoa seca, o caroço se separa da casca e esta pode ser perfurada, sem tocar o caroço. Jesus era como uma noz seca. Sua alma estava separada de sua casca física. Em conseqüência, os sofrimentos do corpo não O afetavam. Embora Sua carne estivesse atravessada pelos cravos, Ele pode orar com serena tranqüilidade para o bem de Seus inimigos. Desapego do homem perfeito 953. Quando as folhas de um coqueiro caem, deixam marcas no tronco. Essas marcas indicam que antes houve folhas ali. Do mesmo modo, aquele que realizou Deus somente conserva as marcas ou cicatrizes da ira e da paixão. Sua natureza é como a de uma criança. Não tendo nada de sattva, rajas e tamas, uma criança abandona qualquer objeto com a mesma facilidade com que se apega a ele. Você pode persuadi-la a lhe entregar um tecido que custa várias rúpias em troca de um brinquedo que só vale um pay (centavo), mesmo que no início lhe diga: “Não, não lhe darei este tecido; meu papai me trouxe”. Para uma criança todas as pessoas são iguais. Não há distinção de classe ou de casta. Se sua mãe lhe diz “Fulano é seu irmão”, a criança comerá no mesmo prato com ele, mesmo que se trate de um filho de carpinteiro (de baixa casta). É incapaz de sentir ódio, nem tem idéia alguma de limpeza ou sujeira (suchi e asuchi). 954. Como vive no mundo a alma liberada? Vive no mundo como o mergulhão, o qual submerge na água sem que molhe sua plumagem e as poucas gotas que eventualmente ficarem aderidas, deslizam quando o pássaro sacode as asas. 955. As serpentes são muito venenosas. Mordem se alguém pretende agarrá-las. Mas quem aprendeu a arte de encantá-las não somente conseguem agarrá-las, mas também levam várias delas penduradas no pescoço e braços, como se fossem ornamentos. Do mesmo modo, quem adquiriu o Conhecimento espiritual nunca é afetado pelo veneno da luxúria e da cobiça. 956. Quando cai a cauda do girino ele pode viver indistintamente na água e na terra. Quando o homem perde a cauda da enganosa ignorância, fica livre. Então ele pode viver bem em Deus e no mundo. 957. O vento leva tanto a fragrância do sândalo como o mau odor da carniça, mas não se mistura com nenhum deles. Do mesmo modo a alma emancipada vive no mundo sem misturar-se com ele. 958. O ferro, depois de ter sido convertido em ouro pelo toque da pedra filosofal, pode ser guardado debaixo da terra ou atirado em um monte de lixo. Continuará sempre sendo ouro e não voltará a sua condição anterior. Muito semelhante é o estado do homem cuja alma tenha tocado, mesmo que somente uma vez, os pés do Senhor Todo Poderoso. Inda que viva no burburinho do mundo ou na solidão do bosque, nada poderá contaminá-lo. 959. O leite se mistura rapidamente com a água ao estar em contato com ela. Mas ao convertê-lo em manteiga, já não se misturará com a água, mas flutuará sobre ela. Do mesmo modo a alma, uma vez que alcance o estado de Deus, pode viver constantemente em companhia de inumeráveis indivíduos não regenerados sem ser afetada o mínimo por seu contato. 960. O bem e o mal não podem ligar aquele que realizou a unidade da natureza e de seu próprio ser com Brahman. O homem perfeito transcende o bem e o mal, mas nunca faz o mal 961. Quando um homem se encontra em um vale vê a humilde relva e o soberbo pinheiro e exclama: “Quão grande é a árvore e quão pequena é a erva!”. Mas se sobe a montanha e olha do seu mais alto pico, vê que a relva e as árvores são como uma verde massa distinta. Do mesmo modo, para o olho mundano há diferença de classe e posição, um homem é rei e outro é sapateiro, um é pai e outro é filho e assim por diante. Mas quando se abre a Visão Divina, tudo parece igual e não há diferença alguma entre bom e mau, alto e baixo. 962. Uma vez um sadhu embriagado de Deus foi ao templo de Kali, onde o Mestre estava vivendo. O sábio não tinha o que comer e embora sentisse fome, não pedia nada a ninguém. Mas vendo um cachorro que comia as sobras que tinham sido atiradas a um canto, depois de uma festa, se aproximou e abraçando o cachorro, lhe disse: “Como é, irmão, você come sozinho sem compartilhar a comida comigo?”. Dizendo isto começou a comer junto com ele. Depois de ter comido em tão estranha companhia, o sábio entrou no templo de Kali e orou com tão intenso fervor, que todo o templo vibrou com sua devoção. Quando terminou sua oração, o sadhu se afastou. O Mestre mandou seu sobrinho Hriday o seguir e falar com ele. Quando o sábio viu que Hriday o seguia de certa distância deu a volta e lhe perguntou: “Por que você me segue?”. Hriday respondeu: “Senhor, me ensine algo”. Então o sábio disse: “Quando a água suja deste fosso e a do sagrado Gangá parecerem uma só coisa ante seus olhos, quando o doce som da flauta e o ruído produzido pela multidão não sejam diferentes para seu ouvido, alcançará o estado do verdadeiro Conhecimento”. Quando Hriday voltou e contou ao Mestre o que o sábio lhe havia dito, o Mestre disse: “Esse homem alcançou o estado de verdadeiro êxtase e Conhecimento. Um Siddha vaga de um lugar a outro com múltiplos disfarces: como menino, como um homem muito sujo (pisacha) e até como louco”. 963. O estado de paramahmsa (homem perfeito) é igual ao de uma criança. Como uma criança de cinco anos, ele não vê nenhuma diferença entre homem e mulher. Contudo, para dar exemplo ao mundo, deve estar em guarda contra o sexo. 964. Uma vez uma sannyasini (monja) foi à Corte do rei Janaka. O rei se inclinou ante ela sem levantar os olhos. Notando isto a sannyasini disse: “É muito estranho, oh Janaka, que o senhor tenha tanto temor à mulher!”. Quando alguém alcança o pleno Conhecimento (gñana), sua natureza se torna como a de uma criança e não vê nenhuma diferença entre homem e mulher. 965. Mas estes leves defeitos não têm muita importância no caso de um gñani. A lua tem manchas, mas estas não a impedem de dar a luz. 966. Uma espada de aço, quando toca a pedra filosofal, se torna ouro e embora conserve a forma anterior, não pode causar dano como antes. Do mesmo modo, a forma externa do homem que alcança tocar os pés de Deus não muda, mas ele já não pode causar nenhum mal. 967. Tendo o Divino Conhecimento de advaita (o Único) no bolso, faça tudo o que quiser, pois então será incapaz de fazer mal algum. 968. Uma vez um santo, ao cruzar uma rua cheia de gente, pisou inadvertidamente no pé de um malvado. Ele se encolerizou e bateu no sadhu até deixá-lo inconsciente. Os discípulos lhe deram toda espécie de atenção para que voltasse à consciência e quando notaram que o sadhu estava voltando a si, um deles lhe perguntou: “Senhor, reconhece quem está lhe cuidando agora?”. O sadhu respondeu: “Sim, é o mesmo que me bateu!”. Um verdadeiro sadhu não vê nenhuma diferença entre um amigo e um inimigo. O homem perfeito e o trabalho 969. Aquele que realizou Deus vaga de um lugar a outro, às vezes como um demente, às vezes como um homem sujo (pisacha), não fazendo nenhuma distinção entre o limpo e o sujo. Algumas vezes fica como objeto inanimado, mudo de assombro ao ver Deus dentro e fora de si mesmo. Outras vezes como um menino, completamente desapegado de tudo, vai desnudo levando a roupa embrulhada sob o braço. Mas quando trabalha para o bem dos demais, aquele que viu Deus é bravo como um leão. 970. Quando se alcança o samadhi cessa todo o karma, tal como o culto externo, passar o rosário e as atividades mundanas. No princípio dá-se muita importância ao trabalho. Mas a medida em que se avança para Deus diminuem as ações e até se deixa de orar e cantar o glorioso nome do Senhor. (Dirigindo-se a Shivanath Sastri, de Sadharan Brahmo Samaya): “Até você não chegar à reunião, os assistentes mencionam seu nome, falam de seus êxitos, suas qualidades, etc. Mas quando você aparece, deixam de falar de todas essas coisas. Todos sentem alegria em vê-lo e simplesmente exclamam: ‘Aí vem Shivanath Babu’”. 971. Uma jovem recém-casada, enquanto não for mãe fica muito absorvida pelos deveres domésticos. Mas logo ao ter um filho começa a se descuidar dos afazeres menores, não encontrando prazer neles. Em troca mima o recém-nascido durante o dia todo e o beija com intenso júbilo. Do mesmo modo o homem, em seu estado de ignorância, se ocupa incessantemente de toda espécie de trabalho, mas quando vê Deus em seu coração não encontra mais prazer naquele. Pelo contrário, sua felicidade, então, consiste somente em servir a Deus e fazer Sua vontade. Já não sente satisfação em nenhuma espécie de trabalho e não pode subtrair-se do êxtase da divina comunhão. 972. Quando se realiza Deus, o mundo nunca parece vazio. Aquele que alcançou Deus vê que o Senhor mesmo é quem se converteu no Universo e todas as criaturas. Um homem assim, quando alimenta seus filhos sente como se desse de comer a Gopala (nome de Krishna criança) em pessoa; vê Deus em seus pais e os serve com o mesmo espírito. Acontece que um homem vive no mundo e vive uma vida doméstica, mas depois de realizar Deus, seguramente não poderá mais ter nenhum contato físico com sua esposa. Ambos se tornam amantes de Deus e passam suas vidas em oração e devoção. Servem a todas as criaturas e como Deus está em todos os seres, eles O adoram em tudo. CAPÍTULO XX VISLUMBRE DAS EXPERIÊNCIAS DO MESTRE SEGUNDO SUAS PRÓPRIAS PALAVRAS EXPERIÊNCIAS DOS PRIMEIROS TEMPOS. PRÁTICAS TÂNTRICAS E OUTRAS SÁDHANAS. EXPERIÊNCIA DO ESTADO NIRVIKALPA. ESTADO DO MESTRE DE PERMANENTE COMUNHÃO COM DEUS. COMO O MESTRE ORAVA. O DIVINO NO BEM E NO MAL, IGUALMENTE. O MESTRE DURANTE SUA ENFERMIDADE. O MESTRE, UMA COMBINAÇÃO DE HUMANIDADE E DIVINDADE. Experiências dos primeiros tempos 973. Em sua adolescência, quando Seu irmão maior o repreendia por se descuidar dos estudos, o Mestre costumava responder: “Irmão, que farei com uma instrução que serve simplesmente para ganhar o pão? Melhor seria adquirir a sabedoria que ilumina o coração e que, uma vez conseguida, nos deixa satisfeitos para sempre”. 974. No começo de Sua vida espiritual o Mestre costumava ocultar-se durante a noite em um espesso matagal e ali meditava, completamente nu, sem levar nem sequer o cordão sagrado. Hriday, Seu sobrinho, notou isso e perguntou se a nudez tinha alguma relação com a meditação. O Mestre responde: “Quando alguém medita deve estar livre de todas as ligações. Desde seu nascimento, o homem está aprisionado com oito ligações: o ódio, a vergonha, o orgulho de família, as convenções sociais, o medo, o prestigio, o orgulho de casta e o egotismo. Até o cordão sagrado é uma ligação, pois é um sinal de egotismo que faz sentir que alguém é brahmin e superior a todos. Portanto, quando alguém medita na Divina Mãe, deve sentir-se livre, livrando-se de todas essas ligações”. 975. Houve um período em que o desejo divino do Mestre chegou a tal ponto que não podia suportar viver sem a visão de Deus. Um dia decidiu pôr fim a Sua existência, quando apareceu ante Ele a bendita visão. Tempo depois descreveu a mesma do seguinte modo: “A capela, com todas as suas portas e janelas, o templo todo e tudo o que havia ao meu redor se desvaneceu diante de mim. Senti como se nada existisse e em troca, percebi um ilimitado e fulgente oceano de inteligência. Para onde quer que olhasse via que, em todas as partes, avançavam para mim diversas ondas desse oceano resplandecente, até que me cobriram por completo. Sentindo-me sufocado debaixo delas, perdi a consciência ordinária e caí no chão”. Referindo-se a mesma experiência o Mestre disse, em outra ocasião: “Caí no chão do quarto completamente submerso no êxtase da visão. Estava inconsciente de tudo o que acontecia fora e como passou este dia e o seguinte. A única coisa de que estava internamente consciente era de que, através de minha alma, passavam incessantes ondas de um oceano de felicidade inefável. Até então nunca tinha experimentado nada parecido. Ao mesmo tempo eu estava consciente, no mais íntimo de meu ser, da bendita presença da Divina Mãe”. 976. Mas esta visão não levou o Mestre ao estado de perpétua consciência de Deus. Teve que passar por períodos de sequidão e Seu desejo de obter a constante visão da Divindade O impeliu a orar incessantemente para a Divina Mãe com amargas lágrimas e angustiosos lamentos. Descrevendo o estado de Sua mente naquele período, o Mestre disse: “Ás vezes, meu pranto e rezas atraíam muitas pessoas ao meu redor, mas eu os via como se fossem sombras ou figuras pintadas em um quadro. Me pareciam tão irreais e esfumaçadas que nunca sentia nenhuma espécie de vergonha e timidez diante delas. Mas toda vez que perdia a consciência externa, por uma insuportável angústia no coração, costumava ver, imediatamente, a radiante forma espiritual da Mãe. Às vezes A via sorridente, às vezes falava comigo, ou me aconselhava e consolava”. 977. Descrevendo os dias em que passou em um estado de intenso desejo por Deus, o Mestre disse: “Naquele tempo me esqueci por completo da limpeza do corpo. Tinha os cabelos emaranhados e sujos. Quando me sentava para meditar, meu corpo se punha teso e imóvel como um tronco, por causa da intensa concentração da mente e os pássaros, achando-me um objeto inerte, se aproximavam sem medo, pousavam em minha cabeça e bicavam entre os enredados cabelos em busca de alimento. Às vezes sentia tão intensamente a dor de me ver separado de Deus, que na agonia esfregava o rosto contra o chão até lacerá-lo e fazê-lo sangrar. Estava tão entregue á meditação, à oração e às práticas devocionais, que o dia voava rapidamente sem me aperceber disso. Ao entardecer, o som dos sinos e das conchas que vinha do templo anunciando a chegada da noite, me lembrava que outro dia havia passado. Então um frenético desespero se apoderava de minha alma. Me atirava no chão e esfregando meu rosto no solo, gritava fortemente: Oh Mãe! outro dia se passou, no entanto, a Senhora não apareceu diante de mim! Uma mordente angústia atormentava meu coração e aqueles que me viam assim retorcendo-me de agonia, pensavam que eu estava sofrendo de alguma cólica”. 978. Quando o Mestre retornou a Dakshineswar, depois de Seu casamento, Sua velha loucura tornou a apoderar-se dEle. Referindo-se ao estado de Sua mente naqueles dias, disse: “Um homem comum morre e experimenta somente a quarta parte da metamorfose espiritual pela qual passou meu corpo e minha mente. E mesmo este corpo (referindo-se a Si mesmo) teria a mesma sorte. Mas afortunadamente, passei a maior parte dos dias esquecido de mim mesmo, em extática comunhão com a Mãe. Durante seis longos meses não fechei os olhos e por mais que tentasse, minhas pálpebras permaneciam sempre abertas. Um terrível medo se apoderou de mim à menor reversão de minha mente da Mãe ao corpo. Freqüentemente temia que realmente tivesse enlouquecido. Olhava minha própria imagem no espelho e quando, ao fazer pressão sobre meus olhos os encontrava insensíveis, caía em lágrimas de terror e orava à Mãe: Oh Mãe! Como resultado de todas as minha orações e absoluta confiança na Senhora é que me enviou esta doença incurável? Mas um momento depois surgia um pensamento diferente e dizia: Oh! Mãe, qualquer que seja o destino de meu corpo, não me abandone nunca! Conceda-me Sua visão e Sua misericórdia! Oh Mãe, não me refugiei completamente em Seus sagrados pés? Exceto à Senhora, oh Mãe, não tenho outro refúgio! - E assim orando com os olhos cheios de lágrimas, minha mente se enchia de um estranho entusiasmo e experimentando um ilimitado desgosto pelo corpo, me perdia na Divina visão da Mãe e ouvia suas palavras consoladoras”. 979. A mente pura do Mestre foi seu primeiro e mais importante guru. A esse respeito o Mestre disse: “A qualquer necessidade que surgia, um jovem sannyasin, de aparência exatamente igual a minha, saía de meu corpo e me ensinava tudo. Quando ele saía nessa forma, às vezes, eu conservava uma frágil consciência do mundo externo e outras vezes esquecia completamente do mundo externo e só ficava consciente de sua presença e atos. Quando ele tornava a entrar em meu corpo, eu recobrava a consciência do mundo externo. O que antes eu tinha ouvido dele, esses mesmo ensinamentos, ouvi depois da Brahmani, Totapury e outros. O que eu aprendi com ele, a mesma coisa foi que esses mestres me ensinaram mais tarde”. Práticas tântricas e outras sádhanas 980. Referindo-se a sua sádhana tântrica sob a orientação da bhoirabi (monja) Brahmani, o Mestre disse: “Durante o dia a Brahmani ia a lugares distantes de Dakshineswar para conseguir os raros objetos necessários para a sádhana, segundo as escrituras tântricas. Ao cair da noite ela me pedia que fosse ocupar um dos assentos (já preparados). Eu ia e depois de oferecer minha adoraçao à Mãe Kali começava a meditar de acordo com as instruções da Brahmani. Dificilmente podia passar o rosário pois assim que começava, ficava preso de um imenso fervor e caía em samadhi. Não posso relatar agora as variadas e maravilhosas visões que tive naquele período. Seguiam-se umas às outras, em rápida sucessão e eu sentia, de forma muito tangível, os efeitos daquelas práticas. A Brahmani me fez fazer todas as sádhanas que são mencionadas nas sessenta e quatro principais obras tântricas. Muitos deles são cultos extremamente difíceis e, no geral, os devotos que os praticam resvalam e se afundam na degradação moral. Mas a infinita graça da Mãe me levou através de todas essas práticas sem me prejudicar o mínimo”. 981. O Mestre descreveu o despertar da kundalini deste modo: “Quando alcancei este estado (estado da consciência de Deus) alguém exatamente igual a mim veio e sacudiu totalmente meus nervos ida, píngala e sushumna. Lambeu com a língua os ‘lotos’ dos seis ‘centros’ e, de imediato, as caídas pétalas de loto se dobraram para cima. Por último, o ‘loto’ do sahasrara floresceu em toda sua beleza”. 982. O Mestre descreveu Seu estado mental durante o período em que praticou sádhanas islâmicas do seguinte modo: “Eu então costumava repetir o nome de Alá, vestir-me à maneira dos maometanos e recitar o Namaz regularmente. Todas as idéias hindus foram tiradas de minha mente. Não só deixei de saudar as Deidades hindus, como também não tinha nenhuma inclinação por visitar os templos. Depois de passar três dias nessas práticas, realizei a meta dessa forma de devoção”. 983. Tive que praticar as diferentes religiões, o hinduísmo, o islamismo, o cristianismo. Também tive que conhecer os vários caminhos do hinduísmo como o dos shaktas, o dos vaishnavas, o dos vedantistas e outros. E descobri que todas se dirigem ao mesmo Deus, embora por diferentes caminhos. 984. O Mestre teve a experiência de como morre um homem quando presenciou a morte de Seu amado sobrinho Akshoy. Descrevendo Sua experiência o Mestre disse: “Akshoy morreu ante meus próprios olhos, mas isso não me afetou o mínimo. Estive parado perto dele e contemplei como morria um homem. Foi como se tirasse uma espada de sua bainha. A espada ficou tal como era e a bainha ficou vazia. Apreciei a cena e ri e dancei de alegria. Em seguida levaram o corpo e o cremaram. Mas no dia seguinte, estando na varanda ao sudeste de meu quarto, senti uma pena atormentadora pela perda de Akshoy. Parecia que alguém torcia meu coração, como se fosse uma toalha molhada. Fiquei assombrado e pensei que a Mãe estava me ensinando uma lição. Nem sequer me importava com o corpo, muito menos com um sobrinho. Mas se seu desaparecimento tinha me causado tanta pena, quanto maior deve ser a dor de um homem do lar, quando perde seus entes queridos!”. Experiência do estado nirvikalpa 985. Descobrindo Sua experiência do Nirvikalpa samadhi, o Mestre disse: “Depois da iniciação, ‘O Desnudo’ (assim respeitosamente Sri Ramakrishna chamava o Seu guru o qual, sendo um sannyasin naga, ficava geralmente desnudo) começou a me ensinar as várias conclusões da Vedanta Advaita (monista) e me pediu que afastasse minha mente de todos os objetos e a mergulhasse no Atman. Mas apesar de todas as minha tentativas, (a princípio) não pude cruzar o reino do ‘nome e forma’ e levar minha mente ao estado do incondicionado. Não tinha nenhuma dificuldade em retirar minha mente de todos os objetos, mas não podia afastá-la da muito familiar e radiante forma da Bem-aventurada Mãe, feita da essência da Consciência Pura, a qual aparecia ante mim como uma realidade vivente e me impedia de ir mais além do reino do ‘nome e forma’. Toda vez que tentava concentrar minha mente no ensinamento Advaita, a forma da Mãe me bloqueava o caminho. Desesperado disse ao ‘Desnudo: ‘É impossível. Não posso levar minha mente ao estado incondicionado e me enfrentar com o Atman’. Ele se excitou e me disse, de modo cortante: ‘Como não pode! Mas você tem que fazê-lo!’. Deu uma olhada ao redor, como para buscar algo e, vendo um pedaço de vidro, o pegou, cravou a ponta entre minhas sobrancelhas e disse: ’Concentre sua mente neste ponto’. Então, com inflexível determinação, me sentei novamente para meditar e quando a bela forma da Divina Mãe apareceu diante de mim usei meu discernimento como uma espada e a parti em dois. Assim foi como minha mente, não encontrando nenhuma obstrução agora, se dirigiu para além do plano relativo e eu mergulhei no samadhi”. 986. Por seis meses permaneci naquele estado (Nirvikalpa), do qual os mortais comuns não podem voltar, pois depois de vinte e um dias o corpo cai como uma folha seca. Os dias e as noites iam se sucedendo sem que eu notasse. As moscas entravam em minha boca e nariz, como no caso de um cadáver, sem me produzir nenhuma sensação. Meus cabelos estavam emaranhados e cheios de pó. Algumas vezes mesmo as funções naturais se cumpriam, sem que eu me desse conta disso. Dificilmente o corpo poderia sobreviver se não fosse a ajuda de um sadhu que naquela ocasião chegou a Dakshineswar. Logo ele percebeu a situação e também compreendeu que a Mãe tinha que fazer muitas coisas por meio deste corpo e que muitos seriam salvos se ele fosse preservado. Na hora de comer, o sadhu trazia alimentos e me fazia voltar à consciência externa, dando uma boa sova no meu corpo. Quando notava em mim algum vestígio de consciência, punha a comida na minha boca. Deste modo uns poucos bocados eram engolidos durante alguns dias. Mas houve dias em que nem isso era possível. Assim se passaram seis meses. Por último, depois de permanecer ininterruptamente em samadhi durante vários dias, ouvi o mandato da Mãe: ‘Fique em bhavamukha (o limite que separa a consciência relativa da supraconsciência) para assim poder ensinar a humanidade’. Então surgiu uma disenteria sanguínea. Sentia agudas retorções nos intestinos. Seis meses deste sofrimento fizeram minha consciência corpórea retornar pouco a pouco. Contudo, de tempos em tempos minha mente voltava, por seu próprio impulso, ao estado de Nirvikalpa (incondicionado). 987. A tendência natural desta (minha) mente é para cima (para o estado de Nirvikalpa). Uma vez que este estado é alcançado, não quer descer. Para vocês, eu trago para baixo pela força. Mas isto não é possível de se fazer sem algum desejo inferior. Assim, eu tenho alguns pequenos desejos como o de fumar ou beber água, comer certo prato especial ou de ver determinada pessoa e assim eu repito estes desejos à minha mente. É assim que a mente, paulatinamente, baixa (ao corpo). Acontece, às vezes, que enquanto desce, volta a empreender o caminho de subida; é preciso fazê-la baixar novamente por meio dos mencionados desejos. 988. O Mestre entrava no mais alto estado de samadhi, chamado Nirvikalpa, somente ao pronunciar a palavra “Tat” (Aquele), da fórmula Om Tat Sat. A palavra “Sat” (Existência) podia trazer uma remota sugestão de “asat” (não existência ou aparência) e ainda o muito sagrado símbolo “Om” parecia não acertar o alvo. Mas quando o Mestre dizia “Tat”, todas as idéias de relatividade se desvaneciam por completo de Sua consciência. Cessava toda discriminação entre existência e inexistência e mergulhava na realização do Um, que está além de todas as limitações. 989. Pergunta: O Senhor tem alguma idéia do ego, quando está submerso em samadhi? Resposta: Sim, algo do ego fica. É como uma partícula de uma folha de ouro a qual, mesmo quando esfregada sobre um pedaço do mesmo metal, não se gasta por completo. A consciência do mundo externo desaparece por completo, mas o Senhor conserva em mim um tênue ego para que possa desfrutar dEle (Deus). Às vezes, contudo, Ele apaga mesmo esse resíduo de ego. Então acontece o mais elevado samadhi. Ninguém pode descrever esse estado; é a absoluta transformação do próprio ser no Ser (Supremo). A imagem feita de sal mergulhou no oceano para medir sua profundidade. Mas quando tocou na água se dissolveu! Então quem poderia subir para informar sobre a profundidade do oceano? Estado do Mestre de permanente comunhão com Deus 990. Perguntou-se ao Mestre: “Senhor, crê o Senhor na existência de Deus?”. - Sim, respondeu o Mestre. - Pode prová-lo? - Sim. - Como? - Porque eu O vejo da mesma forma que vejo você, mas de um modo muito mais intenso. 991. Um lógico perguntou ao Mestre: “O que é o sujeito, o que é o objeto e o que é o conhecimento?”. O Mestre respondeu: “Bem homem, eu não sei dessas sutilezas da erudição escolástica. Conheço somente o Atman (o Ser) em mim e a minha Divina Mãe”. 992. “Ao ver minha condição física, Hriday costumava dizer: ‘Eu nunca tinha visto tanta espiritualidade e iluminação em um corpo tão frágil!’. Mas embora meu corpo estivesse fraco, eu nunca deixei de falar de Deus com os outros. Lembro que uma vez fiquei feito um esqueleto, no entanto sustentava conversas sobre assuntos espirituais durante horas, sem sentir que tinha corpo”. Como o Mestre orava 993. “Eu costumava rogar à Divina Mãe deste modo: ‘Oh Mãe! A Senhora que é a personificação da felicidade, deve revelar-Se ante mim’. Outras vezes rezava: ‘Oh Senhor dos mansos! Oh Senhor dos humildes! Estou fora de Seu universo? Eu não tenho conhecimento nem devoção, nem o mérito das austeridades. Nada sei. Oh Senhor, por Sua infinita misericórdia, deve conceder-me Sua visão!’”. 994. “Oh Mãe Divina! Eu não desejo ser honrado pelos homens, nem desejo os prazeres da carne. Permita que minha alma flua para a Senhora como a perene confluência do Gangá e o Yamuná. Mãe, não tenho bhakti nem yoga, sou pobre e desamparado, não desejo ser louvado por ninguém. Permita que minha mente more sempre a Seus pés de loto”. 995. “Mãe, eu sou o yantra (a máquina), a Senhora é o Yantri (o maquinista); eu sou a morada, a Senhora é quem a habita; eu sou a bainha e a Senhora é a espada; eu sou o carro, a Senhora é o condutor. Eu faço o que a Senhora me faz fazer; eu digo o que a Senhora me faz dizer; me comporto como a Senhora se comporta dentro de mim; eu não, eu não, senão a Senhora”. 996. “Quem se aferra à verdade está seguro de realizar Deus. Do contrário, se alguém não respeita a verdade, tudo o que tem será paulatinamente destruído. Depois de alcançar este estado (realização de Deus) diga à Mãe, com flores nas mãos: ‘Oh Mãe! Lhe devolvo Seu 1 conhecimento e Sua ignorância, Sua pureza e Sua impureza, Seu bem e Seu mal, Sua virtude e Seu vício. Conceda-me somente bhakti puro, oh Mãe!’. Mas quando você disser todas estas coisas à Mãe, não pode dizer: ‘Lhe devolvo Sua verdade e o que não é verdade’. Tudo pode ser devolvido à Mãe, mas não a verdade”. 1. “Sua”, aqui significa “de Sua criação”. O Divino bem e o mal igualmente 997. Com a realização de Deus todo o karma acaba. Foi assim que minha adoraçao ritual chegou ao seu fim. Eu costumava fazer o culto no templo de Kali. Um dia, repentinamente foi me revelado que tudo era Chinmaya, Espírito Puro. Os utensílios do culto, o altar, a porta, tudo era Espírito. Os homens, os animais e os pássaros eram Chinmaya. Como um louco comecei a espalhar flores por todos os lados. Adorei tudo o que via. Um dia durante o culto a Shiva, quando ia colocar o vayra sobre o lingam (de Shiva), me foi revelado que o universo mesmo era Shiva. Na cheguei a isso pela razão, mas a revelação veio como um relâmpago. Aquele dia terminou para mim a adoraçao de Shiva em Suas imagens. Uma vez estava juntando flores quando, repentinamente tive a revelação de que cada planta era como um ramalhete que adornava a forma universal de Deus. Desde esse dia deixei de cortar flores. 998. Uma vez tive uma visão: senti que uma só Substância havia tomado a forma do cosmos com todas as criaturas viventes; se parecia com uma casa de cera, com homens, animais, jardins, estradas e o resto, tudo feito de cera e nada mais que cera. 999. Sabem o que vejo agora? Vejo que Deus é Tudo. Os homens e as demais criaturas são como verdadeiras figuras cobertas de pele que movem suas cabeças, suas mãos e pés, mas em seu interior está o Senhor. 1000. A Mãe me colocou no estado de bhakta ou de vigñani. Por isso que posso gracejar e jogar com Rakhal e os outros. Isto não seria possível se eu tivesse permanecido no estado de gñani. Em meu presente estado vejo que a Mãe Mesma se converteu em tudo. A vejo por todas as partes. No templo de Kali vi que a Mãe havia se transformado até nas pessoas malvadas, como o irmão de Bhagavat Pandit. Por mais que tentasse, não pude repreender a mãe de Ramlal. Vi que ela era a Mãe em outra forma. É porque vejo a Mãe nas donzelas as quais rendo culto. Minha esposa me faz massagens nos pés, mas logo a saúdo com reverência. Por estar colocado em tal condição, devo-lhes retribuir a saudação. Não posso omitir nem sequer um malvado. Uma folha de tulsi, por mais seca ou pequena que seja, pode ser oferecida à Deidade. 1001. Vejo as árvores, as plantas, os homens, os animais, as ervas e as demais coisas como se fossem diferentes envoltórios parecidos com capas de almofadas de fino algodão, outras de tecidos mais grossos, algumas redondas e outras quadradas. Mas dentro de todas as capas há uma só e mesma substância, ou seja, algodão. Do mesmo modo, todos os objetos do mundo estão recheados de Satchidananda. Sinto como se a Mãe tivesse sido coberta com diferentes vestimentas e estivesse espiando o que acontece fora. Certa vez me encontrava em um estado no qual costumava perceber isto a cada instante. Não compreendendo meu estado (de exaltação espiritual), as pessoas me pacificavam. Um dia a mãe de Ramlal estava chorando. Olhando-a e senti que era a Mãe Mesma que está no templo, que tinha vindo vestida como ela. Pus-me a rir e exclamei: “Como está formosamente vestida!”. Outro dia eu estava meditando sobre a Divina Mãe no templo de Kali, mas por mais que tentasse não pude ver Sua forma. Depois de um momento vi que Ela estava olhando o lugar onde estava o pote que é usado no culto. Tinha exatamente a aparência de uma prostituta chamada Ramani que costumava banhar-se no ghat (escada a margem do Gangá). Ri pela surpresa e disse: “Muito bem! Hoje gosta de ser Ramani. Então aceite minha adoração dessa forma”. Deste modo a Mãe me ensinou: “Mesmo a prostituta sou Eu Mesma. Nada há que não seja Eu”. Outra vez, enquanto eu passava de carruagem por Mechua Bazaar (uma rua de Calcutá) via a Mãe como uma dessas mulheres que atraem os homens, fumando uma hukah (narguilé) e vestida na moda, com a marca vermelha na testa e uma peruca na cabeça. Maravilhado me perguntei se a Mãe não tinha tomado também aquela forma e a reverenciei nEla. 1002. Vejo com meus próprios olhos o Ser como uma autêntica realidade! Então por que devo racionalizar? Vejo claramente que o Absoluto se tornou todas as coisas que existem ao nosso redor, é Aquele que aparece como a alma finita e o mundo fenomenal! Mas deve haver antes um despertar do espírito dentro de nós, para vermos esta realidade. Mesmo que Deus não seja visto como a única realidade, é necessário racionalizar e discernir, dizendo: “Isto não; isto não”. No entanto não basta dizer simplesmente: “Eu vi, além de toda dúvida, que é Deus quem é todas as coisas!”. O mero dizer não é suficiente. Pela graça do Senhor o espírito deve ser vivificado. O despertar espiritual é seguido pelo samadhi. Neste estado a pessoa se esquece de que tem um corpo. Perde todo apego às coisas do mundo, ou seja, da “luxúria e do ouro”. Já não deseja ouvir assuntos mundanos. Despertado o espírito interno, o próximo passo é a realização do Espírito Universal. O espírito é o que pode realizar o Espírito. 1003. Há muitos anos Vaishnavacharan me disse que o Conhecimento perfeito só é alcançado quando se vê Deus no homem. Eu vejo agora que é Ele quem se move nas diferentes formas, ora como um homem honesto, ora como um ladrão, ora como um vilão. Assim digo: “Narayana na forma de um homem honesto, Narayana na forma de um vilão, Narayana na forma de um licencioso”. Agora o problema é poder convidar a todos. Meu desejo é atender bem a todos, por isso convido um de cada vez e o agasalho. 1004. Quando olho uma mulher de caráter pertencente a uma família respeitável, vejo nela a Divina Mãe vestida com o traje modesto de uma dama casta e quando olho as mulheres públicas da cidade, sentadas nas varandas abertas e vestidas de forma imodesta e provocativa, vejo nelas a mesma Mãe desempenhando um diferente papel. 1005. Em Deus há vidya e avydia. Vidya maya leva o homem para Deus. Em troca, avidya maya o afasta do caminho do Senhor. O Conhecimento, a devoção, o desapego, a compaixão, tudo são expressões de vidya maya. Com sua ajuda, o homem chega a Deus. Mas quem sobe um degrau a mais obtém o Brahma-gñana. Neste estado sinto, realmente vejo, que Deus é tudo. Não há nada que desprezar, nem nada que aceitar! É-me impossível aborrecer-me com alguém. Quando este estado (de consciência) surge em mim, eu não posso seguir os cultos, nem fazer mais oferendas à Mãe Kali (no templo de Dakshineswar). Por isso o administrador do templo começou a repreender-me. Mas suas palavras só me fizeram rir, pois eu não me sentia ofendido o mínimo. 1006. Descrevendo uma visão que lhe revelou a verdadeira natureza do mundo, o Mestre disse: “Sabe o que acabo de ver? Uma visão Divina, a visão da Santa Mãe! Ela apareceu com um filho em seu ventre, deu à luz a uma criatura e, em seguida, a colocou em sua boca e a engoliu. Mas a medida em que a criatura entrava na boca da Mãe, se convertia em vazio! Assim Ela me mostrou que tudo é vácuo! (falo da realidade). Parecia dizer: Esta é a ilusão! Esta é a ilusão!”. O Mestre durante sua enfermidade 1007. O Pandit Sasadhar, vendo o Mestre enfermo (com câncer) lhe perguntou: “Por que não se cura concentrando Sua mente sobre a parte afetada?”. O Mestre: “Minha mente está dedicada a Deus, como posso fixá-la nesta miserável jaula de carne e sangue?”. Sasadhar: “Por que, então, não pede à Divina Mãe que O cure de sua enfermidade?”. O Mestre: “Quando penso em minha Mãe, o corpo físico se desvanece e eu me encontro completamente fora dele, de modo que me é impossível orar por algo que se relacione com o corpo”. 1008. Encontrando-se o Mestre tão enfermo que apenas podia falar ou ingerir um pouco de comida, um dia disse: “Estou falando e comendo através de muitas bocas. Eu sou a Alma de todas as almas e tenho infinitas bocas. Sou o Espírito Infinito que está coberto pela pele humana, a qual tem uma lesão em certo local da garganta. Quando o corpo está enfermo, a enfermidade reage sobre a mente. Quando nos queimamos com água quente dizemos: ‘A água me queimou’, mas na realidade o que queima é o calor e não a água. Toda dor pertence ao corpo, toda enfermidade está no corpo, mas o Espírito está acima do sofrimento e além do alcance da enfermidade”. 1009. Disse à Mãe que por causa disto (indicando Sua garganta enferma) não podia engolir nada e Lhe pedi que me permitisse comer um pouquinho. Mas a Mãe, apontando para todos vocês, me respondeu: “Que? Olhe, você está comendo por tantas bocas!”. Fiquei completamente envergonhado e não pude acrescentar mais nenhuma só palavra. 1010. A Mãe me enviou esta enfermidade a fim de ensinar ao homem como deve pensar no Espírito e como se pode viver na consciência de Deus, mesmo quando o corpo sofra ao extremo. Quando o corpo sofre uma dor atormentadora e está morrendo de fome, quando já não há poder humano que possa dar-lhe alívio, mesmo assim a Mãe me mostra que o Espírito é dono do corpo. Minha Divina Mãe mandou esta enfermidade a este corpo para convencer os céticos de que o Atman é divino, que a consciência de Deus é real e que quando alguém alcança a perfeição, se libera de todas as ligações. 1011. Durante a última enfermidade do Mestre, Seus discípulos lhe pediram que rogasse ao Senhor para que curasse Sua enfermidade e retivesse Seu corpo no mundo por mais um tempo, pelo menos, para beneficio deles. O Mestre disse: “Bem, de nada adiantará eu falar ao Senhor disso. Sua vontade deve ser cumprida. Vejo agora que Eu e minha Divina Mãe chegamos a ser uma só coisa para todo o sempre. Radha disse a Krishna: ‘Oh querido, habita dentro do meu coração e não apareça mais em Sua forma humana!’. Mas em seguida voltou a sentir o desejo de ver Krishna em forma humana. Seu coração lutava e palpitava com ânsia pelo Bem Amado. Mas a vontade do Senhor teve que ser cumprida e Krishna não apareceu em forma humana por um longo tempo”. O Mestre, uma combinação de humanidade e divindade 1012. Há três palavras que me ferem no íntimo: 1. Guru (mestre espiritual); 2. Karta (fazedor) e 3. Baba (pai). Deus é o único Guru. Minha Divina Mãe é a que faz tudo. Eu sou somente um instrumento em Suas mãos. Sempre sinto que sou Seu filho. 1013. Descrevendo Seu encontro com um célebre pandit (erudito), o Mestre disse: “Ao ouvir que o pandit desejava me ver me alarmei, pois eu não sou sem sequer consciente da roupa que visto. Não tinha nenhuma idéia do modo com que podia responder suas perguntas. Por isso disse a Mãe; ‘Só conheço Você; não conheço as escrituras nem outros assuntos’. Disse às pessoas que estavam comigo: ‘Vocês estão sentados aqui. Suas presenças me darão ânimo’. Quando o pandit chegou, eu tinha ainda um pouco de medo. Fiquei quieto, olhando-o e escutando o que dizia. De repente vi que a Mãe estava me revelando tudo o que havia na mente do pandit. De que serve ler as Escrituras se não se tem discernimento e desapego? Senti aqui (apontando a seu próprio corpo) que algo como um formigueiro subia à minha cabeça. Todo o temor se desvaneceu e deixei de estar consciente de mim mesmo. A medida em que falava, sentia como se alguém estivesse me sortindo de pensamentos. Em Kamarpukur, quando as pessoas medem o grão, sempre há alguém que empurra o cereal (desde o celeiro) e outra que se ocupa em medi-lo. Aconteceu-me algo parecido. Eu mesmo não sei tudo o que falei. Quando recobrei um pouco da consciência externa, vi o pandit chorando e todo seu corpo estava banhado de lágrimas. De vez em quando experimento estados parecidos. Keshab convidou-me a uma excursão de barco ao rio Gangá e me avisou que nos acompanharia um missionário e turista europeu chamado Mr. Cook. Ouvindo isto, comecei a ir até a casuarina (árvore debaixo da qual fazia suas necessidades) repetidas vezes (pelo nervosismo). Logo eles vieram e eu subi no vapor. Em seguida aconteceu uma mudança em mim. Quantas coisas disse, então! Todos (apontando aos devotos) me disseram que dei excelentes ensinamentos. Mas eu não sabia de nada disso”. 1014. Aquele que está dentro de mim está fazendo todas estas coisas através de mim. Às vezes eu me sentia no estado da Deidade e não encontrava paz, a menos que fosse adorado. Eu sou o instrumento e ele é quem o maneja. Eu faço o que e Ele me manda, eu digo o que Ele me faz dizer. 1015. Girish Chandra Ghosh, mesmo depois de escolher o Mestre como “seu apoderado” (isto é, depois de entregar-se totalmente a Ele), se sentia inquieto pensando na força das más tendências adquiridas no passado. Notando isso o Mestre lhe disse: “Homem, acaso uma cobra d’água lhe mordeu? Não, é uma cobra venenosa. Mesmo se voltar a sua casa correndo você morrerá, não sabe disto? Quando uma cobra d’água morde uma rã, ela morre somente depois de coaxar por longo tempo e, às vezes, até escapa com vida. Mas se é uma cobra venenosa que a morde, a rã morre depois de um ou dois ‘queixumes’. E mesmo se escapar morre depois de percorrer uma certa distância. A mesma coisa é o caso das pessoas que vêm aqui”. 1016. Um dia, enquanto um discípulo estava massageando seus pés, o Mestre, referindo-se a esse ato de serviço, disse: “Isto tem um profundo significado”. Em seguida, colocando uma mão sobre o coração acrescentou: Se há algo (Divino) nisso (por esse ato de serviço), sua ignorância e avidya se desvanecerão para sempre”. Logo disse, pondo-se muito sério: “Não há nenhum estranho aqui. Naquele dia tive uma visão. Harish estava perto de mim. Vi Satchidananda sair deste estojo (Seu corpo). Tendo saído, disse: ‘Eu me encarno em cada época’. Creio que estava delirando, assim fiquei quieto. Então O escutei dizer: ‘Mesmo Chaitanya adorou a Shakti’”. 1017. Um dia, durante Sua enfermidade, o Mestre disse a seus devotos: “Aqui (dentro dEle) há pessoas. Uma é a Divina Mãe, a outra é Seu devoto. É este que agora está doente... O Senhor vem a Seus discípulos como uma Encarnação Divina. Ele toma um corpo humano. Seus discípulos retornam com Ele à Divina Mãe. Entra repentinamente em uma casa. Estes cantam o nome do Senhor e dançam com júbilo. Feito isto abandonam a casa. Se vão tão abruptamente com vieram! E as pessoas não sabem quem são”. 1018. Vejo claramente que os três são de uma mesma substância: o tronco para o sacrifício, a vítima sacrificada e o que imola a vítima do sacrifício. 1019. Em seus últimos dias, quando Seu estado já era gravíssimo, o Mestre perguntou a Narendra: “Bem, que você pensa sobre a natureza de meus sentimentos?”. Narendra: Que direi, Senhor? O Senhor é tudo! Um herói que abriu caminho para a realidade com a espada do discernimento e com a força que o mundo não pode dar! O Senhor possui, também, os sentimentos de uma shakti (dama amiga), o amor inexpressável, o êxtase de amor Divino que só pode ser despertado pelo Divino Amante. O Senhor é um herói, shakti e tudo o mais em Seu anelo pelo Senhor. O Mestre sentiu uma súbita exaltação de todos os Seus sentimentos. Colocou as mãos sobre o coração e dirigindo-se a Narendra e os demais discípulos disse: “Eu vejo, realizo que cada coisa, tudo o que pode ser concebido, sai deste”. 1020. Dois dias antes que o Mestre deixasse o corpo, estando reduzido a um mero esqueleto pelos seis meses de terríveis sofrimentos devido a um câncer na garganta, Narendra (que logo foi conhecido como Swami Vivekananda), sentiu um curioso desejo de comprovar a repetida asserção do Mestre de que Ele era a Encarnação Divina. Disse a si mesmo: “Se em meio deste terrível sofrimento físico Ele pode declarar Sua Divindade, então acreditarei que é correto”. Parece muito estranho, mas quando este pensamento cruzou sua mente, o Mestre juntou todas as Suas energias e claramente disse: “Aquele que foi Rama e Krishna, agora é Ramakrishna neste corpo, mas não no seu modo vedântico de ver”. LIVRO IV MÁXIMAS E PARÁBOLAS CAPÍTULO XXI ALGUMAS MÁXIMAS MÁXIMAS DE SIGNIFICADO ÉTICO. MÁXIMAS DE SIGNIFICADO ESPIRITUAL. Máximas de significado ético 1021. O lavadeiro tem uma grande quantidade de roupa suja em sua casa, mas não é sua. Assim que entrega a roupa lavada, o local fica vazio. Os homens que têm pensamentos originais são como o lavadeiro. Não seja um lavadeiro em seus pensamentos. 1022. Faça você mesmo o que quer que os outros façam. 1023. O Homem se apequena ao pedir. O Senhor mesmo teve que assumir a forma de um anão (vamana) quando foi mendigar na casa de Bali. (Com Seu exemplo nos ensina que as pessoas se rebaixam quando pedem algo a alguém). 1024. Os homens estão prontos para louvar e prontos para insultar. Portanto não preste atenção ao que os demais digam de você. 1025. Vivendo uma vida de paz e virtude, seja indiferente tanto no louvor como na censura dos homens. 1026. Há certos seres dos quais você deve se guardar cuidadosamente. Primeiro os ricos. Eles têm dinheiro, seguidores e grande influência. Se quiserem, podem lhe causar dano. Ao tratar com eles deve ter muito cuidado. Talvez tenha que assentir a tudo o que eles disserem. Segundo, os cães. Se um deles late para você ou lhe ataca, deve parar e tentar acalmá-lo assobiando. Terceiro um touro. Se desembestar você deve acalmá-lo produzindo certos sons. Quarto um ébrio. Se você o excitar, seguramente lhe insultará com toda espécie de reles palavras. Mas se você se dirigir a ele cordialmente e lhe disser: “Bem, tio, como você se sente?”, ficará imensamente satisfeito, se aproximará e fumará com você. 1027. Aquele que come rabanete arrota rabanete e o mesmo acontece com quem come pepinos. Do mesmo modo a boca fala, algumas vezes, daquilo que o coração concebe em seu interior. 1028. As pessoas adquirem várias propensões segundo as companhias que freqüentam, mas também são elas que buscam a companhia afim com suas inclinações. 1029. Há pessoas que têm a mesma natureza que a serpente. Nunca se pode saber quando vão morder. Você deve, portanto, lutar rigidamente para anular seu veneno. De outro modo você se sentirá tão irado quanto para se deixar levar pela paixão da revanche. 1030. A ira é um sinal de tamas (ignorância). Quando o homem está encolerizado perde por completo o discernimento. Hanuman colocou fogo na cidade de Lanka, mas (em sua cólera) nem sequer teve tempo de pensar que corria o perigo de também ter queimado o local onde Sita estava. 1031. Segundo um antigo dito, “os gurus podem ser encontrados às centenas e milhares, mas é difícil achar um só chela (discípulo)”. Significa que há muitas pessoas que podem dar bons conselhos, mas são poucos os que os seguem. 1032. Por que a religião degenera? A água da chuva é pura, mas quando toca a terra se suja devido ao meio por onde passa. Se os telhados, os encanamentos e as sarjetas são sujos, a água que passa por eles torna-se forçosamente turva. (Do mesmo modo, a religião é manchada pelo meio através do qual se manifesta). 1033. O pecado e o mercúrio são muito difíceis de digerir. 1034. Quando você visita um sábio ou vai a um templo, nunca deve ir com as mãos vazias. Deve sempre levar alguma coisa, por mais insignificante que seja, como uma oferenda. 1035. Como os ladrões não podem entrar em uma casa onde hajam pessoas despertas, do mesmo modo se você está sempre em guarda, nenhum mau pensamento poderá entrar em sua mente e despojá-la de sua bondade. 1036. Maya é o apego aos parentes tais como: pai, mãe, irmão, irmã, esposa, filhos e primos. O amor que flui para todas as criaturas por igual, se chama daya. 1037. Enquanto vivo, aprendo. 1038. Enquanto você vive, aprende a cada dia algo dos mistérios do Amor e da devoção. Isso lhe beneficiará sempre. 1039. Incline sua cabeça para ali, onde outros a inclinam. A veneração nunca fica sem recompensa. 1040. Permaneça sempre firme e constante em sua própria fé, mas afaste-se de todo o fanatismo e ignorância. 1041. Bhárata, Prahlada, Sukadeva, Vibhishana, Parasurama, Bali e as gopis de Brindavam, todos eles desobedeceram aos seus superiores por amor a Deus. 1042. O melhor caminho para você é renunciar ao desejo e trabalhar com desapego. Máximas de significado espiritual 1043. O Céu fala, às vezes, pela boca dos loucos, dos ébrios e das crianças. 1044. O diabo (o pecado) nunca entra em uma casa onde sempre se cantam louvores a Hari (Deus). 1045. São geralmente muito piedosos os que vivem às margens do rio Gangá. 1046. A água do Gangá não deve ser considerada como água, nem o pó de Sri Briandavana como pó, nem o mahaprasad (arroz oferecido) de Sri Jagannath Deva como simples arroz. Estes são manifestações objetivas do Ser Supremo. 1047. Se o Senhor quiser pode fazer passar um elefante pelo orifício de uma agulha. Ele pode fazer tudo o que desejar. 1048. Aquele que tomou refúgio em Deus nunca dá um passo em falso. 1049. Hari significa “o que rouba nosso coração” e Haribol significa que “Hari é nossa força”. 1050. Até que o espírito no homem não seja despertado ele não pode conhecer Deus. 1051. Refugie-se em Deus e abandone a timidez e o temor. Afaste de você idéias tais como: “Se eu dançasse cantando o nome do Senhor, que diriam as pessoas?”. 1052. O Mestre disse a uma pessoa: “Bem, você veio buscar Deus agora, depois de ter gastado a maior parte de sua vida no mundo. Se tivesse entrado no mundo depois de realizar Deus, quanta paz e felicidade você teria desfrutado!”. 1053. Se você tem fé, alcançará o objetivo de seu intenso desejo. 1054. Primeiro a realização de Deus e, em seguida, Sua criação. Valmiki recebeu (de seu guru) o mantram “Rama” para meditar, com a indicação de que começasse a pronunciá-lo na forma invertida “Mara, Mara”, ou seja, Ma ou Iswara, e Ra ou Yagat, primeiro Deus e depois o universo. 1055. É absurdo pensar que possamos sofrer algum dano pela excessiva absorção em Deus. Os raios do diamante iluminam e acariciam, mas não queimam. 1056. Conheça o Nitya (o Incondicionado) por meio da Lila (manifestação divina). 1057. Aplique (a busca de) Chit (Consciência Pura) para realizar Sat (Existência Pura). 1058. O Eterno deve ser alcançado por meio do não-eterno, o Real por meio do irreal e o não-um com a ajuda do fenômeno. CAPÍTULO XXII PARÁBOLAS O VENENO DA MUNDANIDADE. A ESCRAVIDÃO DO SEXO. O PROGRESSO ESPIRITUAL DEPENDE DA MENTE. PERIGOS DA FILOSOFIA MAL COMPREENDIDA. O FANATISMO É UMA INSENSATEZ. FÉ, DEVOÇÃO E DESAPEGO. A NATUREZA DE MAYA. REALIZAÇÃO DO DIVINO. O veneno da mundanidade 1060. Deus é como o kalpataru (árvore do reino celestial) que concede tudo o que é pedido. Assim, uma vez que a mente tenha sido purificada por meio de exercícios religiosos é necessário deixar todos os desejos mundanos. Escute um conto. Um viajante, depois de caminhar muitas horas sob o sol, chegou a uma grande planície e, sentindo-se exausto, coberto de suor, sentou-se na sombra de uma árvore para descansar um momento. Em seguida começou a pensar que seria delicioso ter um macio leito para dormir. O viajante não tinha nem a mais remota idéia de que estava sentado debaixo da árvore celestial. Assim que surgiu em sua mente aquele pensamento, viu aparecer a seu lado uma formosa cama. Ficou muito surpreso, mas não demorou a deitar-se nela. Logo pensou em quão prazeroso seria ter uma jovem donzela que viesse e fizesse massagens em suas pernas. Logo ao pensar isso, viu aparecer uma donzela que se sentou a seus pés e começou a friccionar suavemente suas pernas. Ele se sentiu enormemente feliz. Mas em seguida teve fome e pensou: “Tive tudo o que desejei. Não poderia ter agora algo para comer?”. Imediatamente apareceu diante dele um prato cheio de deliciosos manjares. Comeu alegremente e ficando completamente satisfeito, tornou a estender-se sobre o leito. Logo começou a repassar em sua mente os acontecimentos daquele dia. Estando assim ocupado, pensou: “E se um tigre me atacasse de repente!”. Em um instante, um grande tigre pulou sobre ele, quebrou sua nuca e começou a sugar seu sangue. Deste modo o viajante perdeu sua vida. Tal é o destino dos homens em geral. Se durante a meditação pedem dinheiro, amigos e honras mundanas, sem dúvida seus desejos serão satisfeitos até certo ponto. Mas não esqueçam que por detrás de todas essas coisas está escondido um tigre. Os tigres, como as enfermidades, a morte dos entes queridos, a perda de honra e fortuna, etc., são mil vezes mais terríveis que o verdadeiro tigre. 1061. Um grupo de pescadoras regressava a seus lares. Vinham de um longínquo mercado onde tinham ido vender pescados. Ao anoitecer foram surpreendidos por uma tormenta de granizo e tiveram que se refugiar em uma casinha onde vivia um florista. O bondoso dono lhes concedeu um quarto onde guardava vários cestos cheios de perfumadas flores destinadas à venda. Mas como a atmosfera do cômodo estava cheia de fragrância, as pobres pescadoras não podiam dormir nem por um instante. Ao final, uma delas sugeriu o remédio: “Salpiquem nossos cestos com água e vamos colocá-los perto de nossas cabeças. Isso impedirá que o incômodo perfume das flores ponha a perder nosso sono”. Todas aceitaram alegremente a proposta e a puseram em prática. Logo começaram a roncar. Tal é, realmente, a força e a influência do hábito! Acostumadas aos ambientes e idéias materialistas, as almas mundanas não podem respirar, por muito tempo, uma atmosfera de pureza e renúncia sem sentir inquietude e desassossego. 1062. Certa vez um sábio estava estendido à beira de um caminho, profundamente submerso em samadhi. Passou por ali um ladrão e ao vê-lo, pensou: “Este homem deve ser um ladrão. Seguramente a noite roubou alguma casa e agora está dormindo de cansaço. Logo a polícia chegará e o prenderá. É melhor que eu escape a tempo”. Refletindo assim fugiu. Um momento depois chegou àquele lugar um bêbado e vendo o sábio, exclamou: “Puxa! Bebi demais e por isso caí no fosso. Ei! Eu me mantenho mais firme que você e não vou cair”. Ao final, chegou um sábio e percebendo que o homem estendido no chão era um grande santo em estado de êxtase, sentou-se ao seu lado e começou a friccionar suavemente seus santos pés. (Isto indica como as tendências humanas impedem que reconheçamos a verdadeira santidade e espiritualidade). 1063. A respeito da classe sacerdotal, Sri Ramakrishna relatou um acontecimento tirado da vida de Gauranga (Encarnação Divina). Uma vez Sri Gauranga, estando profundamente absorto em bhava samadhi, caiu no oceano e foi tirado da água com uma rede de pesca. Mas os pescadores, ao ter contato com a sagrada pessoa de Sri Gauranga por intermédio da rede, foram afetados por uma espécie de êxtase. Abandonaram seu trabalho e começaram a vagar de um a outro lugar como loucos espirituais, somente cantando o sagrado nome de Hari. Seus parentes não puderam curá-los dessa doença e não encontrando nenhum remédio eficaz, por fim foram ver Sri Gauranga e lhe manifestaram seu pesar. Sri Gauranga lhes disse: “Consigam um pouco de arroz da casa de um sacerdote e coloquem nas bocas dos pescadores. Verão que se curarão em seguida, de seu êxtase”. Os parentes fizeram assim e os pescadores perderam seu feliz arroubamento. (Tal é a influência contaminadora da mundanidade e da impureza sobre o desenvolvimento espiritual que emanam alguns sacerdotes que vivem em constante contato com pessoas mundanas). 1064. O mordomo de um homem rico foi deixado encarregado da propriedade de seu amo. Quando alguém lhe perguntava de quem era a propriedade, ele costumava responder: “Tudo isso é minha propriedade. Todas essas casas e jardins são meus”. Era seu modo corrente de falar, assumindo certo ar de importância. Um dia, foi pescar em um tanque da residência, em contravenção a uma estrita proibição do dono. Quis a má sorte que este desonesto e infiel mordomo fosse surpreendido pelo verdadeiro dono quando estava pescando e foi imediatamente despedido e privado de todos os suas anteriores economias, de sorte que o desgraçado servente não pode levar consigo nem sequer o desvencilhado baú com seus utensílios, que constituía todos os seus bens. Tal é o castigo que recebe o falso orgulho. 1065. Um barbeiro, ao passar sob uma árvore habitada por espíritos (yakshas) ouviu uma voz que dizia: “Quer ganhar sete vasos cheios de ouro?”. O barbeiro olhou a sua volta mas não viu ninguém. No entanto o oferecimento dos sete vasos de ouro despertou sua cobiça e gritou fortemente: “Sim, aceitarei os sete vasos”. Imediatamente tornou a ouvir a voz que dizia: “Volte a sua casa, pois levei os vasos para lá”. Ele foi correndo para sua casa para verificar se era certo tão estranho anúncio. Ao entrar viu os sete vasos. Todos estavam repletos de moedas de ouro exceto um, que estava pela metade. Surgiu, então, no seu coração, um forte desejo. Sentiu que devia encher até a borda o sétimo vaso, pois do contrário sua felicidade não seria completa. Assim vendeu todos os seus ornamentos de ouro e prata e, convertendo seu valor em moedas de ouro, as colocou no vaso. Porém o misterioso recipiente permaneceu meio vazio, como antes. O barbeiro, exasperado, começou a economizar até passar fome junto com sua família e assim, pode colocar mais ouro no recipiente, mas este não se enchia. Um dia pediu humildemente ao rei que aumentasse seu salário, já que não ganhava o suficiente para manter sua família. Como ele era o favorito do rei, este imediatamente lhe dobrou seu soldo. O novo salário também foi economizado e posto no vaso, o qual não dava sinal de se preencher. Ao final, começou a pedir esmola e tudo o que obtinha mendigando, mais o que ganhava com seu trabalho, tudo ia parar no insaciável vaso. Passaram-se seis meses e a condição do miserável e avaro barbeiro foi de mal a pior. Vendo seu triste estado, o rei um dia lhe perguntou: “Quando seu salário era a metade do que ganha agora você estava contente, alegre e feliz. Mas agora que ganha o dobro vejo que está abatido, preocupado e triste. O que se passa? Por acaso você tem os sete vasos?”. O barbeiro ficou assombrado pela pergunta e respondeu: “Majestade, quem lhe informou sobre isto?”. O rei disse: “Não sabe que você mesmo mostra sinais de uma pessoa a quem o yaksha entregou os sete vasos? Para mim também foram oferecidos os mesmos vasos, mas eu lhe perguntei se o ouro poderia ser gasto ou era para ser mantido guardado. Quando lhe fiz esta pergunta, o yaksha fugiu sem me responder. Não sabe que ninguém pode gastar esse dinheiro? Pelo contrário, só aumenta o desejo de acumular mais ouro. Vá devolver os vasos”. Este conselho fez com que o barbeiro recobrasse sua sensatez. Então foi até a árvore freqüentada por espíritos e disse: “Oh yaksha! Tome de volta seu ouro”. Yaksha respondeu: “Muito bem”. Quando o barbeiro voltou ao seu lar, viu que os sete vasos tinham desaparecido tão misteriosamente como foram trazidos e com eles, também haviam desaparecido as economias de toda sua vida. Tal é, também, a condição de alguns homens no Reino dos Céus. Aqueles que não compreendem a diferença que há entre o que é um gasto real e uma receita irreal, perdem tudo o que têm. 1066. Uma vez, durante o mês de junho, um cabrito estava brincando perto de sua mãe. Saltando alegremente, disse: “Que festa farei quando chegarem as flores de rasa!” (Certa espécie de flores que florescem em abundância durante as festas de rasalila, em novembro). A mãe respondeu: “Bem, querido, isso não é tão fácil como lhe parece. Terá que passar por muitos peregrinos, antes que possa chegar a comer as flores de rasa. Os meses de setembro o outubro não são propícios para você! É possível que alguém queira sacrificá-lo à Deusa Durga. Então vem o terrível período de Kali Puja (a festa e Kali) e se tiver a sorte de sobreviver a esse período, fica Jagaddhatri Puja, quando quase todos os machos de nossa espécie que ficam, são sacrificados. Mas se sua boa sorte o salvar de todos esses riscos, então poderá ter a esperança de comer com gosto as flores de rasa no princípio de novembro”. Como a cabra da fábula, nós não devemos aprovar precipitadamente todos os desejos e aspirações de nossa exuberante fantasia, considerando as muitas crises pelas quais devemos passar durante o curso de nossa vida. A escravidão do sexo 1067. Um cavalheiro com educação moderna, um dia começou a argüir com Sri Ramakrishna, sustentando que os homens casados podiam ficar não-contaminados pela mundanidade. O Mestre disse: “Sabe o senhor de que espécie é o assim chamado ‘não-contaminado’ chefe de família de hoje em dia? Não sendo contaminado pelo mundo e não tendo, portanto, nenhuma ingerência em questões de dinheiro, deixa à sua esposa o manejo da família e suas finanças. Se um pobre brahmin vem pedir alguma coisa ao dono de casa deste tipo, ele diz: ‘Senhor, eu nunca toco em dinheiro. Por que perde seu tempo me pedindo?’. Mas se o brahmin não for pessoa de se deixar facilmente incomodar, então o não-contaminado dono da casa, para livrar-se dele, pensa, finalmente, que deve dar-lhe algo e diz: ‘Olha, querida, há um brahmin que está na miséria. É bom que lhes darmos uma rúpia’. Ouvindo a palavra rúpia, a esposa se incomoda e diz, em tom de reprovação: ‘Ah, que homem tão generoso você é! As rúpias são para você como folhas secas ou pedras que devem ser atiradas assim sem mais!’. ‘Mas querida, responde o dono de casa, como pedindo desculpas, o brahmin é muito pobre e não deveríamos dar-lhe menos’. ‘Não, diz a esposa, não posso dispor de tanto. Aqui há uma moeda de dos annas (uma oitava parte de rúpia), pode dar-lhe isso, se quiser’. Mas como o Babu (cavalheiro) é um chefe de família completamente não-contaminado pela mundanidade, toma o que a esposa lhe dá e no dia seguinte o pobre brahmin só recebe dois annas. Como pode ver, seus não-contaminados chefes de família nem sequer são donos de si mesmos. Porque não se ocupam das questões familiares e se acreditam bons e santos quando, na realidade, estão apegados às saias e são manejados inteiramente por suas mulheres e são, portanto, exemplares do mais baixo entre os homens comuns”. 1068. Em tempos passados, os sacerdotes do templo de Govindaji, em Jaipur, nunca se casavam. Eram, então, supremamente poderosos pela força do Atman (Ser). Uma vez o rei os chamou mas se recusaram a ir dizendo: “Que o rei venha nos ver”. Com o passar do tempo, os sacerdotes começaram a se casar e então não houve mais necessidade do rei convidar qualquer um deles! Espontaneamente iam até o rei e diziam: “Maharaja, Maharaja, viemos abençoá-lo. Trouxemos flores do templo. Digne-se a aceitá-las”. Agora eram eles que vinham compelidos a agir deste modo. Que outra coisa podiam fazer? Um dia tinham que construir suas casas, outra vez tinham que fazer a cerimônia de annaprasana para seus filhos (dar o primeiro bocado de arroz cozido a uma criança), outro dia tinham que casar suas filhas e assim por diante. Sempre necessitavam de alguma coisa. Tudo isso os mantinha em constante necessidade de dinheiro! Você pode ver por si mesmo qual é sua condição depois de ter estado, por longo tempo, a serviço de alguém. Os jovens que têm educação ocidental e conhecem bem o idioma inglês, agüentam em silêncio as patadas de seus patrões! Sabe o que há por detrás de todas essas humilhações e tormentos da servidão? Está “a mulher”, isto é, escravizar-se pela atração do sexo. 1069. Um pobre homem estava na miséria por falta de emprego. Várias vezes foi ver Balaram Babu (chefe) de uma oficina para que o ajudasse a conseguir emprego, mas sempre recebia respostas evasivas como: “Hoje não, venha amanhã”. “Venha ver-me de vez em quando” e assim por diante. Assim se passou muito tempo sem que o pobre homem conseguisse emprego. Um dia encontrou sua sorte com um de seus amigos. O amigo lhe disse: “Como você é inocente! Porque gasta a sola de seus pés indo ver esse homem? Vá ver Golap, peça a ela e lhe asseguro que amanhã mesmo você terá um emprego”. Surpreso, o pobre homem exclamou: “Se é assim, vou correndo vê-la!”. Golap era amante de Bara Babu, da oficina. O pobre homem foi vê-la e lhe disse: “Mãe, estou na maior miséria e somente a senhora pode me salvar. Estou sem emprego há muito tempo e minha esposa e filhos estão morrendo de fome. Eu sou brahmin e não tenho nenhum recurso para viver. Poderei conseguir emprego com uma só palavra sua”. Ao inteirar-se da triste situação do brahmin, Golap teve grande compaixão e lhe perguntou: “Com quem você quer que eu fale?”. O brahmin se apressou em responder: “Se a senhora disser uma só palavra a Bara Babu, com certeza me dará um posto”. Golap prometeu a ele que, nessa mesma noite, falaria com Bara Babu e eis que, na manhã seguinte, um peão foi avisar ao pobre homem que a partir deste dia, teria sua nomeação. Bara Babu o recomendou ao gerente com estas palavras: “Senhor, este cavalheiro tem grandes condições e considerando que seu serviços redundarão em grande benefício para a firma, lhe ofereço um posto aqui”. Tal é o poder que a mulher exerce sobre o homem! O mundo está louco por “mulher e ouro”. 1070. Um pobre brahmin tinha um discípulo que era um rico comerciante de tecidos. Um dia o brahmin necessitou de um pequeno pedaço do tecido para envolver um livro. Pediu ao seu discípulo, mas este respondeu: “Sinto muito, senhor. Se me tivesse avisado umas horas antes teria lhe dado o que precisa. Pela má sorte, agora não tenho nenhum pedaço pequeno de tecido que possa servir a seu propósito. No entanto ficarei com o seu pedido, mas lembre-me de tempos em tempos”. O pobre brahmin foi embora decepcionado. A conversa entre o guru e seu “digno discípulo” foi ouvida pela esposa deste último, que estava por detrás da cortina que separava a loja. Em seguida ela mandou um homem chamar o brahmin que já tinha saído e quando este se apresentou a ela, disse-lhe: “Reverendo Pai, o que foi que pediu ao dono da casa?”. O brahmin lhe contou tudo o que havia acontecido. A senhora então disse: “Volte para sua casa, Pai. Amanhã pela manhã terá o tecido que precisa”. Quando o comerciante voltou para casa, à noite, a esposa lhe perguntou: “Já fechou a loja?”. “Sim, que acontece?”. Ela lhe disse: “Vá e me traga da loja dois pedaços do menor tecido”. O comerciante falou: “Por que tanto apuro? Trarei o tecido amanhã pela manhã”. A esposa insistiu: “Não, você deve trazer agora mesmo, do contrário não quero”. O que o pobre comerciante podia fazer? A pessoa com quem teria que se confrontar agora, não era seu guru espiritual, a quem poderia se despedir com indefinidas e vagas promessas, mas o “guru por detrás da cortina”, a quem deveria obedecer instantaneamente. Do contrário, não haveria paz no lar. Sendo assim, o comerciante, fazendo boa cara foi aquela avançada hora da noite à loja e trouxe o tecido que a esposa pediu. Na manhã seguinte, à primeira hora, a boa senhora enviou ao guru o tecido, com a seguinte mensagem: “Se no futuro necessitar de alguma coisa de nós, peça-me e o terá”. (Portanto, aqueles que oram à misericordiosa Mãe Divina e pedem a Ela Suas bênçãos têm mais probabilidade de serem ouvidas do que aqueles que adoram Deus no severo aspecto paternal). 1071. Quando perguntarem ao Mestre por que não tinha uma vida conjugal com Sua esposa Ele respondeu: “Kartikeja (o filho de Shiva) um dia arranhou uma gata. Quando voltou para casa, viu a marca de um arranhão na face de sua Divina Mãe Parvati. Em seguida perguntou: ‘Mãe, com foi feito esse feio arranhão em seu rosto?’ A Mãe do universo respondeu: ‘Esta é obra de suas próprias mãos, é um arranhão de suas unhas’. Kartika perguntou, com grande surpresa: ‘Como foi isso, Mãe? Eu não me lembro de jamais tê-La arranhado’. A Mãe respondeu: ‘Querido, esqueceu que esta manhã você arranhou uma gata?’. Kartika respondeu: ‘Sim, é verdade que eu arranhei uma gata, mas que isso tem a ver com o arranhão em Seu rosto?’. A Mãe respondeu: ‘Filho querido, nada existe neste mundo exceto eu. A criação inteira sou eu mesma. Se você causa mal a alguém é a mim que o faz’. Kartika ficou muito surpreso ao ouvir isto e imediatamente determinou-se a não se casar nunca, pois com quem poderia se casar? Cada mulher era como sua própria mãe. Realizando deste modo a maternidade de toda mulher, renunciou ao casamento. Eu sou como Kartika. Considero cada mulher como minha Divina Mãe”. O progresso espiritual depende da mente 1072. O progresso espiritual de uma pessoa depende de sua condição mental e modo de pensar. Procede de seu coração e não de nenhum de seus atos externos. Dois amigos, enquanto passeavam juntos, passaram por um lugar onde se comentava o Bhagavatam (texto sagrado). Um deles disse: “Bem, vamos lá por um instante ouvir a sagrada escritura”. O outro disse? “Não, meu querido amigo, de que serve ouvir o Bhagavatam? Em frente há um bordel com lindas mulheres, vamos nos divertir lá”. O primeiro não consentiu nisso e foi escutar o Bhagavatam. O outro entrou no borde, mas não encontrou o prazer que acreditou que poderia encontrar. Assim, começou a pensar: “Ai de mim! Por que vim aqui? Quão feliz deve sentir-se meu amigo ouvindo a sagrada vida do Senhor Hari”. Deste modo ele meditava em Hari, mesmo estando em um lugar impuro. O outro que tinha isso ouvir o Bhagavatam, tampouco estava contente e começou a reprovar a si mesmo, dizendo: “Ai! Quão estúpido eu sou de não ter acompanhado meu amigo! Ele está lá, desfrutando de todos os prazeres!”. O resultado foi que só estava sentado neste lugar, onde o Bhagavatam era lido, mas sua mente estava pensando continuamente nos prazeres que poderia ter gozado no prostíbulo. De modo que sua mente manchou-se como todos esses pensamentos e ele teve que carregar o pecado de visitar o bordel mesmo que não fosse lá em pessoa. Em troca, o homem que foi ao bordel, adquiriu o mérito que é obtido ouvindo o Bhagavatam, porque embora ele se encontrasse em um lugar impuro, seu coração meditava continuamente no livro sagrado. 1073. Um sannyasin (monge) vivia nas proximidades de um templo. Frente ao templo havia uma casa onde vivia uma prostituta. Vendo a quantidade de homens que entravam naquela casa, um dia o sannyasin chamou a mulher e a censurou asperamente, dizendo: Você é uma grande pecadora. Peca dia e noite. Oh, quão miserável será sua condição depois da morte!”. A pobre prostituta se sentiu extremamente aflita por sua condição pecaminosa e com sincero arrependimento orou a Deus, implorando Seu perdão. Mas como a prostituição era sua profissão, não lhe foi fácil adotar outra espécie de vida para ganhar seu sustento. Deste modo, toda vez que sua carne pecava ela se recriminava e com profunda constrição de coração, rezava a deus para que lhe concedesse mais perdão. O sannyasin, ao ver que seu conselho não havia produzido nenhum efeito na mulher, pensou: “Vou ver quantas pessoas visitam essa mulher no curso de sua vida”. Daquele dia em diante o sannyasin contava todas as pessoas que entravam na casa da prostituta, colocando ao lado uma pedrinha. Com o passar do tempo, o número de pedrinhas aumentava até que formou um grande monte. O sannyasin tornou a chamar a prostituta e lhe disse: “Mulher, vê esse monte? Cada pedrinha corresponde a um dos pecados mortais que você cometeu desde que eu a adverti que deixasse sua má vida. Agora volto a lhe dizer. Cuidado com as conseqüências de suas más ações!”. A pobre desgraçada começou a tremer, ao ver como tinham se acumulado seus pecados e orou a Deus, vertendo desconsoladas lágrimas de sincero arrependimento: “Oh Senhor! Não serei libertada da miserável vida que estou levando?”. Sua pregação foi ouvida e, naquele mesmo dia, o anjo da morte passou pela sua casa e ela deixou de existir neste mundo. Por uma estranha vontade de Deus, o sannyasin também morreu no mesmo dia. Os mensageiros de Vishnú desceram do céu e levaram o corpo espiritual da contrita mulher às regiões celestiais. Em troca, os mensageiros de Yama ataram o corpo sutil do sannyasin e o levaram para as regiões inferiores. O sannyasin, vendo a boa sorte da prostituta gritou: “É esta a sutil justiça de Deus? Eu, que passei toda minha vida em ascetismo e pobreza sou levado ao inferno, enquanto que a prostituta, que viveu constantemente em pecado está subindo ao céu!”. Ouvindo isto os mensageiros de Vishnú disseram: “Os desígnios de Deus são sempre justos. O que um pensa, isto é o que colhe. Você levou uma vida de ostentação e vaidade, tratando de conseguir honra e fama e Deus deu-lhe essas coisas. Você nunca teve sincero desejo por Deus. Esta mulher, ao contrário, orou fervorosamente a Deus dia e noite, mesmo que seu corpo vivesse em pecado. Olhe o tratamento que está recebendo seu corpo, lá na terra. Como você nunca pecou com o seu corpo, seu cadáver foi adornado com guirlandas de flores e levado em procissão, com música, para dar-lhe sepultura no rio sagrado. Em troca, o corpo desta prostituta que muito pecou é agora despedaçado por abutres e chacais. Mas como ela foi pura de coração vai agora às regiões dos puros. Seu coração esteve sempre ocupado em contemplar os pecados da prostituta e, desse modo, se tornou impuro. É por isso que você vai à região dos impuros. A verdadeira prostituta foi você e não ela”. 1074. Um rei recebeu se seu guru o ensinamento da sagrada doutrina advaita (monista), a qual declara que o universo inteiro é Brahman. Ao ouvir essa doutrina o rei ficou muito contente. Foi ver a rainha e lhe disse: “Não há nenhuma diferença entre a rainha e sua donzela, sendo assim, de hoje em diante sua donzela será minha rainha”. A rainha ficou gelada pela absurda proposta de seu senhor. Mandou chamar o guru e se queixou em tom lastimoso: “Senhor, veja o resultado pernicioso de seu ensinamento” e relatou o acontecido. O guru a confortou, dizendo: “Hoje, quando servir o almoço ao rei, faça ir à mesa um pote cheio de esterco de vaca e um prato de arroz”. À hora do almoço o guru e o rei sentaram para comer juntos. Imagine a cólera que o rei sentiu ao ver o que lhes tinham servido um prato de esterco! Vendo-o tão furioso, o guru lhe perguntou calmamente: “Majestade, o senhor é muito versado no conhecimento de advaita. Por que, então, faz tanta diferença entre o esterco e o arroz?”. Em sua exasperação, o rei exclamou: “O senhor que se considera tão grande advaitista, coma este esterco, se puder”. O guru respondeu: “Muito bem” e, transformando-se em um cervo, devorou o esterco com gosto. O rei ficou tão envergonhado que nunca mais voltou a fazer sua insensata proposta à rainha. 1075. Um brahmin tinha um lindo jardim e o dia inteiro passava por ele, cuidando das diferentes plantas. Certo dia, uma vaca entrou no jardim e comeu os brotos de uma mangueira que o brahmin devotava especial cuidado. Ao ver o estrago causado a sua planta favorita, o brahmin se encolerizou e pegou o animal com tanta fúria, que ele morreu pela surra recebida. A notícia de que o brahmin tinha matado o animal sagrado se propagou como um incêndio. Quando as pessoas começaram a lhe dizer que tinha cometido um pecado, o brahmin, que se dizia um Vedantista, negou a culpa dizendo: “Não, eu não matei a vaca, foi minha mão que fez isso. E como Indra é a deidade que dirige as mãos é ele quem cometeu o pecado de matar a vaca, não eu”. Indra, no seu céu, ouviu isto e assumindo a forma de um velho brahmin foi até o dono do jardim e lhe perguntou: “Senhor, de quem é esse jardim?”. Brahmin: É meu. Indra: è um formoso jardim. Você conseguiu um competente jardineiro, pois olhe com que primor e arte foram plantadas as árvores. Brahmin: Bem senhor, isso também é obra minha. As árvores foram plantadas sob minha supervisão e direção pessoal. Indra: Realmente, muito bem feito! E quem traçou este caminho? Está muito bem planejado e cuidadosamente executado. Brahmin: Tudo foi feito por essas mãos. Então Indra, juntando as mãos, disse: Se todas essas coisas são suas e você construiu este jardim, não é certo que Indra deva ser responsável pela morte da vaca. 1077. Um mestre ensinou a seu discípulo: “Tudo o que existe é Deus”. O discípulo levou esse ensinamento literalmente e não em seu verdadeiro espírito. Um dia ao passar por uma rua, viu que um elefante vinha no sentido oposto. O condutor que o dirigia e estava sentado sobre o animal, gritava: “Cuidado! Deixe-me passar!”. O discípulo, contudo, argüiu para si: “Por que devo me afastar? Eu sou Deus e o elefante também é Deus. Que temor pode ter Deus de Si Mesmo?”. Refletindo desse modo seguiu na mesma direção. Então o elefante o pegou com sua tromba e o atirou na calçada. Ele foi seriamente ferido e quando voltou a ver seu mestre, lhe contou o ocorrido. O mestre então lhe disse: “Está bem, você é Deus e o elefante também. Mas Deus, na forma do condutor, o preveniu, para que você se afastasse. Por que você fez pouco caso de sua advertência?”. 1078. Não seja fanático como Ghantakarna. Havia um homem que adorava Shiva mas odiava todas as outras deidades. Um dia Shiva lhe apareceu e disse: “Nunca ficarei contente enquanto você odiar as outras deidades”. Mas o homem continuou inflexível. Uns poucos dias depois Shiva voltou a aparecer como ”Hari-Hara”, uma forma metade Shiva e metade Vishnú. Diante disso o homem ficou meio satisfeito. Colocou as oferendas ao lado da metade que representava Shiva, mas nenhuma ao lado da que representava Vishnú. Ao oferecer incenso a Shiva, teve a audácia de tapar o nariz de Vishnú para que não desfrutasse da fragrância. Então Shiva lhe disse: “Vejo que é impossível desenraizar seu fanatismo. Assumindo este aspecto dual tentei convencê-lo de que todos os deuses e deusas (formas da Divindade) são variados aspectos do único Ser. Mas você não aprendeu a lição e pelo seu fanatismo sofrerá muito”. O homem se retirou em uma aldeia e logo começou a fomentar em si mesmo um grande ódio por Vishnú. Sabendo desta sua peculiaridade, os rapazes do povoado começaram a importuná-lo pronunciando o nome de Vishnú cada vez que o viam. Desesperado com isso, o homem prendeu guizos nas orelhas e quando os rapazes gritavam “Vishnú, Vishnú”, fazia soar os guizos para que o nome odiado não penetrasse em seus ouvidos. Foi assim que ficou o nome de Ghantakarna (com guizos nas orelhas). 1079. Quatro cegos se reuniram para examinar um elefante. Um deles tocou em uma das pernas do elefante e disse: “O elefante é como um grosso pilar”. Outro tocou a tromba e disse: “O elefante é como um grosso bastão”. O terceiro apalpou a barriga do animal e disse: “O elefante é como um grande tonel”. O último tocou uma orelha e disse: “O elefante é como um grande abano”. Os quatro começaram a discutir calorosamente sobre a forma do elefante. Um homem passou por ali e vendo-os discutir lhes perguntou: “Qual é o motivo da disputa?”. Eles lhe falaram sobre suas opiniões e pediram que fosse o árbitro. O homem disse: “Nenhum de vocês viram um elefante. O elefante não é como um pilar, mas suas pernas são como pilares. Não é como um abano, suas orelhas é que são como abanos. São é como um bastão, sua tromba é que é como um grosso bastão. Não é como um tonel, sua barriga é que se parece com um. O elefante é a combinação dessas coisas todas: pernas, orelhas, barriga, tromba, etc.”. Do mesmo modo, aqueles que disputam sobre a natureza de Deus são pessoas que viram somente um aspecto da Divindade. 1080. Uma rã vivia em um poço. Era uma rãzinha insignificante e tinha vivido no poço durante muito tempo. Tinha nascido e sido criada ali. Um dia outra rã, que tinha vivido perto do mar, passou por aquele lugar e caiu no poço. A rã que vivia no poço perguntou à recém-chegada: “De onde você vem?”. A rã do mar respondeu: “Venho do mar”. A rã do poço tornou a perguntar: “O mar! É grande?”. A rã do mar respondeu: “O mar é muito grande”. A rã do poço estirou suas pernas e disse: “Ah! Seu mar não é assim tão grande!”. A rã do mar disse: “É muito maior”. A rã do poço saltou de um lado a outro do poço e perguntou: “O mar por acaso é tão grande como o meu poço?”. “Minha amiga – respondeu a rã do mar – como você pode comparar o mar com seu poço?” A rã do poço disse então, com arrogância: “Nada pode ser maior que isto! Esta rã é uma mentirosa e deve ser deixada aqui”. O mesmo acontece com os fanáticos de mente estreita. Sentados em seus pequenos poços, pensam que o mundo inteiro não é maior que seus poços. Fé, devoção e entrega a Deus 1081. Certo dia um lavadeiro estava batendo fortemente em um devoto e este gritava: “Narayana! Narayana!”. O Senhor Narayana estava em Vaikuntha (céu), sentado perto de Lakshmi (Deusa da fortuna). Ao ouvir os gritos levantou para ir proteger seu devoto. Mas depois de dar uns poucos passos, o Senhor voltou a Seu assento. Ao ver isto Lakshmi perguntou por que ele tinha voltado tão bruscamente. Narayana respondeu: “Porque vi a inutilidade de proteger aquele homem. Já não precisa de mim, está se defendendo agora, devolvendo os socos. Que necessidade há, então, de que vá até lá?”. O Senhor salva somente a quem se entrega por completo e Ele. 1082. Uma vez Yashoda foi até Radha para lhe perguntar se tinha recebido notícias de Gopala (Krishna, Deus encarnado). Radha estava em profundo êxtase e não ouviu a chegada de Yashoda. Logo, quando desceu do êxtase, ao ver Yashoda, a rainha de Nanda sentada próximo a ela, se inclinou com reverência ante ela e perguntou o motivo de sua visita. Quando Yashoda lhe explicou a razão, Radha disse: “Mãe, se fechar os olhos e meditar sobre a forma de Gopala poderá vê-Lo”. Assim que Yashoda fechou os olhos, Radha, que era a essência das emoções espirituais (bhava), lhe infundiu seu poder e Yashoda, em estado supraconsciente, viu seu Gopala. Em seguida Yashoda pediu a Radha esta graça: “Mãe, conceda-me o poder de, cada vez que fechar os olhos,veja meu querido Gopala”. 1083. Uma vez Ramachandra, enquanto vivia no bosque, desceu para tomar água em um lago chamado Pampa deixando Seu arco e flecha cravados no chão. Depois e beber viu que uma rã havia sido atravessada por Seu arco e jazia com o corpo ensangüentado. Rama sentiu muita pena da rã e disse: “Por que você não fez nenhum ruído? Assim eu saberia que você estava aqui e não a teria deixado em tão lastimoso estado”. A rã respondeu: “Oh Rama! Quando me encontro em perigo é ao Senhor que chamo sempre, dizendo: ‘Oh Rama, me salve!’. Mas agora, que é o Senhor Mesmo quem me mata, a quem poderia recorrer e suplicar?”. 1084. Certo dia, o servidor de um homem rico foi à casa de seu amo e ficou a um canto, com grande humildade e reverência. Em sua mão trazia algo coberto com um lenço. O amo lhe perguntou: “Que é que você tem na mão?”. O servidor tirou do envoltório uma pequena fruta-do-conde e estendeu-a ao amo pensando na satisfação que ele sentiria em comer esta fruta. Ao ver a carinhosa devoção de seu servidor, o amo aceitou satisfeito o oferecimento, mesmo sendo tão insignificante e, com grande deleite exclamou: “Ah! Que fruta rara! Onde a conseguiu?”. Do mesmo modo Deus vê o coração de Seus devotos. Ele é infinito em Sua grandeza. Sem dúvida responde à influência do amor e da devoção. 1085. O Mestre (a Protap Mazumdar): O senhor é um homem instruído e inteligente e, além do mais, um profundo pensador. Keshab e o senhor eram como os irmãos Gour e Nitai. O senhor já viu bastante do mundo. Sabe o que são as conferências, discórdias e tudo o mais. No entanto, tudo isto lhe interessa? Já chegou, para você o momento de concentrar sua mente dispersa e dirigi-la para Deus. Mergulhe no oceano da Divindade. Mazumbar: Sim, reverendo Senhor, isso é o que eu deveria fazer, sem dúvida. Mas tudo o que faço é simplesmente para preservar o nome e a reputação de Keshab. Sri Ramakrishna (sorrindo): Vou contar-lhe uma história. Um homem construiu uma cabana em cima de uma montanha, o que custou muito dinheiro e trabalho. Depois de alguns dias levantou-se um ciclone que começou a sacudir a cabana como se fosse um simples berço. Ansioso por salvá-la começou a rezar ao “Deus do vento”, dizendo: “Oh! Senhor! Rogo-Lhe que não destrua esta cabana!”. Mas o “Deus do vento” não lhe fez caso. Orou novamente, contudo a cabana continuava a ser sacudida. Então pensou em outro plano para salvá-la. Lembrou-se que, segundo a mitologia, Hanuman é o filho do “Deus do Vento” e começou a gritar: “Oh! Senhor, rogo-Lhe que salve essa cabana, pois ela pertence a seu filho Hanuman”. Mas o “Deus do Vento” permaneceu surdo. Por último, o homem disse: “Senhor, rogo que salve esta cabana, pois ela pertence à Rama, o Senhor e Mestre de Hanuman”. Tampouco esse rogo foi ouvido pelo ”Deus do Vento”. Então, como a cabana começou a cair, o homem saiu correndo para salvar sua vida e gritou com veemência: “Que esta miserável cabana se faça em pedaços! Não me importo com ela”. O senhor pode sentir grande ansiedade por preservar o nome de Keshab, mas console-se com a idéia de que o movimento religioso relacionado com seu nome começou pela vontade de Deus e que ao chegar o momento desse movimento chegar ao fim, também será devido à Divina vontade. É por isso que lhe digo que mergulhe no mar da Imortalidade. 1086. Um homem foi ver um sadhu (monge) e com grande demonstração de humildade, lhe disse: “Senhor, seu sou uma pessoa muito baixa. Diga-me como posso me salvar”. Lendo seu coração, o sadhu lhe disse: “Bem, traga-me algo que seja mais vil e depreciável que você”. O homem foi e buscou em todas as partes sem poder encontrar nada pior. No final viu seus próprios excrementos e disse: “Aqui vejo algo que, seguramente, é pior que eu”. Estendeu suas mãos para pegá-los e levá-los ao sadhu, mas neste momento ouviu uma voz que saía dos mesmos excrementos e que dizia: “Não me toquem oh pecador! Eu era um delicioso pastel, agradável à vista e digno de ser oferecido aos devas (seres celestiais). Mas por minha má sorte caí em suas mãos e o contato que teve comigo reduziu-me a tão detestável condição, quando as pessoas fogem, ao me ver, escondendo o rosto e tapando o nariz com o lenço. Uma só vez tendo contato com você e veja qual é o meu destino. A que degradação maior chegarei se você me tocar novamente?”. Deste modo aquele homem recebeu uma lição de verdadeira humildade e de tornou o mais humilde dos humildes. Como resultado, alcançou a suprema perfeição. 1087. Em certa época, o orgulho entrou no coração de Narada e lhe fez pensar que não havia ninguém que fosse mais devoto que ele. Lendo seu coração, o Senhor lhe disse: “Vá a tal lugar. Um grande devoto vive ali. Cultive sua amizade pois ele é um verdadeiro devoto meu”. Narada foi ao dito lugar e encontrou um lavrador que se levantava muito cedo, pronunciava uma só vez o nome de Hari (Deus) e logo pegava o arado e trabalhava no campo o dia todo. À noite tornava a pronunciar o nome de Hari antes de se deitar. Narada pensou: “Como pode este rústico ser um amante de Deus? Está continuamente ocupado com seus deveres mundanos e não vejo nele, nem ao seu redor, nenhum sinal de homem espiritual”. Narada voltou para onde estava o Senhor e lhe disse o que pensava sobre o campesino. Depois de ouvi-lo o Senhor lhe disse: “Narada, tome este pote cheio de azeite, vá com ele ao redor da cidade e depois volte aqui. Mas tenha o cuidado de não deixar cair uma só gota de azeite”. Narada fez o que ele disse e quando voltou o Senhor lhe perguntou: “Bem, Narada, quantas vezes lembrou de mim enquanto caminhava ao redor da cidade?”. “Nem uma só vez – respondeu Narada. Como poderia fazê-lo, se tinha que colocar toda a minha atenção no pote para que o azeite não escorresse?”. Então o Senhor disse: “Este pote cheio de azeite absorveu sua atenção a ponto de esquecer totalmente de mim. Em troca, aquele homem rústico, mesmo levando a pesada carga de família, lembra duas vezes por dia”. 1088. Dois yoguis estavam praticando austeridades com intenção de realizar o Senhor. Narada, o divino sábio, passou diante da ermida onde eles viviam. Um dos yoguis perguntou a Narada: “Vem do céu?”. Narada respondeu: “Assim é”. O yogui disse: “Diga-me, que viu o Senhor fazer no céu?”. Narada respondeu: “Vi o Senhor jogar fazendo passar camelos e elefantes pelo orifício de uma agulha”. Ao ouvir isto, um dos yoguis observou: “Isso não me surpreende, pois nada é impossível para Deus!”. Mas o outro homem exclamou: “Que insensatez! Isso é impossível! Somente prova que você nunca esteve na morada do Senhor”. O primeiro homem era um bhakta e tinha a fé de um menino. Nada é impossível para o Senhor e ninguém pode conhecer Sua natureza plenamente. DEle se podem prescindir todas as coisas. 1089. Uma vez um rapazinho estava a ponto de morrer e parecia que não havia ninguém que pudesse salvar sua vida. Então um sadhu disse ao pai do moribundo: “Há uma só esperança. Se puder conseguir, em uma caveira, o veneno de uma cobra mesclada com algumas gotas de chuva que esteja sob a constelação da estrela Svati, então a vida de seu filho poderá ser salva”. O pai olhou para o céu e viu que a constelação de Svati estaria em ascensão no dia seguinte. Orou, então, dizendo: “Oh! Senhor! Torne possível todas essas condições e salve a vida de meu filho”. Com extrema ansiedade e desejo, na tarde do dia marcado o aflito pai saiu e começou a procurar uma caveira em um lugar deserto. No final a encontrou debaixo de uma árvore e, tomando-a em suas mãos esperou, chorando, a chuva cair. De repente começou a chover e algumas gotas caíram na caveira. O homem disse a si mesmo: “Já consegui a água da chuva sob a constelação propícia”. Logo, deixando a caveira no chão orou com grande fervor: “Conceda-me, Senhor, que consiga o que falta”. Pouco depois viu, não muito longe dali, um sapo e uma cobra que se dispunha a agarrá-lo. Em um instante o sapo saltou sobre a caveira, seguido pela cobra, cujo veneno caiu dentro da caveira. Abrumado pelo sentimento de gratidão, o ansioso pai exclamou, em voz alta: “Senhor, pela Sua graça as coisas impossíveis se tornam possíveis. Agora sei que a vida de meu filho será salva”. É por isso que se você tiver verdadeira fé e fervoroso desejo, conseguirá tudo pela graça do Senhor. 1090. As práticas espirituais (sádhanas) são absolutamente necessárias para a realização. Mas quando há perfeita fé, um pouco de prática é suficiente. Uma vez o sábio Vyasa estava para cruzar o rio Yamuná quando chegaram as gopis (pastoras) que também queriam cruzar o rio. Mas como não havia nenhum barco elas perguntaram a Vyasa: “Senhor, que faremos?”. Vyasa respondeu: “Não se aflijam. Eu as levarei até a outra margem. Mas antes podem me dar algo para comer? Estou com muita fome”. As gopis ofereceram ao sábio uma boa quantidade de leite, creme e manteiga fresca e Vyasa comeu tudo. Logo as gopis perguntaram: “Bem, como cruzaremos o rio agora?”. Vyasa parou à margem do rio e orou: “Oh! Yamuná! Como eu não comi nada hoje, por essa virtude lhe peço que afaste suas águas para que nós possamos caminhar sobre seu leito e chegar à outra margem”. Ao pronunciar essas palavras as águas se abriram deixando seco o leito do rio. As gopis ficaram assombradas. Pensaram: “Como pode dizer ‘como não comi nada hoje’, quando acaba de comer tanto?”. Elas não compreenderam que aquilo provava a firme fé de Vyasa, de que ele não tinha comido nada, mas que era o Senhor que morava dentro dele quem, na realidade, havia comido. 1091. Havia um brahmin que oficiava de sacerdote na capela de uma casa particular. Em dia ele teve que se ausentar e deixou um filho seu, de pouca idade, ao encargo da capela. Disse-lhe que pusesse a comida ante a Deidade e esperasse que a comesse. O menino, seguindo as instruções de seu pai colocou as oferendas ante a imagem e esperou em silêncio. Mas a imagem não comeu, nem falou. Esperou longo tempo, olhando a imagem. Tinha fé em que a imagem desceria do altar, se sentaria diante da oferenda e a comeria. Orou dizendo: “Oh! Senhor, vem comer! Está ficando tarde e eu não posso esperar mais”. Mas o Senhor não falou. Então o menino começou a chorar, dizendo: “Senhor, meu pai me disse que o Senhor comeria a oferenda. Por que não vem agora? O Senhor sempre come o que meu pai Lhe oferece. Que eu fiz para que o Senhor não coma minha oferenda?”. Chorou amargamente um longo tempo. Logo, ao levantar os olhos, viu que a Deidade em forma humana estava comendo as oferendas! Quando terminou o culto e o menino saiu da capela, as pessoas da casa disseram: “Se o culto terminou traga as oferendas”. O menino respondeu: “Sim, mas o Senhor comeu tudo”. Com grande assombro todos perguntaram: “Que está dizendo?”. O menino, com absoluta inocência repetiu: “Sim, o Senhor comeu tudo o que Lhe foi oferecido”. Então eles entraram na capela e ficaram mudos de surpresa ao ver os pratos vazios. Tal é o poder do verdadeiro desejo e da verdadeira fé. 1092. O extremado desejo é o meio mais seguro de alcançar a visão de Deus. Deve-se ter uma fé parecida com a de um inocente menino e um desejo como ele sente, quando quer ver sua mãe. Havia um menino chamado Yatila. Costumava ir sozinho à escola cruzando um bosque. Freqüentemente se sentia desamparado e tinha medo. Contou isso a sua mãe e ela lhe disse: “Por que ter medo, meu filho? Quando estiver assustado chame Krishna em voz bem alta”. O menino perguntou: “Quem é Krishna, mãe?”. A mãe respondeu: “Krishna é seu irmão”. No dia seguinte quando Yatila se encontrou só no bosque e sentiu medo, gritou: “Irmão Krishna!”. Ao perceber que não vinha ninguém tornou a chamar: “Oh! Irmão Krishna! Onde está? Venha e me proteja. Tenho medo”. Ouvindo o chamado do menino, tão cheio de fé, Krishna não pode permanecer oculto por mais tempo. Na forma de um jovem apareceu ante o menino e lhe disse: “Aqui estou, sou seu irmão! Por que tem medo? Venha, vou levá-lo à escola”. Depois de acompanhar o menino até a escola, o Senhor Krishna lhe disse: “Eu virei todas as vezes que me chamar, não tenha medo”. Tal é o poder da verdadeira fé no Senhor e o real desejo por Ele! 1093. Uma leiteira costumava levar leite a um sacerdote brahmin que vivia no outro lado do rio. Devido à irregularidade do serviço de barcos, ela não podia chegar com pontualidade à casa do brahmin todos os dias. Uma vez, ao ser repreendida por sua demora, a pobre mulher disse: “Que posso fazer? Saí cedo de minha casa mas tive que esperar muito tempo pela chegada do barqueiro e dos outros passageiros”. O sacerdote lhe disse: “Mulher! As pessoas cruzam o oceano da vida pronunciando o ‘nome’ de Deus e você não pode cruzar este pequeno rio?”. A mulher, que era muito simples, se pôs muito contente ao ouvir que era tão fácil cruzar o rio. A partir do dia seguinte levou o leite com pontualidade. Certa vez o sacerdote perguntou à mulher: “A que se deve que você não chega tarde como antes?”. Ela respondeu: “Cruzo o rio pronunciando o nome do Senhor, como me ensinou, assim não tenho que esperar o barqueiro”. O brahmin não pode acreditar no que ouvia e disse: “Você pode me mostrar como atravessa o rio?”. Ambos desceram até o rio e a mulher começou a caminhar sobre as águas repetindo o nome de Deus. Dando a volta viu o sacerdote todo apurado, tentando levantar a roupa e lhe disse: “Como é isso, o senhor pronuncia o nome do Senhor com seus lábios mas, ao mesmo tempo, levanta a roupa? Não confia plenamente no Senhor!”. A entrega completa e a absoluta fé em Deus são a raiz de todos os feitos milagrosos. 1094. Em uma certa ocasião, encontrando dificuldade em conciliar as teorias opostas do livre arbítrio do homem e da graça de Deus, dois discípulos do Mestre foram vê-lo para que lhes desse uma solução. O Mestre lhes disse: “Por que falam de livre arbítrio? Tudo depende da vontade do Senhor. Nossa vontade está atada à vontade do Senhor, como a vaca a uma estaca. Não há dúvida de que, como a vaca, temos certa liberdade dentro de um círculo limitado. Por isso o homem pensa que sua vontade é livre. Mas o certo é que sua vontade depende da vontade do Senhor”. Discípulo: Então não é necessário praticar austeridades, meditação e tudo o mais? Alguém pode se sentar tranqüilo e dizer que tudo acontece pela vontade de Deus, que o que é feito é feito por “Sua” vontade? Sri Ramakrishna: Oh! Que efeito terá tudo isso se somente se trata de simples palavras? Por mais palavras que você use para negar a existência dos espinhos, não se livrará da dor se for ferido por um deles. Se dependesse exclusivamente da vontade do homem fazer práticas espirituais, então todo o mundo o faria, mas é evidente que nem todos podem fazê-las. E por que? Mas há outra coisa. Se não utilizar bem a quantidade de força que recebeu de Deus, Ele não a dará mais. É por isso que o esforço próprio é necessário e que cada um deve lutar e se esforçar para estar em condições de receber a graça de Deus. Pelo esforço pessoal, mediante Sua graça, os sofrimentos de muitas vidas poderão se esgotar em uma só vida. Mas algum esforço próprio é absolutamente necessário. Contarei uma história: Uma vez Vishnú, o Senhor de Golaka, maldisse Narada, dizendo-lhe que seria atirado no inferno. Isto produziu em Narada uma grande perturbação mental e começou a cantar cânticos devocionais e rogar ao Senhor que lhe mostrasse o inferno e como alguém poderia ir até lá. Vishnú traçou no chão, com giz, o mapa do universo marcando a exata posição do céu e do inferno. Então Narada, marcando a parte do mapa que representava o inferno, disse: “É como isto? Este, então, é o inferno?”. Assim dizendo, rodopiou sobre esse lugar, aduzindo que estava sofrendo todas as penas do inferno. Vishnú perguntou sorrindo: “Como é isso?” e Narada respondeu: “Senhor, o céu e o inferno não são criações Suas? Quando o Senhor traçou o mapa do universo e marcou o inferno, esse lugar se converteu em um verdadeiro inferno. E quando eu rodei sobre ele, meu sofrimento foi muito intenso. Assim sendo, já sofri todos os castigos do inferno”. Narada falou com sinceridade e, por isso, Vishnú ficou satisfeito com a explicação. 1095. Certa vez o orgulho penetrou no coração de Arjuna, o muito querido companheiro de Sri Krishna. Pensou que ninguém poderia se igualar ao seu amor e devoção para Sri Krishna, seu Senhor e amigo. O onisciente Senhor, lendo o coração de Seu amigo, um dia o levou para dar um passeio. Depois de caminharem um curto trecho Arjuna viu um estranho brahmin. Comia pasto seco e levava uma espada pendurada na cintura. Arjuna se deu conta de que aquele era um piedoso devoto de Vishnú, cujo mais alto dever religioso era não prejudicar nenhum ser. Como mesmo o pasto tem vida o brahmin, para alimentar-se, não o comia quanto estava verde, mas somente quando estava seco e sem vida. Contudo levava uma espada. Surpreso por tal incongruência Arjuna, dirigindo-se a Sri Krishna disse: “Como é isto? Ali há um homem que renunciou a toda idéia de prejudicar ser algum, nem sequer a uma folha de erva e, no entanto leva uma espada, que é símbolo da morte e ódio!”. O Senhor disse: “É melhor que você mesmo pergunte”. Arjuna então se aproximou do brahmin dizendo-lhe: “O senhor não causa nenhum dano a um ser vivente e se alimenta de pasto seco. Por que, então, leva essa afiada espada?”. Brahmin: É para castigar quatro pessoas, se encontrá-las. Arjuna: Quem são essas pessoas? Brahmin: O primeiro é o miserável Narada. Arjuna: Por que? Que fez ele? Brahmin: Por que? Olhe a audácia deste indivíduo. Com seus cantos e músicas ardentes mantém meu Senhor sempre desperto. Não tem consideração e respeito algum pela comodidade do Senhor. Dia e noite, em qualquer estação, perturba a paz do Senhor com suas pregações e louvores. Arjuna: Quem são as outras pessoas? Brahmin: A imprudente Draupadi. Arjuna: Qual é a sua culpa? Brahmin: Considere a desmedida audácia dessa mulher. Foi tão desconsiderada que chamou meu querido Senhor justo no momento em que Ele se dispunha a comer. Assim Ele teve que abandonar a refeição e ir a Kamyaka Vana para salvar os Pádavas da maldição de Durvasa. E sua presunção chegou a tal ponto que fez meu Senhor comer as sobras de sua própria comida. Arjuna: Quem é o terceiro? Brahmin: Esse Prahlada que não tem coração. Foi tão cruel que nem vacilou um momento em pedir ao meu Senhor que entrasse em uma caldeira com azeite fervente, que tinha sido pisado por um enorme elefante e que atravessara um duríssimo pilar. Arjuna: Quem é o quarto? Brahmin: O miserável Arjuna. Arjuna: E que falta cometeu? Brahmin: Olha sua deslealdade. Fez com que meu bem-amado Senhor tivesse que desempenhar o reles ofício de condutor de seu carro, na grande batalha de Kurukshetra. Arjuna ficou maravilhado ante a profundidade da devoção e Amor do pobre brahmin que, daquele momento em diante, desvaneceu-se seu orgulho e desejo de pensar que era o melhor devoto do Senhor. 1096. Em certa aldeia vivia um tecelão e que era um homem muito piedoso. Todos o queriam e confiavam nele. O tecelão costumava ir ao mercado vender seus tecidos. Quando os paroquianos lhe perguntavam o preço dos tecidos costumava dizer: “Pela vontade de Rama, o fio custa uma rúpia; pela vontade de Rama, o trabalho vale quatro annas (um quarto de rúpias); pela vontade de Rama, a ganância é de dois annas; pela vontade de Rama, o preço do tecido é de uma rúpia e dois annas”. As pessoas confiavam tanto nele que imediatamente pagavam o preço e levavam o tecido. Ao anoitecer, depois da ceia, o tecelão se sentava e meditava em Deus por longo tempo repetindo Seu santo “nome”. Uma noite o tecelão estava sentado, fumando no pátio de sua casa, perto da porta de entrada. Passou por ali um bando de ladrões. Eles precisavam de uma pessoa que carregasse o que iam roubar e vendo o tecelão, o levaram. Os ladrões entraram em uma casa e roubaram muitas coisas que colocaram sobre a cabeça do pobre tecelão. Mas, de improviso, chegou a polícia. Os ladrões fugiram mas o tecelão foi surpreendido com sua carga e teve que passar a noite na prisão. No dia seguinte foi levado ante o juiz. Inteirando-se do assunto, os aldeões foram ver o tecelão e, unanimemente, declararam ao magistrado: “Vossa Senhoria, este homem é incapaz de roubar coisa alguma”. Então o magistrado pediu ao tecelão que descrevesse o que tinha acontecido. Ele disse: “Vossa Senhoria, pela vontade de Rama eu estava sentado no pátio, em minha casa. Pela vontade de Rama era muito avançada a noite. Eu, pela vontade de Rama, estava meditando em Deus e repetindo Seu santo ‘nome’. Pela vontade de Rama, passou um bando de ladrões e me levaram com eles. Pela vontade de Rama entraram em uma casa. Pela vontade de Rama puseram uma carga sobre minha cabeça. Pela vontade de Rama fui preso. Logo, pela vontade de Rama, passei toda a noite na prisão e, esta manhã, me trouxeram ante Sua Senhoria”. O magistrado, vendo a inocência e espiritualidade do tecelão ordenou que fosse posto em liberdade. Ao sair, o tecelão disse a seus amigos: “Pela vontade de Rama me soltaram”. Vivendo neste mundo ou renunciando a ele, tudo depende da vontade de Rama. Deixe sua responsabilidade sobre Deus e trabalhe no mundo. 1097. Um ladrão entrou no palácio do rei ao cair da noite e ouviu que o rei dizia à rainha: “Darei minha filha em matrimônio a um dos sadhus (ascetas) que vivem às margens do rio”. O ladrão pensou: “Há aqui uma grande oportunidade para mim. Amanhã irei sentar entre os sadhus vestindo-me como eles e talvez seja escolhido para esposo da filha do rei”. No dia seguinte assim o fez. Quando os emissários do rei vieram para dizer aos sadhus que um deles se casaria com a filha do rei, nenhum deles aceitou. Finalmente se aproximaram do ladrão com aspecto de sadhu e repetiram a mesma proposta. O ladrão não respondeu nada. Os emissários voltaram ao palácio real e disseram a ele que havia um jovem sadhu que poderia ser influenciado para que se casasse com princesa e que nenhum outro havia aceitado. O rei se viu obrigado a ir pessoalmente ver o sadhu para lhe rogar fervorosamente que o honrasse, aceitando a mão de sua filha. Mas a visita do rei provocou uma mudança no coração do ladrão. Pensou: “A única coisa que eu tenho de sadhu é o hábito e, contudo, o rei vem rogar-me para que aceite a sua filha. Quem pode dizer quantas coisas melhores me estão reservadas, se me converter em um verdadeiro sadhu!”. Estes pensamentos afetaram tão fortemente que deste dia em diante, começou a mudar de vida e se exercitou para se converter em um verdadeiro sadhu. Abandonou toda a idéia de matrimônio e chegou a ser um dos mais piedosos ascetas de seu tempo. O fingimento de algo bom nos conduz, às vezes, a bons e inesperados resultados. Renúncia e desapego 1098. Um homem que estava sem emprego, estava sendo pressionado constantemente pela sua esposa para que buscasse alguma ocupação. Certo dia, estando seu filho gravemente doente, saiu em busca de emprego. Nesse meio tempo o filho morreu e procuraram o pai em todas as partes, sem que fosse encontrado. Finalmente, ao anoitecer, voltou à sua casa e teve que ouvir as ásperas reprovações da esposa por causa de sua desapiedada conduta, ao ter saído enquanto seu filho estava morrendo. O homem respondeu com um sorriso: “Olhe, uma vez sonhei que era um rei e tinha sete filhos, com os quais passava feliz a vida. Mas quando acordei, não encontrei nenhum deles, tudo tinha sido um sonho. Diga-me agora, por quem devo me afligir? Por aqueles sete filhos ou por este, que você acaba de perder?”. O homem que sente que este mundo é um sonho não experimenta, como os homens comuns, o prazer e a dor que nascem das relações mundanas. 1099. Em certa ocasião um jovem sannyasin bateu na porta de uma casa para mendigar sua comida. Tinha abraçado a vida monástica desde muito jovem e não tinha muito conhecimento do mundo. Foi atendido por uma jovem senhora. Ao ver seus seios, o sannyasin perguntou se ela tinha tumores. A mãe da jovem respondeu: “Não filho, isso o que ela tem não são tumores. Logo dará à luz e Deus encheu seus seios de leite para que possa amamentar a criança quando nascer”. Assim que ouviu isso o jovem sannyasin exclamou: “Não mendigarei mais. Aquele que me criou também me alimentará”. 1100. Um homem e sua esposa renunciaram ao mundo e juntos empreenderam peregrinação a vários lugares sagrados. Um dia enquanto caminhavam, o esposo, que estava à frente de sua companheira, viu um pedaço de diamante no chão. Imediatamente ocultou a pedra tapando-a com terra porque pensou que se sua esposa a visse, talvez a cobiça pudesse ser despertada nela e perderia, desse modo, o mérito da renúncia. A esposa, ao ver o marido removendo a terra, lhe perguntou o que estava fazendo. Ele lhe deu uma resposta evasiva. Ela, contudo, descobriu o diamante e lendo o pensamento de seu esposo lhe disse: “Por que abandonou o mundo, se faz distinção entre o diamante e o pó?”. 1101. De que maneira pode um homem ter vairagya (desapego)? Uma mulher disse ao seu esposo: “Querido, estou muito preocupada com meu irmão. Faz uma semana que ele está pensando em se fazer asceta e está se preparando para dar esse passo. Está reduzindo gradualmente todos os seus desejos e necessidades”. O marido respondeu: “Querida, não se preocupe com seu irmão. Nunca chegará a ser um sannyasin. Ninguém se transforma em um asceta desse modo”. A esposa perguntou: “Como, então, alguém se faz um sannyasin?”. O marido respondeu: “Vou lhe mostrar!”. Dizendo isso, tirou sua roupa, rasgou uma tira e a colocou ao modo de uma tanga e disse a sua esposa que, diante dela e as demais mulheres, as mesmas seriam como mães para ele. Em seguida abandonou o lar para nunca mais voltar. 1102. “O farei pouco a pouco, vou considerá-lo, logo vou começar”. Estas expressões, que ocultam o desejo de diferir toda a determinação, indicam um espírito de fraca renúncia. Mas para aqueles, em cujo coração arde o fogo da intensa renúncia, nada mais há de se querer exceto Deus. Suspira por Deus como uma mãe por seu filho. O mundo é para ele como um poço profundo e se mantém sempre alerta para não cair nele. Tem firme determinação e não pensa como os outros: “Primeiro resolverei os assuntos e família e depois meditarei em Deus”. Uma vez, em certa região, houve uma grande seca e os lavradores começaram a cavar valas para regar seus campos com água do rio, sem preocupar-se em comer ou tomar banho. Pouco antes do meio-dia a esposa o mandou chamar por uma de suas filhas que disse ao pai: “Papai, já é hora de comer. Trouxe azeite para que massageie seus pés e tome banho”. O pai respondeu: “Não posso deixar este trabalho até terminar”. Às duas horas da tarde o lavrador continuava trabalhando, sem pensar em banho, nem em comida. Por fim a esposa foi chamá-lo e lhe disse: “Como ainda não tomou banho? A comida está fria. Você sempre vai ao extremo. Agora pode deixar. Fará o resto do trabalho amanhã ou depois de comer”. O homem ficou furioso e ameaçando a mulher com a enxada, exclamou: “Tola e insensata mulher! Não vê que a colheita está se perdendo e todos morrerão de fome? Estou decidido a trazer água para o nosso campo hoje mesmo e depois pensarei em outras coisas”. A mulher, ao compreender a situação, se afastou do local. Depois de hercúleo labor, estando bem tarde da noite, o lavrador pode cumprir seu desejo. Quando ouviu o murmurante ruído da água do rio que chegava a seu campo, seu deleite não teve limites. Então foi à sua casa, pediu à sua esposa que lhe trouxesse azeite e lhe preparasse o cachimbo. Depois de banhar-se e cear, dormiu profundamente. Esta espécie de determinação ilustra claramente sobre a intensa vairágya. Outro lavrador também estava ocupado na mesma tarefa. Mas quando a esposa veio e lhe pediu que voltasse para casa ele a seguiu, sem protestar, colocando a enxada no ombro e dizendo: “Bem, já que veio, devo voltar com você”. Desse modo não pode regar seu campo a tempo. Isto ilustra a fraca e tardia vairágya. Assim como sem firme determinação não se pode irrigar o campo, também sem intenso anelo em Deus ninguém pode alcançar o bendito estado de visão Divina. 1103. Um pescador entrava escondido, à noite, no parque de uma mansão particular e pescava em um tanque que ali havia. O proprietário inteirou-se disto e ordenou a seus homens que rodeassem o parque e, ao mesmo tempo, em companhia de outros, foi com tochas buscar o ladrão. Entretanto o pescador, não encontrando modo de escapar, sentou-se como um sadhu debaixo de uma árvore depois de esfregar cinzas sobre seu corpo. Assim os que procuravam o ladrão não o encontraram, mas viram o sadhu com o corpo coberto de cinzas sagradas sentado sob uma árvore, em profunda meditação. Na manhã seguinte se divulgou pela vizinhança a notícia de que um grande sadhu tinha chegado a esse lugar. Centenas de pessoas correram até lá com presentes de frutas e doces, a fim de homenageá-lo. Também começou a se juntar moedas de ouro e prata diante dele. Então o pescador pensou: “Que assombroso é isto! Eu não sou um verdadeiro sadhu, contudo as pessoas me fazem tanta reverência! Então, se me converter em um sadhu, seguramente realizarei Deus”. Foi assim que essa simples imitação provocou um verdadeiro despertar na mente daquele pescador. 1104. Um sadhu obteve poderes ocultos e, por isso, começou a encher-se de vaidade. Contudo, no fundo era um homem bom e tinha praticado muitas austeridades. Para corrigi-lo o Senhor apareceu diante dele vestido de sannyasin e lhe disse: “Senhor, ouvi que o senhor obteve grandes poderes ocultos”. O sadhu o recebeu com grande respeito e lhe pediu que se sentasse. Nesse momento passou por ali um elefante e o sannyasin, ao vê-lo, disse ao sadhu: “Bem, se o senhor quiser pode matar esse elefante?”. O sadhu respondeu: “Sim, posso fazê-lo” e pegando um punhado de terra, atirou contra o elefante, pronunciou algumas palavras de encantamento e o animal caiu morto. Então o sannyasin exclamou: “Oh, que maravilhoso é seu poder! Com que facilidade matou o elefante!”. O sadhu sorriu, ao ouvir esses louvores. O sannyasin acrescentou: “Bem, o senhor pode trazer novamente o elefante à vida?”. “Sim, também posso fazer isso”, respondeu o sadhu e atirou outro punhado de terra sobre o elefante morto, o qual voltou à vida e em seguida se levantou. Ao ver isso o sannyasin observou: “Assombroso é seu poder! Mas gostaria de lhe fazer uma pergunta. O senhor matou o elefante e logo o ressuscitou, mas que benefício isto lhe trouxe? Isso melhorou seu próprio estado? O ajudou a alcançar Deus?”. Dizendo isto, desapareceu. 1105. Um lenhador levava uma mísera vida com os escassos meios que obtinha vendendo lenha que trazia de um bosque próximo. Uma vez um sannyasin passou pelo bosque e vendo o lenhador, o aconselhou que prosseguisse adiante e se aprofundasse mais no coração do bosque, assegurando-lhe que sairia ganhando. O lenhador obedeceu e aprofundando-se no bosque, chegou a um lugar onde havia muitas árvores de sândalo. Cortou todos os ramos que pode, os levou ao mercado onde vendeu conseguindo muito dinheiro. Logo começou a pensar por que o sannyasin não lhe havia dito nada sobre as árvores de sândalo e simplesmente lhe havia aconselhado a entrar mais fundo no bosque. No dia seguinte, o lenhador foi mais além do lugar onde encontrou as árvores de sândalo e encontrou uma mina de cobre. Tirou todo o metal que pode, o levou ao mercado onde vendeu e conseguiu muito dinheiro. No outro dia, sem deter-se na mina de cobre seguiu mais adiante, de acordo com o conselho do sannyasin e encontrou uma mina de prata. Levou toda a prata que pode e vendendo-a, obteve muito mais dinheiro. E assim, dia após dia, foi aprofundando-se mais e mais longe no bosque. Encontrou minas de ouro e diamantes e, ao final, tornou-se imensamente rico. O mesmo acontece com o homem que aspira a Sabedoria. Se ele não se detém em seu progresso por ter encontrado algum poder extraordinário ou sobrenatural, seguramente obterá a verdadeira riqueza do eterno Conhecimento e a suprema Verdade. 1106. Durante o reinado de Akbar, um fakir (asceta muçulmano) vivia em um bosque à curta distância da cidade de Deli. Muitas pessoas visitavam o santo em sua choça. Mas como ele não tinha nada a oferecer em hospitalidade aos visitantes pensou em pedir ajuda a Akbar Shah, que era muito famoso por sua bondade para com os ascetas. Quando o fakir chegou ao palácio real, se dirigiu ao oratório e encontrou Akbar ali, que orava dizendo: “Oh Senhor, conceda-me mais riquezas, mais poder e mais territórios!”. De imediato o fakir se dispôs a sair do oratório, mas o Imperador lhe fez sinal para que se sentasse. Quando terminou sua oração Akbar lhe perguntou: “O senhor, veio me ver. Por que então queria ir embora sem falar comigo?”. O fakir respondeu: “Bem, ao chegar aqui me dei conta de que não há necessidade de incomodar Sua Majestade”. Mas ante a insistência de Akbar para que lhe confiasse o objeto de sua visita, o fakir finalmente disse: “Muitas pessoas vêm me ver para receber ensinamentos, mas por falta de dinheiro não posso oferecer hospitalidade a todos. Por essa razão pensei em vir pedir ajuda a Sua Majestade”. Akbar, então, lhe perguntou por que retornaria sem expressar o seu desejo. O fakir respondeu: “Quando vi que o senhor também é um mendigo e pedia a Deus fortuna, poder e territórios, disse a mim mesmo: por que devo pedir algo a outro mendigo? É melhor que dirija meu pedido ao Senhor Mesmo, já que não posso evitar mendigar!”. 1107. Um brahmin se encontrou com um sannyasin e ambos tiveram uma longa conversa sobre temas mundanos e religiosos. No final o sannyasin disse, dirigindo-se ao brahmin: “Olhe filho, neste mundo ninguém pode contar com ninguém. Nenhuma pessoa que você acredite ser sua lhe pertence, na realidade”. O brahmin não quis acreditar nisso. Como podia pensar que os membros de sua família, para quem ele trabalhava e se desdobrava dia e noite, não fossem seus verdadeiros amigos, com cujo auxílio ele poderia contar? Respondendo ao sannyasin se expressou deste modo, em resposta: “Senhor, quando eu sofro mesmo que uma leve dor de cabeça, minha mãe se preocupa tanto por mim, que fica disposta a dar sua vida com a intenção de me trazer algum alívio. Que uma mãe assim não deva ser considerada uma verdadeira amiga em quem eu possa confiar sempre, é algo que não entra em minha cabeça”. O sannyasin respondeu: “Se tal fosse ocaso, então ela poderia ser considerada uma verdadeira amiga. Mas para saber da verdade, devo lhe dizer que está muito equivocado. Se quiser verificar o que eu lhe digo, volte à sua casa, finja que está com uma insuportável dor de estômago e comece a lamentar-se e a gemer. Eu logo irei e lhe mostrarei algo divertido”. O brahmin fez o que combinaram. Foram chamados vários médicos mas nenhum pode dar alívio ao doente. A mãe do paciente começou a suspirar demonstrando grande aflição. A esposa e os filhos também choravam. Nesse momento chegou o sannyasin. “A enfermidade é muito séria. Eu não vejo possibilidade alguma de que o doente se recupere, a menos que alguém ofereça por ele sua própria vida”, disse ele. Ao ouvir isto, todos ficaram espantados. O sannyasin, então, dirigindo-se à velha mãe do paciente lhe disse: “Viver ou morrer seria para a senhora o mesmo se perdesse um filho, em sua velhice, que ganha o sustento para a senhora e toda sua família. Se a senhora der sua vida em troca da dele, eu poderei salvar seu filho. Mas se a senhora, que é sua mãe, não pode fazer este sacrifício, quem poderá fazê-lo?”. A anciã mulher disse entre gemidos: “Reverendo pai, estou pronta para fazer tudo o que o senhor me ordenar, pelo bem do meu filho. Minha vida... que é minha vida em comparação a de meu filho? Mas pensar, que farão estes pequenos depois de minha morte, faz de mim uma covarde. Desventurada de mim, porque estas crianças me impedem de fazer o sacrifício”. Ao ouvir este diálogo entre o sannyasin e a sogra, a esposa do paciente chorou amargamente e dirigindo-se a seus próprios pais, disse: “Por amor a vocês, queridos pais, não posso fazer o sacrifício”. O sannyasin perguntou se ela não podia sacrificar-se pelo seu esposo, já que a mãe tinha recusado. A esposa disse: “Infeliz de mim! Se é meu destino ficar viúva, que assim seja. Minha morte perpetuaria o sofrimento de meus pais e isso me impede de fazer o sacrifício”. Assim, um após o outro, todos trataram de se salvar da embaraçosa situação. Então o sannyasin disse ao paciente: “Vê que ninguém está disposto a sacrificar sua vida por você. Compreende agora porque lhe disse que ninguém pode depositar esperanças em ninguém, neste mundo?”. Ao ver tudo isto, o brahmin abandonou o assim chamado lar e seguiu com o sannyasin. 1108. Um discípulo que praticava hatha yoga, disse ao seu guru que sua esposa o amava muito e que, por isso, não podia renunciar ao mundo. O guru, para convencê-lo da vacuidade do que alegava, lhe ensinou alguns segredos relativos a esta yoga. Um dia, repentinamente, começaram a se ouvir lamentos e soluços na casa do discípulo. Houve uma grande consternação. Todos os vizinhos foram ver o que estava acontecendo e encontraram o hatha yogui em um cômodo, completamente imóvel e seu corpo estava em uma posição muito particular. Todos pensaram que faltava vida a esse corpo. A esposa se lamentava dizendo: “Ai de mim! Para onde foi, querido? Por que nos abandonou? Nunca pensei que semelhante calamidade caísse sobre nós!”. Então os parentes trouxeram uma maca para levar o cadáver ao crematório. Mas se encontraram em uma séria dificuldade. Devido a sua postura contorcida, o corpo do morto não passava pela porta. Ao ver isso um dos vizinhos trouxe um machado e começou a cortar a moldura da porta. Quando percebeu que ele estava com a intenção de fazer isso, a esposa exclamou: “Não, não; não faça isso. Estou viúva e não tenho ninguém que me ajude. Tenho que criar meus filhos, que já não têm pai. Se cortarem a porta, quem a consertará? O que deveria acontecer ao meu esposo já aconteceu. Será melhor que cortem seus braços e pernas para que o corpo passe pela porta”. Nesse preciso momento o hatha yogui despertou, por ter acabado o efeito da droga que havia tomado por conselho do guru e conseguiu ouvir as últimas palavras de sua esposa e lhe disse com desprezo: “Mulher, quer dizer que queria cortar minhas pernas e braços?”. Dizendo isto, abandonou a casa e a família e de foi com seu guru. A natureza de maya 1109. Um homem estava cruzando um bosque. No caminho foi assaltado por três ladrões que roubaram tudo o que tinha. Logo o primeiro dos ladrões perguntou: “De que nos vale deixar este homem com vida?”. Tirou sua faca e estava a ponto de matá-lo, quando o segundo ladrão o deteve dizendo: “Para que matá-lo? Vamos amarrar suas mãos e pés e tirá-lo da beira do caminho”. Assim fizeram. Depois de estarem a uma certa distância, o terceiro ladrão voltou e disse: “Ah! Está ferido? Vamos, vou desatá-lo e deixá-lo em liberdade”. Depois de desamarrá-lo lhe disse: “Vem agora comigo. Eu lhe mostrarei o caminho”. Caminharam uma longa distância e quando chegaram a uma encruzilhada, o ladrão disse ao viajante: “Olhe, ali está sua casa. Siga por este caminho e logo estará nela”. Agradecendo-lhe o homem disse: “O senhor me fez um grande favor. Estou muito agradecido. O senhor não quer vir a minha casa comigo?”. O ladrão respondeu: “Não, não posso, pois a polícia me encontraria”. Este mundo é o bosque. Os três ladrões são os três gunas: sattva, rajas e tamas, que constituem a natureza. O jiva ou alma individual é o viajante. Seu tesouro é o conhecimento de seu próprio Ser. Tamas o ata com os grilhões do mundo, mas sattva o protege da ação de rajas e tamas. Se refugiando em sattva, o jiva se liberta da luxúria, da ira e da ilusão, que são os efeitos de tamas. Deste modo sattva libera o jiva do cativeiro do mundo. Mas sattva também é um ladrão. Contudo leva o jiva até o caminho que conduz à Morada Suprema e lhe diz: “Olhe, aí está seu lar!”. Depois desaparece. Sattva tampouco pode entrar na região do Absoluto. 1110. Certa vez um sacerdote se dirigia para a aldeia onde vivia um discípulo seu. Não levava consigo nenhum ajudante. No caminho encontrou um homem de baixa casta e lhe disse: “Olá, bom homem, quer me acompanhar na qualidade de ajudante? Se vier comigo terá boa comida e será bem recebido”. O pobre homem respondeu: “Senhor, eu pertenço a uma casta mais baixa, como posso servir ao senhor?”. O sacerdote disse: “Não importa. Não diga nada a ninguém sobre o que você é. Não fale com ninguém, nem trave conhecimento com pessoa alguma”. Então o bom homem consentiu em acompanhar o sacerdote. Ao entardecer, enquanto o bom homem estava rezando na casa do seu discípulo chegou outro brahmin e disse ao servente: “Vá e traga-me os sapatos que deixei ali”. O servente, fiel às recomendações de seu amo, não respondeu nada. O brahmin repetiu sua ordem uma segunda vez mas o servente permaneceu mudo. O brahmin insistiu várias vezes mas ele não respondeu. No final, o brahmin se sentiu incomodado e disse: “Patife! Como se atreve a desobedecer as ordens de um brahmin? Como você se chama? Por acaso é de casta mais baixa?”. Ouvindo isso o homem começou a tremer de medo e olhando lastimavelmente para o sacerdote disse: “Venerável senhor! Fui descoberto. Não me atrevo a ficar aqui um momento mais. Deixe-me ir”. Dizendo isto saiu apavorado. Do mesmo modo, tão logo como maya é descoberta, se desvanece. 1111. Maya é incognoscível. Uma vez Narada disse ao Senhor do universo: “Senhor, mostre-Me essa Sua maya que faz o impossível possível”. O Senhor inclinou Sua cabeça em sinal de assentimento. Alguns dias depois o Senhor saiu em viagem em companhia de Narada. Depois de ter percorrido certa distância, se sentiu cansado e com sede. Sentou-se no chão e disse a Narada: “Narada, tenho muita sede. Por favor, consiga-me um pouco de água em algum lugar”. Narada se foi em busca de água. Quando se aproximou do rio, viu sentada na margem uma encantadora jovem cuja beleza o cativou. Ela começou a lhe falar com doces palavras e, em seguida, ambos sentiram mútuo amor. Narada se casou com ela e começou a levar a vida do lar. Com o passar do tempo tiveram muitos filhos. E quando vivia feliz com sua esposa e filhos, aconteceu uma epidemia na região. A morte começou a cobrar seu tributo por todas as partes. Então Narada se propôs abandonar o lugar indo viver em outra parte. Sua esposa consentiu e ambos saíram de casa com todos os seus filhos. Mas enquanto passavam por uma ponte que cruzava o rio, chegou a maré alta e a forte correnteza levou seus filhos, um após o outro. Por fim a esposa também se afogou. Assolado pela dor, Narada sentou-se na margem do rio e começou a chorar desconsoladamente. Justo nesse momento o Senhor apareceu ante ele e lhe disse: “Narada, onde está a água? Por que está chorando?”. Ao ver o Senhor, Narada sentiu grande assombro e compreendendo tudo disse: “Senhor, me inclino com reverência ante o Senhor e também me inclino ante Sua maravilhosa maya”. 1112. Uma tigresa atacou um rebanho de ovelhas. Ao saltar no meio do rebanho deu à luz a um filhote e morreu imediatamente. Mas o filhote sobreviveu e se criou entre as ovelhas. Elas pastavam e o filhote fazia o mesmo. Elas baliam e o filhote as imitava. Com o passar do tempo o filhote se tornou um grande tigre. Tempos depois outro tigre chegou ao lugar e atacou o rebanho, mas ficou surpreso ao ver ali um tigre pastando junto às ovelhas. O agarrou pelo pescoço mas o jovem tigre começou a balir como uma ovelha. O velho tigre, contudo, o arrastou até uma laguna e mostrando-lhe a imagem de ambos refletidas na água disse: “Olhe, sua forma é igual a minha. Você é um tigre como eu. Coma este pedaço de carne”. Dizendo isso colocou carne na sua boca à força. Ele balia e dizia que era uma ovelha. Mas quando sentiu o gosto de sangue, seu instinto latente despertou e começou a comer a carne. Então o velho tigre lhe disse: “Compreendeu agora que você é o mesmo que eu? Portanto venha comigo à selva”. Do mesmo modo, se você recebeu a graça do guru, já não tem o que temer. O guru abrirá seus olhos e lhe dirá quem é e o que é o seu verdadeiro Ser. 1113. Durante o discernimento profundo, quando a mente alcança o estado de perfeita paz, acontece a verdadeira revelação de Brahman, o Supremo. Uma vez um homem quis ver o rei. O monarca vivia em uma ala afastada do palácio real e para chegar lá era preciso cruzar sete portas. O homem foi ao palácio. Quando chegou à primeira porta e viu uma pessoa vestida com muita pompa e rodeada de servidores, perguntou a um amigo que o acompanhava: “Aquele é o rei?”. “Não”, respondeu o amigo com um sorriso. Passando pelas demais portas viu pessoas vestidas com a maior pompa e rodeadas de mais luxo. Na medida em que avançava ao interior do palácio aumentava o esplendor e o luxo. Cada vez que via uma pessoa de maior hierarquia, perguntava ao seu amigo se esse era o rei e recebia sempre respostas negativas. Quando, por último, cruzou a sétima porta e se encontrou cara a cara com o rei, não sentiu nenhuma necessidade de perguntar ao amigo se estava na presença do rei. Ante a vista do infinito esplendor do monarca ficou mudo e teve a íntima segurança de que se encontrava na presença do augusto personagem. Realização do Divino 1114. Uma mulher muito devota de Deus, que ao mesmo tempo era uma esposa devota, vivia com seu marido servindo-lhe e a seus filhos com muito amor e mantendo, ao mesmo tempo, a mente fixa no Senhor. Costumava usar um par de braceletes de vidro. Quando seu marido morreu, assim que seu corpo foi cremado quebrou os braceletes de vidro e os substituiu por outros de ouro puro. As pessoas ficaram muito surpresas ante esse ato singular, mas a mulher explicou: “Antes, meu marido tinha um corpo frágil como os braceletes de vidro. Aquele corpo efêmero desapareceu e voltou a ser pleno e imutável. Seu corpo já não é frágil. É por isso que tirei os braceletes de vidro, trocando por estes, cuja natureza é duradoura”. 1115. Uma vez em Dakshineswar, chegaram dois sadhus que eram pai e filho. O mais jovem tinha alcançado o verdadeiro Conhecimento e o outro não. Enquanto conversavam com Sri Ramakrishna no cômodo onde vivia, uma cobra saiu do buraco de ratos e mordeu o filho. O pai ficou terrivelmente assustado e começou a gritar pedindo ajuda. Mas o filho ficou muito tranqüilo sem se mover, o que causou estupor no pai. Quando este lhe perguntou qual a causa de sua serenidade, o filho sorriu e disse: “Que é a serpente e a quem mordeu?”. Ele tinha realizado a Unidade e, portanto, não podia fazer nenhuma distinção entre um homem e uma cobra. 1116. Em certa ocasião, um pária carregava um cesto com carne que tinha ido buscar no matadouro. Em sentido contrário vinha Sánkara, que acabara de banhar-se nas sagradas águas do rio Gangá. Sem querer o pária roçou o corpo do santo. Sánkara de ofendeu e exclamou: “Você me tocou, patife!”. O pária respondeu: “Senhor, nem eu lhe toquei, nem o senhor me tocou. Por favor, raciocine comigo e me diga se seu verdadeiro Ser é o corpo, a mente ou o intelecto. Me diga o que o senhor é, na realidade. O senhor bem sabe que o Verdadeiro Ser não está aderido a nenhum dos três gunas da natureza: nem em sattva, nem em rajas e nem em tamas”. Então Sánkara ficou envergonhado e teve o verdadeiro despertar. 1117. Um sadhu, com a intenção de compartilhar o conhecimento do Ser a um de seus discípulos, o levou a um magnífico jardim e o deixou sozinho ali. Depois de alguns dias ele voltou e perguntou ao discípulo: “Filho meu, sente necessidade de alguma coisa?”. Ao ouvir a resposta afirmativa deixou em companhia do discípulo uma bela mulher chamada Shyama, advertindo-lhe de que poderia comer peixe e carne, sem preocupação. Depois de um considerável tempo o sadhu voltou novamente, fazendo ao discípulo a mesma pergunta. O discípulo respondeu: “Não, obrigado. Agora não tenho nenhuma necessidade”. Então o sadhu, apontando para as mãos de Shyama, perguntou ao discípulo: “Pode me dizer de quem são essas mãos?”. O discípulo respondeu: “São de Shyama”. Ele repetiu a pergunta várias vezes apontando os olhos, o nariz e outras partes do corpo da jovem e o discípulo dava as apropriadas respostas. De repente surgiu na mente do discípulo a seguinte idéia: “Eu estou dizendo repetidas vezes ‘isto é de Shiama’, ‘aquilo é de Shiama’, mas na realidade, quem é Shyama?”. Desconcertado perguntou ao sadhu: “Quem é Shiama, a quem pertence os olhos, o nariz, etc?”. Ele respondeu: “Se deseja saber quem é Shiama venha comigo e ilustrarei isto”. Dizendo isto, revelou-lhe o segredo. 1118. Um homem tinha dois filhos. A seu devido tempo os colocou sob a tutela de um preceptor religioso, para que fossem iniciados na primeira etapa da vida (brahmachaya ou continência e estudos) e lhes ensinassem os Vedas. Depois de um longo tempo e uma vez concluídos os estudos, os jovens voltaram ao lar. O pai lhes perguntou se tinham estudado a Vedanta. Ao receber respostas afirmativas, lhes disse: “Bem, digam-me, o que é Brahman”. O filho mais velho, citando os Vedas e outras escrituras, respondeu: “Pai, não é possível descrevê-Lo com palavras e é impossível conhecê-Lo na mente. Brahman é assim e assim. Eu não sei tudo”. E para apoiar o que dizia, voltou a citar textos da Vedanta. “Já que você conheceu Brahman, disse o pai, pode ir se ocupar de seus assuntos”. Em seguida fez ao filho mais jovem a mesma pergunta. Mas o rapaz ficou em silêncio. Nem uma só palavra saiu de sua boca. Nem sequer teve a intenção de falar. Ao vê-lo assim calado, o pai disse: “Sim, filho meu, você tem razão. Nada se pode dizer sobre o Absoluto e Incondicionado. Se alguém pretender explicar, só poderá falar do Infinito em termos de finito, do Absoluto em termos do relativo e do Incondicionado em termos do condicionado. Seu silêncio é mais eloqüente do que citar centenas de versículos e textos sagrados”. 1119. Um brahmin muito erudito foi visitar um sábio rei e lhe disse: “Oh rei! Eu sou muito versado nas escrituras sagradas e tenho a intenção de ensiná-los o Bhagavatam”. O rei, que era o mais sábio dos dois, sabia bem que se um homem estudasse realmente o Bhagavatam trataria de conhecer o seu próprio Ser, ao invés de ir à corte de um rei para ganhar riquezas e honras. Sendo assim, o rei respondeu: “Bem vejo, brahmin, que não estudou a fundo este livro. Prometo que o aceitarei como mestre. Mas antes vá até sua casa e estude bem as escrituras.”. O brahmin se foi, pensando consigo mesmo: “Que insensatez da parte do rei me dizer que não aprendi o Bhagavatam, se o estive lendo durante anos”. Contudo releu o livro com muita atenção e tornou a visitar o rei. Este o despediu com a mesma recomendação que tinha feito da última vez. O brahmin se sentiu muito ferido, mas pensou que o comportamento do rei poderia ter algum outro significado. Voltou para casa, se fechou em seu quarto e se aplicou com mais afinco do que nunca aos estudos do livro. Pouco a pouco o significado oculto do Bhagavatam começou a se revelar ante seu intelecto. A vaidade de correr atrás de riquezas e honras, dos reis e das cortes, se desvaneceu por completo diante de sua esclarecida visão. Mais adiante se dedicou por inteiro a alcançar a perfeição mediante a adoração de Deus e nunca mais pensou em voltar ao palácio do rei. Alguns anos depois o rei se lembrou do brahmin e com o desejo de saber alguma coisa dele, foi visitá-lo em sua casa. Vendo-o radiante de Divina Luz, o rei ajoelhou-se ante ele e lhe disse: “Vejo que agora realizou o verdadeiro significado das escrituras. Estou disposto a ser seu discípulo, se bondosamente consentir em aceitar-me”. 1120. Em uma aldeia da Índia havia um monastério e os monges que ali viviam, costumavam sair todos os dias para mendigar a comida com suas tigelas. Um dia um dos monges, enquanto percorria a aldeia, viu um zemindar (fazendeiro) que batia muito em um pobre homem. O santo, sendo de coração muito compassivo, pediu ao zemindar que deixasse a vítima. O zemindar, cego de cólera, atacou o monge e descarregou sobre ele toda a sua fúria. Bateu nele com tanta violência que o deixou inconsciente e estendido no chão. Outro homem, ao ver a condição do santo, foi ao monastério e contou o que havia acontecido. Todos os monges correram para o lugar onde este jazia, o levantaram e o levaram ao monastério onde o colocaram sobre uma cama. Apenados e ansioso, os irmãos o abanaram, salpicaram seu rosto com água fria, verteram leite em sua boca tratando, por todos os meios, de reanimá-lo. Pouco a pouco ele foi recobrando a consciência. Abriu os olhos e viu todos os monges que estavam a sua volta e um deles lhe perguntou: “Maharaja, reconhece agora aquele que está lhe dando leite?”. Com voz fraca o santo respondeu: “Irmão, aquele que me bateu está agora me alimentando”. Não podemos realizar esta unidade de Espírito, a menos que alcancemos a consciência de Deus e transcendemos o bem e o mal, a virtude e o vício. 1121. Em certa aldeia vivia um jovem, cujo nome era Padmalochan, mas a quem os aldeões chamavam de Podo. Havia na aldeia um velho e destruído templo e dentro dele não havia nenhuma imagem de Deus. Todo o edifício estava coberto de plantas e musgos e tinha se transformado em residência de pássaros e morcegos. Inusitadamente, em uma tarde, os aldeões ouviram um som de gongo e de caracol, que vinha do templo abandonado. Homens, mulheres e crianças se dirigiram apressadamente para o templo acreditando que algum devoto tinha entronizado, novamente, a imagem de Deus e estava fazendo o culto vespertino. Juntando as palmas das mãos com reverência, todos esperavam ver a sagrada imagem, enquanto escutavam, de fora, o som que saía do interior do templo. Mas um dos devotos, mais ousado que os outros, meteu a cabeça pela porta e olhou para dentro. Com muita surpresa viu que era Podo quem estava tocando o gongo e soprava o caracol. O piso estava sujo como antes e não havia nenhuma imagem a adorar. Então censurou Podo, dizendo: “Oh Podo, não há nenhuma imagem de Madhava em seu templo! Nem se preocupou em limpar e purificar o templo! Dia e noite os onze morcegos chiam aqui dentro. Você fez tanto alvoroço para nada, soprando com tanta força nesse caracol”. (Madhava é um nome de Deus). Por isso, se quiser instalar a imagem de Deus no templo de seu coração, isto é, se você quiser realizar o Senhor, de que serve soprar simplesmente o caracol? Primeiro purifique seu coração. Quando sua mente estiver purificada, então o Senhor virá morar em você. Nenhuma imagem de Deus pode ser entronizada em um lugar impuro. Os onze morcegos representam os onze sentidos (cinco órgãos do conhecimento, cinco órgãos da ação e a mente). Primeiro, você deve ter Madhava em seu coração e logo terá tempo de pensar em conferencias e pregações. Contra-capa: “Cada religião é um caminho que conduz ao mesmo Deus”. Esta grande mensagem de Sri Ramakrishna foi dada pela primeira vez ao mundo ocidental através da voz do ilustre Swami Vivekananda, dileto discípulo do Mestre, no Parlamento das Religiões, que aconteceu em Chicago no ano de 1893. Sri Ramakrishna é adorado hoje como Encarnação Divina por milhões de homens no Oriente e Ocidente. Swami Vijoyananda, da Ordem Ramakrishna, que esteve radicado entre nós por muitos anos, apresenta esta compilação de ditos do Grande Mestre no “Sagrado Ensinamento de Sri Ramakrishna”. Este livro é uma valiosa e muito oportuna contribuição do Swami para todos os aspirantes da Verdade Suprema. Lendo e meditando sobre cada versículo, o aspirante, segundo sua inclinação religiosa, progredirá firmemente para o alcance de seu próprio ideal. No ensinamento de Sri Ramakrishna está ausente toda pregação sectária, de modo que todos aqueles que desejam a visão de Deus, qualquer que seja sua religião, encontrarão alento e alimento espiritual neste livro. Todas as Encarnações Divinas falam do único Princípio Supremo. Segundo a necessidade da época, Seu Evangelho destaca uma particular mensagem. Para o homem moderno a mensagem especial de Sri Ramakrishna, que praticou e realizou todas as religiões, é: “A energia é Deus Mesmo em ação e a Misericórdia é o modo em que Deus se manifesta a nós”. FIM
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